sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

LINGUAGEM POPULAR SERGIPANA E OUTRAS PRECIOSIDADES

 LINGUAGEM POPULAR SERGIPANA E OUTRAS PRECIOSIDADES, Benvindo Salles de Campos Neto, Segrase/Edise, 2022,organizada por João Mário Ribeiro Lima Sales de Campos. isbn 978-65-86004-55-7

Após a solenidade de instalação da Academia de Letras de Arauá (14.12.2024), na qual fui agraciado com o título de membro correspondente, cruzei, no hall do salão onde pessoas batiam fotos e se abraçavam, com João Mário, que eu nunca vira. E iniciamos uma conversa espontânea, como se já fôssemos velhos conhecidos. Ele estivera na mesma solenidade, acompanhando a família de José Olino, filho do Arauá e homenageado como patrono-mor da academia.



- Você é o Saracura?

- Sou, e o senhor, quem é?

- Sou filho de Bemvindo Sales de Campos, seu confrade da Sergipana. Meu nome é João Mário...

(Eu o interrompi):

- Logo o filho de Benvindo, de quem estou lendo “A linguagem popular sergipana”, que me encanta a cada verbete?

Neste momento, alguém me puxa pela camisa e chama: “Venha, Venha!” Com o rabo do olho, vejo que é Cris Sousa, a estrela de toda festa literária, ela me convida para entrar em uma foto, que seria antológica; o grupo está postado, aguardando. Mas não posso largar o filho de Benvindo, que alguém chama de um carro estacionado na rua, com a porta traseira aberta. E também não deveria ignorar Cris e nem o grupo postado que me espera. Mas decido: seguro João pela camisa, pois já ia se indo e digo a Cris: “Estou ocupado, não posso agora de jeito nenhum.”

Cris  me solta e incha chateada, eu sinto; mas agora sou somente ouvido para o filho de Benvindo, que prossegue no diálogo sustado:

“É um livro póstumo, saiu agora em 2022, meu pai faleceu em 2010. Foi editado pela Edise. O manuscrito ficou jogado em uma gaveta, no meio de folhas soltas com anotações complementares. Botei tudo em ordem, mantive intocável cada pensamento de meu pai. Deu trabalho, mas saiu e estou aguardando a reação dos leitores...”

Ele falou  e correu ao carro que lhe daria carona para retornar a Aracaju.

Quando me voltei em busca de Cris, não havia mais ninguém batendo fotos; ela e Pascoal me esperavam (impacientes) ao lado do carro, com a porta traseira aberta, para retornarmos.

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Viana de Assis, que escreveu a orelha do livro diz: “O livro revela a alma e o caráter do povo de Sergipe na forma mais expressiva que é a fala. (...) A dicionarização das palavras e expressões colecionadas por Bemvindo, é a preservação eficiente do mundo cultural do nosso lugar, sem retoques e enfeites que lhe diminuam a autenticidade”.

O prefaciador e historiador, José Anderson Nascimento, anda na mesma linha e acrescenta (preparando o espirito do leitor, talvez) que são reunidas também palavras de baixo calão, que se apresentam como impróprias, ofensivas, rudes, agressivas e imorais sob o ponto de vista de algumas pessoas eruditas, religiosas e castas.”

E me cabe aqui citar uma dúzia de verbetes ou expressões (sem o seu significado completo, que algumas vezes consiste em um rico tratado de linguística ou na apresentação de gorda relação) que, para mim, brilham como  burilados diamantes:

Usurenta (sovina)

Trivilusco (desorientado)

Sibarita (macho duvidoso)

Sendeiro (cavalo chucro)

Puxá (falta de ar)

Matrosa (mal arrumada)

Grismela (magra)

Fute (diabo)

Cheba (bunda mucha)

Chanfrona (sapatona)

Bulir (deflorar) e

Roncoio (um ovo só).

 

 E para encerrar, faço uma consideração:

Os autores de livros poderiam dedicar mais tempo a leitura de outros autores, também para evitar redundância e dar crédito a pesquisadores que o antecederam. E nessa linha, Cleiber Vieira, jornalista e lúcido filósofo, cita na “Apresentação do livro”, dois  clássicos que tratam do mesmo produto: “Dicionário do palavrão e termos afins ” de M. Souto Maior, uma edição de 2010, e o “Dicionário Popular”, de Raimundo Magalhães (1911).

(Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju, 03/01/2025)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

AS CONCHAS NÃO FALAM, Taylane Cruz

 

AS CONCHAS NÃO FALAM, Taylane Cruz,Harper Collins,Rio de Janeiro, 2024, 160p, isbn 978-6506-005-022-8

 

Saramago afirma que “em literatura e arte, nenhuma obra tira o lugar da outra. Elas convivem lado a lado. Não é porque foi escrito “Dom Quixote” ou “Ulisses” que outras obras não precisam existir[1].



Arte sempre será benvinda, nunca há suficiente, eu que depreendo. Sempre haverá lugar garantido para Taylane e para todos nós. Devemos estar abertos para aplaudir “As Conchas não Falam” (como faço aqui agora) como o cordel do poeta de feira escrito na língua bruta da roça.

Taylane Cruz é escritora consagrada e hoje pertence ao time de uma das maiores editoras do mundo, a Harper-collins, que publica Tolkien. Ela está no palco desde 2015, apesar de parecer uma garotinha, com o lançamento de “Aula de dança e outros contos(2015)”, seguido por: “A pele das coisas (2018)”, “O sol dos dias (2020)”, “Para hora do coração na mão (2022)”, “Menina de Fogo (2023)’ e este, "As conchas não falam (2024)”. 

Alguns eu li um pouquinho e outros, integralmente. E gostei de cada frase: bem tratada e bem urdida.

Na cerimônia de lançamento de "As conchas não falam", um fã, dramaticamente, leu o último conto do livro (Irmãs). Eu estava sentado na cadeira detrás. As páginas do livro se acabaram à minha vista, mas o fã levantava a mão arfante e trazia mais uma nova página. E eu comemorava, o conto se autocriava para me satisfazer.

Em casa (porque já ouvira no dia do lançamento) pensei em apenas beliscar, mas ele se grudou em mim, dizendo sem dizer o que iria acontecer. Ao final, em vez de passar páginas que não haviam, fiquei matutando, como sempre acontece quando sou atingido pelo inusitado, desdobrando a trama, percorrendo caminhos secretos, visitando mundos criados na hora.  

Por que diabos nenhuma das cartas foi lida (ou levada a sério) se foram enviadas até para Deus? Mas, a decisão tomada,  “deixei só nossa mãe e nossa avó nos flagrar, usei a mim mesmo como isca...”. me arrepiou e não seria o que eu faria (sou um personagem apenas).

Taylane é boa bordadeira. Manuseia mil novelos coloridos, enfia agulha, pega-a pelo tato por baixo do badoque e a manda de volta. Repete e repete a função com segura calma. E dessa labuta, brotam: a avó cúmplice, a cachorrinha “roubada”, o tio vilão, o pai com seu avião de sonhos e outros inesquecíveis momentos.  

Ora as linhas se engrolam ou deixam um espaço maior. O leitor se preocupa à toa. A tecedeira apenas cria uma elevação ou uma depressão na geografia de seu bordado. E nesta azáfama de furos e linhas trespassando, imagens ganham vida ou são incógnitas figuras a decifrar, como se a bordadeira fosse uma poderosa feiticeira: o amor que se regenera como o rabo das lagartixas e as memórias que saíam como cobras de dentro das rachaduras das paredes. Ou então, quando ele me roubou de casa como se eu fosse um chapéu ou quando puxava nossos cabelos com tanta força que parecia arrancar raízes da terra. Não é fácil ver seus olhos assim fechados como dois buracos onde guarda um segredo. Mas, nos satisfaz sair gritando pela pracinha ao flagrar os meninos batendo punheta no fundo da igreja.

Não há como mostrar o que cada conto revela, o que um livro contém, a não ser que o replique inteiro e, mesmo assim, com minguada chance de sucesso. A literatura cria em cada célula, infinitas e insondáveis camadas a decifrar. E eu, aqui, sou somente o arauto que grita ao vento que chegou um novo rei para governar ou um novo bandoleiro para atribular. Que está disponível nas livrarias o novo livro de Taylane Cruz para ser lido.  

 

(Por Antonio FJ Saracura, em Aracaju, 02 de janeiro de 2024).

 

 

 

 

 

 



[1] Do livro “Conversas inéditas: José e Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes, citado no artigo “Confissões” inserido no “Livro sobre Livros (Escritos  Diversos, volume 5)", de Enéas Athanázio.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

FOI ASSIM... TEMPOS SAUDOSOS, Jodoval Luiz dos Santos

 

FOI ASSIM... Jodoval Luiz dos Santos, Brasil Casual,2023,180 páginas, isbn 978-65-86316-66-7

 



Que Brasil é esse, que não há outro igual?

 Podemos falar mal dele para melhorar ainda mais, é um sagrado direito que temos e que ninguém hoje nos reprime por tê-lo.

Aqui, uma criança nascida em manjedoura pode crescer na sociedade, ocupar os píncaros inacessíveis em qualquer outro canto. Há exemplos em toda parte, haja vista eu, que não cresci tanto em relação aos meus contemporâneos (Mendonças, Peixotos, Barbosas de Jesus, Teixeiras, todos de minha família e de meu lugar), mas cresci até demais em relação aos exagerados  sonhos de um menino amarelo.

O Brasil não estabelece fronteiras aos filhos, todo rincão é de quem chegar e quiser ficar. A saúde é democrática, todos tem acesso sem barreira. O estudo é universal, desde o básico (há em toda esquina) e inclui a alimentação que faz a pessoa digna; ao superior, que garante espaço aos jovens que a história discriminou no passado. A comida básica, os programas de governo proveem. A moradia, o lazer, a segurança, que evoluem pouco a pouco.  Como há o advogado para defesa nas encrencas, como o sacerdote para confortar o espírito, como a estrada para levar ao melhor lugar de viver.

Nem tudo são flores (diriam os poetas), mas carecem espinhos para a flor cheirar mais (ninguém duvide).

O livro “Foi Assim... “ do empresário e intelectual Jodoval Luiz dos Santos, sergipano de Riachuelo, conta essa caminhada possível, disponível.   

“Meu pai se chamava Manué, era saveirista e, aos 21 anos, quando quis casar, possuía de seu, somente uma esteira, uma rede, uma chaleira de ferro, duas canecas de estanho de duas panelas de barro.  O casal (juntado apenas)  tocou a vida como pode. Nasceu o primeiro filho (Eu, Jodoval) e o bercinho era uma tipoia (redinha feita de pano de saco). Depois nasceram mais 14, um a um, em condição similar.

Meu primeiro trabalho  (com meus irmãos, ainda menores) foi de lançador de tijolos na olaria de seu Nilton. Eu era tão pequeno que não podia colocar o tijolo no chão: caía por cima. No final de semana, íamos ao riacho do Porto de Quina (morávamos em Roque Mendes, Riachuelo) catar pequenos caranguejos e caleixos (gorés) que meu pai usava como isca no monzuá para pegar moréia.”

A pobreza era geral, todos em volta eram assim.

Aos oito anos, comecei a trabalhar no comércio, no armazém de seu Ivo Souza, mas minha mãe não nos deixava largar a escola. Em busca de melhorias (1959), meu pai vendeu a casinha em Roque Mendes e migrou para Aracaju. Passamos a morar de favor na Olaria de Seu Nori, ele era de Roque Mendes, no atual Jardim Centenário. Eu e Deon botávamos barro e amassava. Nininha, Jairinho e Judei faziam tijolos. Papai batia, engradava em formas de parede para enxugar, depois queimava. Desenfornávamos, arrumávamos no pátio para o caminhão pegar.

Um dia, meu pai achou que já podia construir uma casinha na rua Rio Grande do Sul, onde comprara um terreno com o dinheiro da venda do rancho de  Roque Mendes.

Porque não tinha o dinheiro para lenha (única parte que lhe cabia na bondade de seu Nori) bateu adobos crus. Veio uma chuvarada e desmanchou todos, nossa casa virou um mar de lama, ainda na Olaria. Começamos então a bater tijolos de verdade. Quando os enfornamos, antes de cobrir, deu uma trovoada que inundou a Olaria e os desmanchou. Outra vez! Mas meu pai não desistiu.

Um amigo me arrumou um emprego na Jotagê, foi aí que me envolvi com a escrituração.  Aprendi com seu Josias Passos muitas lições: “Seu Santos, não seja velhaco, mas também não seja bom pagador demais. E não pague antes de conferir”.

O destino me ligou ao professor José Sebastião, que possuía um escritório móvel de contabilidade na mala de seu Gordini, ele atendia clientes importantes. Quando concluí o curso de Técnico de Contabilidade, em 1969, recebi de presente este escritório do professor Sebastião.

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Nós conhecemos o doutor Jodoval, dono da Serteco, um dos mais importantes escritórios Contábeis de Sergipe, tocado por alguns filhos. Ele fundou academias de Letras, comanda associações de classe aqui e no País todo, é doutor em Ciências Contábeis. É um dos grandes de Sergipe, autor de livros, entre os quais, este “Foi Assim” e “Tempos Saudosos”. O primeiro são fragmentos de suas memórias, dolorosas, entretanto, queridas, alguns revelados acima. O segundo compõe-se de crônicas e poemas:  textos saídos da alma, resgate de momentos jocosos, heroicos, desde a infância, como se estivesse passando a limpo a biografia revelada em  “Foi Assim”

Viva o Brasil!

(Por Antônio FJ Saracura, em 01/01/2025).

 

 

 

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