terça-feira, 1 de dezembro de 2015

CAVALOS DO AMANHECER, Mario Arregui

CAVALOS DO AMANHECER, Mario Arregui, L&M Pocket, 144 páginas, 2003, isbn 978-85-254-1291-1





Há uma eterna contenda dentro de mim, eu comigo mesmo, buscando subir sempre um degrau a mais na melhoria da escrita, contra o outro acomodado, satisfeito antes da hora, achando que do jeito que está, dá para o gasto.

E também travo contendas com os escritores que leio. Não as busco. Nem gosto de disputa, de apostas. Desde pequeno que fujo das parelhas, do vamos ver quem chega primeiro. Quando me bato com um palavroso cheio de argumentos prefiro me calar, fazer de conta que presto atenção, e escapo pelas paralelas o mais rápido que consigo.

As contendas com os escritores que leio nascem espontâneas, logo nas primeiras linhas. Instalam-se silenciosas, com o natural estudo de adversários, a avaliação dos seus armamentos, a procura de uma rota de fuga para o caso de desvantagem. Menos vejo, já estou envolvido até o pescoço. Dependendo da emoção que me afete, parto para a via de fato, posso enveredar pela calorosa altercação verbal, com xingamentos, palavrões, elogios, vivas... Muitas lágrimas.


Minha esposa, que cuida de suas coisas em outro ambiente, sempre aparece, tentar socorrer o poeta desconexo, o escritor inverossímil ou o marido exacerbado.


Já abandonei livros pela metade, já rasguei outros, mas também mandei construir altares para alguns.
Recriminei-me por ter chegado até o fim de certos livros e chorei quando outros terminaram tão cedo.

A minha contenda desta semana foi com “Cavalos do Amanhecer”, de Mário Arregui. Autor desconhecido até que comprei, por três reais, no supermercado Bom Preço, o seu pequeno livro, um pocket da LPM. Na oportunidade, comprei outros títulos de autores diversos, escolhidos ao léu, mais porque estavam no queima e achei uma injustiça (aos autores, aos editores), nem a um preço irrisório, um cara pretensamente instruído fazer de conta que nem viu.

Fui avançando na leitura e na minha contenda. E fui perdendo para o autor, em cada frase, em cada passagem. Ou melhor, ele foi me dominando. Saí da arquibancada e entrei na arena dos leões. Eu não era mais o leitor surpreendido. Encantei-me, como os irmãos Correa em Os Contrabandistas. Misturei-me nas histórias, sem sua licença. Assumi, como se fosse minha, a construção da obra, já concluída. Bem que poderia ter sido eu! Por que não fui?

E como escapar desse fantástico desvario?

Noite de São João é uma aula de contear (existe?): “olhou o triângulo do sexo... tíbio e terno e estremecido como um pássaro”. Assim como os demais, melhores ainda. O Regresso de Ranulfo Gonzalez termina igualzinho ao O Preço do Santo, em Os Ferreiros, penso que sim. Em Os Contrabandistas, os irmãos Correa encarnam em seus espíritos a consciência de Rulfo Alves, nada tão triste e tão belo! Na página 43 há uma sequência sôfrega, que palavra nenhuma poderia dizer tão bem como as linhas em branco deixadas à propósito. Quis fazer assim em Os Ferreiros, mas meu revisor quase dá um troço. Três Homens: “o sargento ali ficou, cabisbaixo, como perdido em pensamentos difíceis”.
Cavalos do Amanhecer...
Eu não saberia terminá-lo de outra maneira.

Diego Alonso? Nunca daria meu pescoço para ser escanhoado pelo barbeiro! Lua de Outubro tem final espetacular, nada como cinco tiros implacáveis de um revólver. A Vassoura da Bruxa: “posso dizer que um velório sem defunto é uma das coisas mais estranhas que existem entre o céu e a terra”. E, finalmente, Os Ladrões: aprendizes recuam ao crime (à barbárie), espantados pelo pudor (um sentimento besta de meninas).

São histórias marcantes que jamais serão esquecidas, até pelo relapso leitor. Mesmo que o enredo fuja, as imagens persistirão indeléveis. Por mais avoado que o leitor seja, voará nas asas da escrita irretocável. Os pampas serão seus pagos também.

Respeitosamente, arriei minhas armas  de ataque aos pés de Arregui.

  

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