sexta-feira, 6 de outubro de 2023

LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio,

LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio, 2023 desde 2019, editora Minarete, Camboriú, Santa Catarina, Sem Isbn e CDC.

 


Os livros de Eneas, e não são poucos, saem sem cdc ou isbn; não vão ao mercado literário, brindam amigos e instituições. Amigos como eu, que tive o prazer de receber a visita deste ilustre senhor aqui em Aracaju.

Eneas escreve sobre Santa Catarina muito, que é sua pátria e merece. Tem publicado contos, novelas, ensaios (o Contestado é o tema recorrente), costumes e manias do catarino, viagens pelo Brasil (sua maior cachaça), coletâneas de artigos que saíram em revistas e jornais.

Duas ou três vezes por ano eu recebo pelo correio um novo livro de Eneas. Também envio os meus quando saem do prelo. Ele escreve resenhas e as publica nas colunas que mantem na mídia. Eu não consigo acompanhar o ritmo do infernal barriga verde.

“Livro Sobre Livros” (são quatro volumes) falam de livros, de autores e, aqui e acolá, inclui contos de sua lavra. Uma boa lavra. 

No volume 01 (artigos), publicado em 2019, há Ranulfo Prata acolhendo Lima Barreto em Mirassol; há Anita Mafaldi, André Malraux, Câmara Cascudo, e outros. Há Simenon, que é meu relax também, com os inteligentes romances policiais para serem lidos de uma sentada.

Eneas comenta o livro “Os ditadores mais perversos da história” e, ao concluir, levanta o cartão vermelho e conclama-nos: “A grande lição do livro é simples e direta: a vigilância democrática nunca pode afrouxar e precisa ser barulhenta como os gansos do Capitólio.”

No volume 02 (Autores Catarinenes), de 2020, apresenta um apanhado da literatura de Santa Catarina, que é rica. Alguns dos nomes por aqui ainda não chegaram, o Brasil é formado por nichos isolados. 

No volume 03 (Ernest Hemingway), também de de 2020, dedica 119 páginas a Ernest Hemingway. E recorda a tragédia literária que se abateu sobre o grande Hem. A esposa quis fazer-lhe uma surpresa (ele a chamara para pequenas férias no interior da Suiça onde encerrara a participação em um congresso) e botou os originais do livro em que o marido trabalhava há anos (também a cópia, por engano) em uma valise. No trem, a valise foi roubada e ninguém achou mais nunca. Hemingway ficou enlouquecido: “Eu tinha escrito aquilo tantas vezes para chegar aonde eu queria... Não há como escrever o livro outra vez.”

O volume 4 (Contos e artigos), que saiu em 2023, traz seis contos, no início e, a seguir, artigos sobre grandes nomes da nossa literatura: Humberto de Campos, maranhense, que entrou na Academia Brasileira com 40 anos e viveu apenas mais 8 anos... A destruição de João do Rio. As colunas sociais de João eram replicadas por Humberto, no dia seguinte, mostrando os podres dos personagens louvados. Guerra sem trégua nem quartel. Quem quereria ser louvado por João para Humberto esculhambar? 

Gilberto Amado, sergipano e orgulho de todos daqui, tem 12 páginas para si. “Sacou a arma e atirou em Aníbal que o provocava. Dois tiros certeiros, Anibal morreu na hora. Nem Gilberto acreditou ter acertado. "A História de Minha Infância”, só a li quando já havia publicado “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Foi a sorte de meu livro, porque não existiria se eu tivesse lido Gilberto antes.

Guimarães Rosa, mineiro que deu nova vida a literatura brasileira, então exangue, ganha 32 páginas. Eneas vasculha a imensidão dos Gerais e se retém onde reside a essência de um povo esperto. “Quem qualquer daqui jura que ele tem um capeta em casa, miúdo satanazin, preso obrigado a ajudar em toda ganância que executa razão que Zé Simplício se empresa em vias de completar rico.”

Depois vem Vargas Vila, neste mesmo tomo, de quem eu já esquecera totalmente. Foi sucesso na segunda metade do século XX, unanimidade. "Na obra de Vila, a realidade e a ficção se envolvem de tal forma que é difícil separá-las”. Bateu-me aquele sentimento de inutilidade: o que estou fazendo? Não adianta escrever muito, escrever bem, será esquecido.

Stefan Zweig me deixou ainda mais assustado com o absurdo da guerra, com a maldade desse animal que se diz superior.

O inspetor Maigret elucida mais crimes e empata com Poirot e com Holmes. Não fica atrás de ninguém. “Grandalhão, meio pachorrento, envergando o inseparável sobretudo com gola de lã, usando chapéu preto e sugando o cachimbo...” Toda minha coleção, formada com zelo, emprestei ao velho jornalista Carlito Conceição, que vivia muito só. Após sua morte, encontrei o filho na rua João Pessoa e perguntei pelos meus livros. “De quem? Não vi livro nenhum desse tal Simenon”.

(Aracaju, 06 de outubro de 2023, por Antônio FJ Saracura)

 

 

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