terça-feira, 3 de outubro de 2023

ENCAIXOTANDO MINHA BIBLIOTECA, Alberto Manguel


 

ENCAIXOTANDO MINHA BIBLIOTECA, Alberto Manguel, 1 edição, São Paulo, Companhia das Letras, 2021, tradução de Jorio Dauster, isbn 978-65-5921-088-6.

 

Era um final de tarde de sábado, eu estava na Escariz Jardins cumprindo minha missão de “O Escritor na Livraria”, quando chegou Adélia Mota, cronista fina de “À Sombra da Mangueira e outros contos”.

Conversamos até noitinha de livros, de autores daqui e do mundo, de Itabaiana que é nossa pátria comum. Quase não encontro Adélia, ela é professora em vários colégios e eu vivo fechado na minha caverna. E quase ela não fala quando nos cruzamos: “Oi eu, oi ela”. Mas hoje Adélia está elétrica, espiritada, como em sala de aula. E eu presto atenção e emito, somente, esporádicos runs-runs.

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Eu já estava no caixa pagando um livro encomendado pela minha netinha Pietra, e Adélia, que ficara fuçando prateleiras, deu um psiu e me mandou aguardar, com a mão espalmada. E veio com um livro na mão: “Compre e leia! Sei que você não conhece este argentino porreta.”

Em casa, vi que era  um livrinho 12 por 18, de cantos abaulados, de autoria Alberto Manguel, intitulado “Encaixotando minha biblioteca”. 175 páginas de letra de tamanho bom de ler. E que o autor, na juventude, prestou serviço de leitor de livros ao já cego Jorge Luís Borges (que você sabe quem é); e que  morou em vários países e, em cada mudança, carregava uma biblioteca de 35 mil exemplares, daí o título do livro.

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O livro compõem-se de elegias (um texto poético melancólico) e digressões/reflexões sobre livros e eventos correlatos. Comecei a ler, mais por obrigação.

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Três meses depois (o livro andou comigo em salas de espera de consultórios médicos, em reuniões maçantes, até mesmo aqui em casa, tentando me enfadar para agarrar no sono), acabei de ler e não descobri porque a professora me passou este dever de casa.

Talvez ela não soubesse que sou um leitor rude que precisa soletrar para entender palavras compridas, talvez achasse que eu merecia um bom castigo por viver cercado de livros bancando intelectual sem o ser

Mas já que naveguei nos mares, trago para você que é teimoso e ainda me segue, algumas especiarias das Índias (fora do contexto, o qual você pode criar na imaginação ou eu teria que reescrever o livro todo aqui). Algumas das especiarias que me agradaram, nas quais Manguel se pareceu, a meu ver,  com Saracura:

“Um homem não teria o menor prazer em descobrir todas as belezas do universo, mesmo do céu, a menos que tivesse um parceiro com quem compartilhar suas alegrias.” (Página 8).

“Quando a Mona Lisa foi roubada do Louvre em 1911, multidões foram contemplar o espaço vazio com os quatro pinos que sustentavam o quadro, como se a ausência estivesse impregnada de sentido. De pé na minha biblioteca vazia senti o peso dessa ausência num grau quase insuportável.” (Página 14).

“Eu tinha nas estantes dezenas de livros muitos ruins que eu não jogava fora, caso algum dia precisasse de um exemplo de livro de má qualidade.” (Página 15).

“Se eu desejava que alguém lesse determinado livro, que havia em minha biblioteca, eu comprava um exemplar e o oferecia como presente. Emprestar um livro significa incitar o roubo.” (Página 15).

“Por mais que seja minha intenção inicial de ler ou de escrever algo, me perco no caminho. Para admirar uma citação ou ouvir uma historinha; distraio-me com questões que não têm nada a ver com meu propósito, sou carregado por um fluxo de associação de ideias.” (Página 17).

“Desejo a materialidade das coisas verbais, a sólida presença do livro, seu formato, tamanho e textura. Compreendo a conveniência dos livros imateriais e a importância deles na sociedade do século XXI, mas para mim eles equivalem a relações platônicas.” (Página 24).

“Apertos de mão e abraços, debates acadêmicos e esportes de contato, nunca são suficientes para romper nossa convicção de individualidade. Nosso corpo é uma burca que nos protege do resto da humanidade. E não há necessidade alguma de que Simeão Estilita, o antigo, suba no topo de uma coluna no deserto para se sentir isolado de seus semelhantes. Estamos condenados à singularidade.” (Página 25).

“A busca pelos outros - enviando mensagens falando pelo skipe ou procurando parceiros para jogar - estabelece nossa própria identidade. Somos ou nos tornamos porque alguém reconhece nossa presença. Ser é ser percebido.” (Página 29).

“Bradbury explica que teve o primeiro vislumbre do pavoroso mundo de Fahrenheit51 no começo da década de 1950, ao ver um casal caminhando de mãos dadas numa calçada de Los Ângeles: cada um ouvia um rádio portátil. (Página 37).

“Se vale a pena fazer alguma coisa, vale a pena fazê-la mal.” (Chesterton, página 170).

Especiaria sem nada a ver com o que faço.

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(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju, 02 de outubro de 2023)

Nota:

Alberto Manguel é escritor, tradutor, ensaísta e editor argentino, nascido em 1948, Buenos Aires. Atualmente é cidadão canadense. Autor de vários livros de não-ficção e análise literária, a maioria deles em inglês. Prêmios: Alfonso Reyes International Prize, Bolsa Guggenheim para Artes Criativas, Estados Unidos e Canadá, Prix Formentor.

 

 

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