O CAPITÃO SAIU PARA O ALMOÇO..., Charles Bukowski, LPM Pocket,
Porto Alegre, 2019, ficção americana, novela, ISBN 978-85-254-1210-2
Jack
Kerouac e Charles Bukowski são dois autores "marginais" americanos
que dão gosto ler. Quando nenhum livro estabelecido me satisfaz, quando vou
perdendo a esperança do inusitado na leitura, pego qualquer livro de um ou do
outro e o leio por ler, despojado, sem obrigação de prestar conta. Viajo sem
bagagem e sem dinheiro, nem levo meu vidrinho de comprimidos no bolso.
E
me recupero.
Como
estes dois autores, somente Geoges Simenon, em outro estilo, mais rigoroso, para
ocasiões especiais, e Saracura, que sou eu mesmo, cuja releitura me incendeia
de fogo novo, mas nem uso muito porque disponho dele na hora que eu quiser.
O
livro “O Capitão saiu para o almoço...” é formado de trechos do diário do autor
nos últimos anos de vida (29/08/1991 até 27/02/1993, faleceu em 1994), quando
nem mais ligava para o prêmio que lhe pagava o cavalo vencedor no Hipódromo. O
livro é considerado pela crítica como o testamento literário e filosófico do
velho Buk.
E
eu, como busco mas não consigo escrever igual a Bukowski, uso, a seguir,
trechos de seu livro, para concordar com a crítica, pegar parte do que me coube
neste testamento e para seu deleite, se tiver bom gosto, que acho que tem, pois
está comigo até agora.
(Sobre
o passado e o futuro):
“Tive
pouco na maior parte da vida. Sei o que é morar em um banco de praça, e sei o desconforto
de o proprietário bater na porta cobrando o aluguel.”
“Uma
noite, eu dormi, bêbado, em cima de uma lata de lixo. Em New York. Fui acordado
com um enorme rato sobre minha barriga. Nós dois, de uma só vez, pulamos quase
um metro para cima. Eu estava tentando ser um escritor.”
“O
suicídio é como uma luz que pisca. No escuro. Alguma coisa que faz você
continuar? De outra forma, seria apenas loucura. Cada vez que escrevo um bom
poema, é mais uma muleta que me faz seguir em frente.”
(Sobre
outros escritores):
“A
criatividade da maioria dos escritores tem vida curta. Ouvem os elogios e
acreditam neles. Quando é influenciado pelos críticos, editores ou leitores
está acabado. Quando for influenciado pela sua fama e por sua fortuna pior
ainda."
“Poucos
escritores gostam do trabalho de outros escritores Eles só gostam dos outros
quando morrem ou se já morreram há muito tempo. Não gosto nem mesmo de falar
com escritores, de vê-los, ou, pior, de ouvi-los.”
“Depois
de décadas escrevendo (escrevi um monte), quando leio outro escritor acho que
posso dizer exatamente quando ele está fingindo, a mentira salta aos olhos.
Posso adivinhar qual será a próxima linha, o próximo parágrafo. Não há brilho,
emoção, risco. (Escrever) é uma tarefa que eles aprenderam, como consertar uma
torneira que pinga.”
(Sobre leitores e jornalistas):
“Um
escritor só deve ao seu texto. Ele não deve nada ao leitor, exceto a
disponibilidade da página impressa. E muitos dos que batem à porta do escritor
famoso não são nem leitores, só ouviram falar alguma coisa sobre a obra do
escritor. O melhor leitor é o que me recompensa com sua ausência."
“Eu
simplesmente disse que o trabalho de escritor é escrever. Não ficar dando
entrevista. Se eu for queimado por estes fajutos (repórteres), a culpa é minha.”
(Sobre
o meu trabalho de escritor):
“Ao
escrever, você deve deslizar. As palavras podem ser distorcidas e instáveis,
mas, se deslizam, há um certo deleite, que ilumina. Sherwood Anderson foi dos
que melhor brincou com as palavras, como se fossem pedras, ou pedaços de comida
para serem comidos. PINTAVA as palavras no papel. E elas eram tão simples que
você sentia fachos de luz, portas se abrindo, paredes brilhando. Mas também
eram como balas de revólver. Te atingiam em cheio.”
“Se
estou sendo dilacerado pelo stress, olho para meu gato dormindo ou meio
dormindo e relaxo. Escrever é também meu gato. Escrever me faz enfrentar
coisas. Me acalma. Por um tempo, pelo menos. Não consigo entender os escritores
que decidem parar de escrever. Como podem esfriar?”.
“Para
eu escrever, gosto de assistir lutas de boxe, ver o incessante jab,
o direto de direita, o gancho de esquerda, o uppdercut,
o counter punch. Gosto de vê-los (os pugilistas) lutarem, sairem da
tela. Existe algo a ser aprendido, algo a ser aplicado à arte de escrever, à
maneira de escrever. Você só tem uma chance, que logo desaparece. Se não
aproveita, sobram páginas, que você pode queimar.” Sobra a lona.
Xxx
E
assim são todas as páginas (150) do pocket, misturam operação
de catarata, música clássica, show de rock, beijos em Linda, impaciência com os
pedantes poetas mantidos pelas mães bajuladas. Tiradas espirituosas... E
palavrões, palavrões, palavrões embalando as lições de um velho safado e
escritor de mão cheia.
Por
Antônio Saracura, em 03 de outubro de 2023
Publicado na Zona Livre em 16/01/2024
ResponderExcluirLido na ASL em janeiro de 2024
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