quarta-feira, 4 de outubro de 2023

O CAPITÃO SAIU PARA O ALMOÇO..., Charles Bukowski

 

O CAPITÃO SAIU PARA O ALMOÇO..., Charles Bukowski, LPM Pocket, Porto Alegre, 2019, ficção americana, novela, ISBN 978-85-254-1210-2

       

Jack Kerouac e Charles Bukowski são dois autores "marginais" americanos que dão gosto ler. Quando nenhum livro estabelecido me satisfaz, quando vou perdendo a esperança do inusitado na leitura, pego qualquer livro de um ou do outro e o leio por ler, despojado, sem obrigação de prestar conta. Viajo sem bagagem e sem dinheiro, nem levo meu vidrinho de comprimidos no bolso. 

E me recupero. 

Como estes dois autores, somente Geoges Simenon, em outro estilo, mais rigoroso, para ocasiões especiais, e Saracura, que sou eu mesmo, cuja releitura me incendeia de fogo novo, mas nem uso muito porque disponho dele na hora que eu quiser.

O livro “O Capitão saiu para o almoço...” é formado de trechos do diário do autor nos últimos anos de vida (29/08/1991 até 27/02/1993, faleceu em 1994), quando nem mais ligava para o prêmio que lhe pagava o cavalo vencedor no Hipódromo. O livro é considerado pela crítica como o testamento literário e filosófico do velho Buk.

E eu, como busco mas não consigo escrever igual a Bukowski, uso, a seguir, trechos de seu livro, para concordar com a crítica, pegar parte do que me coube neste testamento e para seu deleite, se tiver bom gosto, que acho que tem, pois está comigo até agora. 

(Sobre o passado e o futuro):

“Tive pouco na maior parte da vida. Sei o que é morar em um banco de praça, e sei o desconforto de o proprietário bater na porta cobrando o aluguel.”

“Uma noite, eu dormi, bêbado, em cima de uma lata de lixo. Em New York. Fui acordado com um enorme rato sobre minha barriga. Nós dois, de uma só vez, pulamos quase um metro para cima. Eu estava tentando ser um escritor.”

“O suicídio é como uma luz que pisca. No escuro. Alguma coisa que faz você continuar? De outra forma, seria apenas loucura. Cada vez que escrevo um bom poema, é mais uma muleta que me faz seguir em frente.”

(Sobre outros escritores):

“A criatividade da maioria dos escritores tem vida curta. Ouvem os elogios e acreditam neles. Quando é influenciado pelos críticos, editores ou leitores está acabado. Quando for influenciado pela sua fama e por sua fortuna pior ainda."

“Poucos escritores gostam do trabalho de outros escritores Eles só gostam dos outros quando morrem ou se já morreram há muito tempo. Não gosto nem mesmo de falar com escritores, de vê-los, ou, pior, de ouvi-los.”

“Depois de décadas escrevendo (escrevi um monte), quando leio outro escritor acho que posso dizer exatamente quando ele está fingindo, a mentira salta aos olhos. Posso adivinhar qual será a próxima linha, o próximo parágrafo. Não há brilho, emoção, risco. (Escrever) é uma tarefa que eles aprenderam, como consertar uma torneira que pinga.”

 (Sobre leitores e jornalistas):

“Um escritor só deve ao seu texto. Ele não deve nada ao leitor, exceto a disponibilidade da página impressa. E muitos dos que batem à porta do escritor famoso não são nem leitores, só ouviram falar alguma coisa sobre a obra do escritor. O melhor leitor é o que me recompensa com sua ausência."

“Eu simplesmente disse que o trabalho de escritor é escrever. Não ficar dando entrevista. Se eu for queimado por estes fajutos (repórteres), a culpa é minha.”

(Sobre o meu trabalho de escritor):

“Ao escrever, você deve deslizar. As palavras podem ser distorcidas e instáveis, mas, se deslizam, há um certo deleite, que ilumina. Sherwood Anderson foi dos que melhor brincou com as palavras, como se fossem pedras, ou pedaços de comida para serem comidos. PINTAVA as palavras no papel. E elas eram tão simples que você sentia fachos de luz, portas se abrindo, paredes brilhando. Mas também eram como balas de revólver. Te atingiam em cheio.”

“Se estou sendo dilacerado pelo stress, olho para meu gato dormindo ou meio dormindo e relaxo. Escrever é também meu gato. Escrever me faz enfrentar coisas. Me acalma. Por um tempo, pelo menos. Não consigo entender os escritores que decidem parar de escrever. Como podem esfriar?”.

“Para eu escrever, gosto de assistir lutas de boxe, ver o incessante jab,direto de direita, o gancho de esquerda, o uppdercut, o counter punch. Gosto de vê-los (os pugilistas) lutarem, sairem da tela. Existe algo a ser aprendido, algo a ser aplicado à arte de escrever, à maneira de escrever. Você só tem uma chance, que logo desaparece. Se não aproveita, sobram páginas, que você pode queimar.” Sobra a lona.

 Xxx

E assim são todas as páginas (150) do pocket, misturam operação de catarata, música clássica, show de rock, beijos em Linda, impaciência com os pedantes poetas mantidos pelas mães bajuladas. Tiradas espirituosas... E palavrões, palavrões, palavrões embalando as lições de um velho safado e escritor de mão cheia. 

Por Antônio Saracura, em 03 de outubro de 2023

 


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