sexta-feira, 1 de outubro de 2021

DAQUI, DALI E DACOLÁ

 

DAQUI, DALI E DACOLÁ, Pequenas Histórias da Vida, José Marcondes de Jesus, 2015, Infographics,260 páginas, Isbn 978-85-68368-37-4

 



Este é  um livro inesgotável, quanto mais se lê mais há o que ler. Poderia enfadar por isso. Mas não enfada. A cada passo à frente, mais curiosidade, mais surpresa, mais prazer. Cada novo caso é uma porção de castanha de caju torrada do Carrilho ou um tablete de chocolate suíço. Gozo contínuo...Frustação apenas no final da crônica 111, na página 260 (Minha mãe, Carta de São Paulo aos Corintos), porque não há mais castanha, o livro acaba.  

A maioria dos contos é construída em dois estágios. O primeiro aborda um aspecto da cultura universal (o resto do Brasil também é exterior algumas vezes, pois parece) e nele embasa o segundo estágio: folclore, jeito de viver, verve Itabaianenses, pois Itabaiana é uma nação à parte sempre, tem personalidade própria. E este paralelo entre os dois estágios enriquece o lado de Itabaiana (que nos é afeto) e mais ainda o lado universal (imagino).

Marcondes conhece o mundo lá fora desde criança. Tem paixão roxa, pedido de paixão. O namoro aconteceu em criança ainda través de cartas. Os destinatários eram achados nos jornais e revistas que passavam à sua frente. O Correio de Itabaiana já sabia que os envelopes tarjados com bandeiras estrangeiras eram para o menino esquisito, filho de seu Ivanildo, que morava na rua do Cisco (hoje 13 de maio), número 61.

“Quando estafeta passava pela calçada de Mané Teles...não tinha erro, tinha correspondência para mim. A cada envelope aberto, a emoção de novas descobertas do mundo de lá longe que só a imaginação do menino abelhudo podia imaginar. Meu pai me alertava para ter cuidado com tanto envelope chegando com tarjas vermelhas (via de regra eram) para não me tomarem por comunista”.

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José Marcondes de Jesus é formado em Medicina pela Ufs, mas sua especialização incluiu instituições internacionais, como a Universidade de Brown nos EUA, o hospital San Jam em Bruges, Bélgica, o Hospital Geral de Massachusets...

E sempre que pode (é médico dos caminhos da respiração difícil e do sono fugidio, e demais requisitado) ele roda o mundo, senão em mais um curso de especialização, mas se deleitando nessa Itabaiana estendida que em todo canto há revelada, com surpreendentes detalhes.

O livro, “Daqui, Dali e Dacolá” é denso, sério e divertido, em cada informação. É bom ler devagar. Como se visita a um grande museu de obras de arte, como o Louvre de Paris, por exemplo.

Não é preciso ter sabedoria especial para gostar do museu ou do livro de Marcondes. Basta ter calma, bom gosto e atenção, e entrar porta a dentro.

“O carboreto é umas pedra que molhada pega fogo”(142, citando o jegue Carboreto que passava o dia inteiro levando barricas de água para a população que não possuía cisterna).

“Assim como os Itabaianenses, os fenícios produziram ligas de ouro e de outros metais, tecidos, grãos, armas e óleos. Mas o seu grande poder estava na frota naval, assim como os caminhões são o poder dos ceboleiros (Página 159, sem citar ninguém).

“As grandes massas cairão mais facilmente numa mentira grande do que numa pequena” (151, citando Adolfo Hitler. Somos um povo faminto por ilusão. A verdade nos causa fastio).

“A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer (151, citando Mário Quintana e a assertiva de que para tudo há sempre um perdão).

“Itabaiana é terra das originalidades” (Página 101, citando dr. Severiano promotor de Justiça em Itabaiana na década de 40 e 50).

E o sobre os galos nas torres das igrejas matrizes   pelo mundo... Há um imponente galo na igreja de Itabaiana, que foi rifado por Carrasco, um dos girentos do lugar. Em Itabaiana, rifam-se caminhões, motocicletas, carneiros, garrotes, perus cevados. .Este povo gosta de riscos. Faz estapafúrdias apostas sobre espirros do vigário alérgico, os votos apurados para a cachorra de Cori na eleição corrente, a hora da chegada do caminhão de Niu do Feijão...  

O ganhador da rifa veio receber o prêmio. 

Carrasco explicou: “Você vai para o pé da torre da igreja, leva uma cuia de milho, esparrama pelo chão, quando o galo descer para comer, você pega e leva pra casa”. 

O ganhador protestou: ”Se eu soubesse que era assim, eu não teria comprado o bilhete”. 

Carrasco então, vivo como era (vendera todos bilhetes), disse: “Não tem problema. Se não está satisfeito, eu devolvo seu dinheiro e fico com o galo”.

E o problema foi resolvido assim. 

Sobre a leitura do livro de Marcondes... O ideal é ler um conto, logo cedo, reler a gosto,  passar o resto do dia revendo detalhes, recolhendo o néctar de cada flor, dando gargalhadas que certamente escaparam logo cedo, pela manhã. 

Mas quem pode se dar ao luxo e ao prazer de gastar tanto tempo com um conto,  se o livro "Daqui, dali e dacolá" tem mais de cem?

(Aracaju,07 de setembro de 2015; recuperada em 01 de setembro de 2021)

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