domingo, 31 de julho de 2022

MACBETH, Jo Nesbo


MACBETH, Jo Nesbo, Record, 2019, tradução de Márcia Alves, Rio de Janeiro, 515 páginas, Isbn 978-95-11-11694-9


 

A Livraria Escariz estava com uma promoção, livros da Record de três anos atrás a preço de banana. Uma mesa cheia. Comprei Isabela Allende, Garcia Marques e Jo Nesbo. Este Jo, outro dia, enchia as gôndolas, era badalação; a revista Veja e outros fazedores de cabeça traziam resenhas, testemunhos, frases de celebridades, estatística de venda com números absurdos. Fora uma estadia meteórica nas gôndolas de frente, aquelas que enchem os olhos da clientela por um ou dois meses e depois os livros vão para o porão da loja, dão lugar à novas coqueluches. 

Desse porão é que devem ter vindo para a mesa cheia onde os vi e me espantei. R$15,00 cada exemplar.  

Os funcionários garantiram que preço estava correto, eu podia levar quantos exemplares quisesse. Perguntei por quê? Não abriram o jogo inteiro, mas consegui pescar indícios aqui e ali e montei uma explicação que faz sentido. “Os livros pararam de vender e a Record, que os distribui por consignação, pediu para os mandar de volta. A Escariz fez o orçamento para os localizar na barafunda, empacotar, tirar nota fiscal, despachar no correio, e informou o valor. Cada exemplar ficaria pelo dobro do custo na editora. E onde guardá-los na editora se o estoque destes era imenso, a saída fora pouca. Então, mandou vender por qualquer preço ou tocar fogo neles".

Esse Jo Nesbo sempre me intrigou, mas nunca me decidi a comprar um livro dele por 70,00; agora comprei por 15,00, trouxe três romances para casa.

xxx

Esta semana, atribulado com problemas de saúde e de família, precisei de um bom romance policial para me sanear. E peguei o grosso “Macbeth”, de 515 páginas, um calhamaço. Até achei bom ser imenso. Eu teria mais tempo a me confortar. 

xxx

Cheguei na tora à página 132, e escrevi a lápis em letras garrafais no espaço livre que sobrou no final do capítulo 8: “Paro aqui. Nenhum passo dou mais"...

xxx

Uma cidade decadente tomada pela marginalidade, que me pareceu a região da Princesa Isabel e Estação em Luz de São Paulo, lotada de crakeiros. E uma polícia corrupta que nem a carioca que a televisão mostra sempre.

Então, entra o policial, chamado Macbeth, sem nem ser chamado, com sua equipe, em uma operação comandada por um dos chefões da polícia. Salva a operação, resgata os companheiros dominados, destrói um caminhão de anfetamina e elimina traficantes que a polícia há muito perseguia.

Macbeth é um tipo singular: de menino pobre de orfanato, virou garoto de rua, viciado em droga pesada. Seus braços ainda hoje, vinte anos passados, são marcados por profundas cicatrizes de picadas de agulhas. Com a ajuda de um amigo (hoje seu parceiro na polícia) saiu das ruas e do vício e entrou na academia de polícia. 

Hoje é o policial mais respeitado da corporação. E acaba de ser nomeado para comandar o departamento mais importante da Polícia. 

Os candidatos naturais roem as unhas enciumados...

Macbeth tem uma vida social estável, é casado com Lady, a dona do mais chique cassino da cidade, que promove uma grande festa para celebrar a posse do esposo. 

E na véspera, Lady exige que Macbeth mate Duncan, superintendente da Polícia. Lady deve ter motivos que o autor não contou até onde li. 

Como muitos dos ilustres convivas, Duncan aceitou hospedar-se nas suítes do cassino, um luxo e deferência da proprietária. 

Macbeth não vê sentido em eliminar Dunca, que o nomeou para o alto posto. Mas Lady não abre mão. E ele não sabe como negar este favor à amada.

Mas entra em parafuso. 

Quando festa está no fim e quase todos já se recolheram para dormir, ele sai para a cidade, entra na zona do tráfico, tenta comprar Brew, que é o Crack do lugar, mas os vendedores recusam vender. Macbeth é o símbolo dos bons costumes, todos o reconhecem. Então Hécare (o bandidão terrível) o alcança com as garras, e Strega, a mão direita ubíqua, oferece-lhe um kit de presente. 

Macbeth entra no fedorento banheiro público, consegue um espaço no meio dos viciados, espalha o pó no tampo da pia. Esmaga os grumos com o lado cego de uma de suas adagas, enrola droga em uma cédula de dinheiro e se entope até a raiz do cabelo. 

Que absurdo! Tanto por tão pouco. Em vários sentidos, isso deixa o romance surreal, inverossímil a meu ver. 

Como um zumbi, Macbeth retorna ao cassino onde os últimos clientes, inclusive Lady, riem em fim de festa. Sobe ao hotel e entra no apartamento onde Duncan dorme. Os guarda-costas, no apartamento conjugado, estão desmaiados. Lady dera-lhes champanhe soporífera em um cálice compartilhado.

Macbeth procura uma melhor posição, calcula a distância até a jugular do chefão e dispara sua silenciosa e mortal adaga. Tem certeza que acertou em cheio. E vai saindo... Olha da porta para conferir e percebe um movimento estranho. Duncan tira a pistola debaixo do travesseiro e atira...

Como é que é? Nem quis saber se a adaga fatal matou o chefão ou se a bala da pistola acertou o alvo. Com o lápis, que sempre me acompanha nas leituras, escrevi em garrafais ao final da página 132 meu desabafo. Joguei o livro na caixa de descarte. 

Peguei os outros dois do mesmo autor e os joguei junto. Ao vê-los caindo, deu-me uma pena! 

Peguei de volta os dois últimos (A sede, e A Estrela do Diabo), achei que tinham pouca culpa (somente eram do mesmo autor). Jo Nespo vendeu 40 milhões de exemplares pelo mundo; saiu da longínqua Noruega e alcançou Aracaju com suas obras. Talvez merecesse uma nova chance. E mais respeito. 

Ora! Ora!

 (por Antônio FJ Saracura, Aracaju 2022jul30)

Nota:

Minha esposa, Cida, que é leitora voraz, leu, depois “A Estrela do Diabo”, um dos dois salvos do descarte, e gostou.

 


2 comentários: