LITURGIA DO OCASO, Francisco J. C. Dantas, editora Criação, 2023, 316
páginas, isbn 978-85-8413-441-0
O jornalista do Correio Matutino corre à Universidade Nutrição, fazer uma entrevista atrasada, adiada algumas vezes, com o magnífico reitor, doutor Severiano Colaço.
A universidade, que possui faculdades em todo o estado, está vivendo intensa campanha política, a atual diretoria luta pela reeleição, apesar de o Regimento não prever.
Agora é
meio da tarde, na sala de recepção da reitoria. O jornalista chegou antes de
começar o expediente e aguarda, sentado, impaciente. Três pró-reitores da
instituição, figuras carimbadas, eminências pardas da reitoria, chefes da máfia
dominante que interpretam as normas ao seu gosto, ocupam um sofá comprido e
cochicham entre si, aguardando serem chamados para reunião agendada.
O reitor
chegou cedo e está trancado em seu gabinete, ele sabe das visitas, as cozinha
para mostrar poder, talvez.
A
secretária executiva, dona Rosaura, amiga de velhos tempos do jornalista,
digita no computador, mexe em arquivos, confere documentos, mas se mantem
atenta à vida em volta.
A porta da
sala de recepção estremece.
Contra a
luz, está chegando alguém. Dona Rosaura susta os afazeres e olha intrigada. O
toc-toc de bengala no piso desperta a sala.
Os três
pro-reitores, capazes de todas as vilezas, erguem-se, se inclinam de
calcanhares unidos, sorridentes, dóceis, cavalheiros. E pensam juntos: “O que
Ele vem fazer aqui, às vésperas de uma reeleição cheia de dificuldade.
Precisamos descartá-lo.”
Dona
Rosaura abre um sorriso curto, mas acolhedor, ante a figura octogenária, agora
a sua frente, de doutor Moreira, ex-reitor da universidade e que a fez grande,
criador do Hospital universitário Samaritano, que o dirige, benfeitor
reconhecido do povo mais precisado, bastião da moralidade,
voz temida que se levanta contra os desmandos na Nutrição. Ele
não tem hora marcada. Mesmo assim, dona Rosaura o conduz à ante sala vip da
reitoria, não há como o mandar embora.
O
jornalista sente que perdeu a vez, há gente importante demais na fila. Então,
troca a entrevista por uma reportagem livre: “capto o que está em curso, puxo
pela ideia, especulo, leio os sinais”.
Mais tarde,
os três assessores são conduzidos ao gabinete do reitor. Já perto do final do
expediente, dona Rosaura conduz também o doutor Moreira ao gabinete. E
desta vez, ela não retorna.
O
jornalista tenta escutar algum ruído vindo da reunião. Teme pela vida do doutor
Moreira. Nada escuta como se todos orassem baixinho. Impacienta-se e vai
embora, já é tarde, precisa fechar a edição do jornal, que depende
dele.
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Assim nasce o novo romance de Francisco Dantas.
Neste encontro, na sala de espera da Universidade Nutrição: um jornalista independente, um paladino da decência, uma secretária sem prestígio, mas atenta e um trio de picaretas engravatados, espertos e perigosos. E prossegue na sala da reitoria, onde acordos são fechados (à sorrelfa do paladino presente)...
O livro é
um libelo feroz que denuncia a picaretagem, o jogo de influência, o roubo
descarado, o desgoverno nesta universidade pública contaminada (que muito
ensina o que pouco serve). E se conclui nas mãos de Deus, pois não há quase mão
sobrando (cem duvidosas e relutantes) cá embaixo.
O autor (Francisco Dantas) passou a vida profissional dentro de uma Universidade, onde foi Justino Vieira em “Sob o Peso das Sombras” e onde, há mais de vinte anos, conheceu o reitor Colaço (como bem me lembrou o professor Reginaldo de Jesus, de quem nada escapa e leu “Liturgia do Ocaso” com religioso acuro); foi o professor que recusou a medalha pendurada numa fita em “Moeda Vencida”. Criou personagens eternos em sua consistente obra, que viveram sagas sergipanas, mas deixou, nas mesmas, aqui e ali, rastilhos de pólvora espalhados, que se acendidos, explodirão os antros que roubam as verbas das universidades, das prefeituras das cidades, dos ministérios da nação. Roubam a nossa condição de ser uma nação digna.
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Quando escuto ou leio uma história que me arrebata, ela me toma e eu crio novos caminhos e desdobramentos para melhor escapar das enrascadas, gozar mais as delícias, fazer minha justiça particular para o bem ou para o mal. Isso, desde quando ainda era um menino amarelo no sítio saracura. Eu e mais alguns que puxaram aos ferreiros das Flechas.
“Como não
podíamos ter nada visível de que gostássemos, as nossas cabeças se enchiam de
fantasias secretas.” (Página 156 do livro “Os Tabaréus do Sitio Saracura”, 5. edição, 2019).
"Quando voltava das Flechas / Um mês inteiro passava / Contando os casos que vira / Ou então que inventava / E a gente de boca aberta / Interessada escutava...(Página 267 do livro “Os Tabaréus do Sitio Saracura”, 5. edição, 2019).
Ao reler
alguns livros do passado, me espanto com o sumiço de passagens nítidas vistas na
primeira leitura.
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Antes que
me meta em caminhos de onze varas, encerro aqui minha resenha da “Liturgia do
ocaso”. Se tiver como, leia "Liturgia do ocaso" e toda obra do autor (dez grandes romances universais que falam de nossa gente).
Quem, neste
contexto, iria se interessar no castigo que dei, e como dei, na corja suja e lisa que rouba
a nação.
(Por Antônio
FJ Saracura, Aracaju 10 de fevereiro de 2024, revista em 06/03/2024).
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPublicada na Zona LIvre em 07/06/2024
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