LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio, 2023 desde 2019,
editora Minarete, Camboriú, Santa Catarina, Sem Isbn e CDC.
Os
livros de Eneas, e não são poucos, saem sem cdc ou isbn; não vão ao mercado
literário, brindam amigos e instituições. Amigos como eu, que tive o prazer de
receber a visita deste ilustre senhor aqui em Aracaju.
Eneas
escreve sobre Santa Catarina muito, que é sua pátria e merece. Tem publicado
contos, novelas, ensaios (o Contestado é o tema recorrente), costumes e manias
do catarino, viagens pelo Brasil (sua maior cachaça), coletâneas de artigos que
saíram em revistas e jornais.
Duas
ou três vezes por ano eu recebo pelo correio um novo livro de Eneas. Também
envio os meus quando saem do prelo. Ele escreve resenhas e as publica nas
colunas que mantem na mídia. Eu não consigo acompanhar o ritmo do infernal
barriga verde.
“Livro
Sobre Livros” (são quatro volumes) falam de livros, de autores e, aqui e acolá,
inclui contos de sua lavra. Uma boa lavra.
No
volume 01 (artigos), publicado em 2019, há Ranulfo Prata acolhendo Lima Barreto
em Mirassol; há Anita Mafaldi, André Malraux, Câmara Cascudo, e outros. Há
Simenon, que é meu relax também, com os inteligentes romances policiais para
serem lidos de uma sentada.
Eneas
comenta o livro “Os ditadores mais perversos da história” e, ao concluir,
levanta o cartão vermelho e conclama-nos: “A grande lição do livro é simples e
direta: a vigilância democrática nunca pode afrouxar e precisa ser barulhenta
como os gansos do Capitólio.”
No
volume 02 (Autores Catarinenes), de 2020, apresenta um apanhado da literatura
de Santa Catarina, que é rica. Alguns dos nomes por aqui ainda não chegaram, o
Brasil é formado por nichos isolados.
No
volume 03 (Ernest Hemingway), também de de 2020, dedica 119 páginas a Ernest
Hemingway. E recorda a tragédia literária que se abateu sobre o grande Hem. A
esposa quis fazer-lhe uma surpresa (ele a chamara para pequenas férias no
interior da Suiça onde encerrara a participação em um congresso) e botou os
originais do livro em que o marido trabalhava há anos (também a cópia, por
engano) em uma valise. No trem, a valise foi roubada e ninguém achou mais
nunca. Hemingway ficou enlouquecido: “Eu tinha escrito aquilo tantas vezes para
chegar aonde eu queria... Não há como escrever o livro outra vez.”
O
volume 4 (Contos e artigos), que saiu em 2023, traz seis contos, no início
e, a seguir, artigos sobre grandes nomes da nossa literatura: Humberto de
Campos, maranhense, que entrou na Academia Brasileira com 40 anos e viveu
apenas mais 8 anos... A destruição de João do Rio. As colunas sociais de João
eram replicadas por Humberto, no dia seguinte, mostrando os podres dos
personagens louvados. Guerra sem trégua nem quartel. Quem quereria ser louvado
por João para Humberto esculhambar?
Gilberto
Amado, sergipano e orgulho de todos daqui, tem 12 páginas para si. “Sacou a
arma e atirou em Aníbal que o provocava. Dois tiros certeiros, Anibal morreu na
hora. Nem Gilberto acreditou ter acertado. "A História de Minha Infância”,
só a li quando já havia publicado “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Foi a sorte
de meu livro, porque não existiria se eu tivesse lido Gilberto antes.
Guimarães
Rosa, mineiro que deu nova vida a literatura brasileira, então exangue, ganha
32 páginas. Eneas vasculha a imensidão dos Gerais e se retém onde reside a
essência de um povo esperto. “Quem qualquer daqui jura que ele tem um capeta em
casa, miúdo satanazin, preso obrigado a ajudar em toda ganância que executa
razão que Zé Simplício se empresa em vias de completar rico.”
Depois
vem Vargas Vila, neste mesmo tomo, de quem eu já esquecera totalmente. Foi
sucesso na segunda metade do século XX, unanimidade. "Na obra de Vila, a
realidade e a ficção se envolvem de tal forma que é difícil separá-las”.
Bateu-me aquele sentimento de inutilidade: o que estou fazendo? Não adianta
escrever muito, escrever bem, será esquecido.
Stefan
Zweig me deixou ainda mais assustado com o absurdo da guerra, com a maldade
desse animal que se diz superior.
O
inspetor Maigret elucida mais crimes e empata com Poirot e com Holmes. Não fica
atrás de ninguém. “Grandalhão, meio pachorrento, envergando o inseparável
sobretudo com gola de lã, usando chapéu preto e sugando o
cachimbo...” Toda minha coleção, formada com zelo, emprestei ao velho
jornalista Carlito Conceição, que vivia muito só. Após sua morte, encontrei o
filho na rua João Pessoa e perguntei pelos meus livros. “De quem? Não vi livro
nenhum desse tal Simenon”.
(Aracaju,
06 de outubro de 2023, por Antônio FJ Saracura)
Publicado em Zona Sul 12/12/2023
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