quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

ARYCURANA, Constantino Souza

ARYCURANA, Constantino Souza, Unicamp, organizado pelo professor Moisés Santos Souza. Originalmente, o romance foi publicado no periódico Semana Ilustrada (1874-1875). Esta edição da Unicamp trata-se da primeira em 150 anos desde a publicação original em folhetins.

O jornalista José Afonso Nascimento postou no seu facebook em 18/02/2025: “Não é novidade nem exagero afirmar que Sergipe é terra de esquecimento. Entretanto, isso não é absoluto. Várias forças lutam quase sozinhas para jogar luz em pessoas e acontecimentos que foram apagados. É assim que surge Constantino José Gomes de Souza, médico, poeta, romancista e dramaturgo, nascido em Estância em 1825. ‘Constantino foi um escritor do romantismo brasileiro que conviveu e travou contatos com as mais destacadas figuras da época, como os romancistas Machado de Assis e Joaquim Manuel de Macedo, com o ator João Caetano e o tipógrafo Francisco de Paula Brito’, conta Moisés Santos Souza, professor da História da UFS em Lagarto, Sergipe, que tem trabalhado para recuperar Constantino e sua obra.”

 

Eu baixei o PDF da Internet.  Era para ler só um pouquinho, mas fui até o final. Romance da época, ufanista, indianista, dramático, lírico, nativista, previsível.  Na mesma linha de outros da época como José de Alencar (O Guarani, Iracema), seu contemporâneo. Muito bem escrito, ortografia atual, usa muitas palavras e expressões em Guarani, que são explicadas nos rodapés das páginas.  Narra a história de um amor impossível, tipo Romeu e Julieta (se bem que, aqui, o final é meio feliz, apesar da trajetória até mais sofrida). Neste, a filha do cacique Siriri chamada Arycurana, prometida (foi criada junto) para o primo, Jukeriorana, filho do cacique Seregipe (Serigy, acho), apaixona-se por Borapitinga, filho do cacique Muribeca,  desafeto dos dois primeiros. O cenário é  a vida no lugar atualmente chamado Sergipe nos idos de 1590, antes, durante e após  a conquista, pelos portugueses de Cristóvão de Barros. Todas as tribos, da etnia Tupinambá, viviam em estado contínuo de guerra (Eitha! povinho desunido).

Há colocações no romance que me causaram estranheza pois contradiz o que sempre li nos livros da escola:  

Que o motivo da invasão portuguesa foi apaziguar  os índios que se matavam em guerras contínuas.  Que Cristóvão de Barros era mais evangelizador do que conquistador militar. Que os índios sergipanos escolheram a guerra em vez de uma paz proposta. E que, mesmo assim, Cristóvão, estando aqui, relutou, negociou, adiou o ataque,  pois era admirador do povo nativo. E que o cacique Muribeca (pai de Borapitinga), que tinha sua taba sobre a opulenta Serra da Miaba (entre Itabaiana e Lagarto) era de caráter covarde, traiçoeiro e invejoso, entretinha com Seregipe e Siriri relações aparentemente amistosas; mas, na realidade, era ele o mais encarniçado inimigo de ambos pela inveja que lhes tinha.”

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Jukeriorana escapou do grande massacre (os índios perderam feio) e se escondeu com  guerreiros na Pedra Furada (caverna calcárea no povoado Machado no atual município de Laranjeiras com o comprimento de 2 km). Empreendeu visitas noturnas aos outros caciques  propondo aliança.  Entres estes,  Muribeca e seu filho, traidores do primeiro momento,  e com  Japaratuba, Pindaíba e Pacatuba, que, nesse meio tempo, já haviam se aliado aos portugueses. Por fim, consegue montar um exército razoável (não muito confiável, mostrou-se depois) e chega a São Cristóvão já fundada, mas não ataca. Manda um mensageiro com uma intimação  para que o governador embarque de imediato com os portugueses de volta para a Bahia. Mas o mensageiro, orientado pelos outros caciques traidores, informa as posições dos guerreiros de Jukeriorana. Os portugueses atacam, massacrando e prendendo os sobreviventes. Os caciques traidores haviam retirado seus índios para retaguarda bloqueando a fuga dos índios fiéis a Jukeriorana.  

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O escritor cria um final  feliz para o casal romântico pelas mãos de Frei Gil. O missionário consegue converter Jukeriorana e Arycurana, e fazê-los se aceitarem como um casal (finalmente). O primeiro abriu mão  do orgulho tupinambá e Arycurana percebera há algum tempo  o equívoco da paixão pelo filho de Muribeca, um traidor como o pai.

À nação tupinambá de Sergipe, dizimada ou escravizada na Bahia, por culpa deles mesmo (na visão do livro)  restou aos que  chance de se preservar com a prole de grupos recolhidos a missões vulneráveis (essa história é conhecida) entre estes talvez estivesse o casal romântico do livro, se bem que o autor, sobre isso,  não deu nenhuma informação. 

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Além deste romance que agora é ressuscitado, “Arycurana” já li “Ibidaradiô” (1990) de Gizelda Morais tratando do mesmo  momento em Sergipe. Nele habitam outros caciques, além de Serigy: Surubi, Indiaroba, Aperipê, Arauá, Baopeba... E outro perfil do conquistador Cristóvão de Barros bem caracterizado na carta de despedida que escreve ao seu substituto: “Continuarás a guerra justa até que o último desses comedores de gente  se curve a nosso mando ou seja exterminado.” O fatiamento de todo o território conquistado entre os soldados e congregações religiosas como se não tivesse dono, mostra o real objetivo do colonizador.  Este também é uma uma leitura obrigatória. 


(Por Antonio FJ Saracura, Aracaju, 2025fev27)

Notas:

*Obras do autor:

Dezena de dramas destacando-se “O Espectro da Floresta” (1856), “A filha

do salineiro”(1860), “O enjeitado” (1860) e os romances “O desengano” (1871), “A filha sem mãe” (1873), “O grumete” (1873/1874), “Arycurana” (1874/1875) e “O cego" (1877/1878).

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 *Baixe gratuitamente o livro na reportagem da Mangue Jornalismo em www.manguejornalismo.org (A Mangue não usa Inteligência Artificial nas reportagens. Colaborecom o jornalismo independente da Mangue. Doe. Pix é nosso e-mail: manguejornalismo@gmail.com.*)

 


domingo, 23 de fevereiro de 2025

OS MUITOS CANTOS DE JOSÉ ABUD, José Abud

 OS MUITOS CANTOS DE JOSÉ ABUD, José Abud, Canto Novo, Canto Primeiro, (Alquimia, Cantares, Beduína), J. Andrade, 1978,1979, dois tomos. Sem isbn



 

Com minha a cara de pau, fui à clínica de doutor Abud na rua de Propriá. Antes, ligara pedindo para me atender e ele aceitou.

Cheguei logo cedo e um senhor idoso estava, após o portão de ferro, com um tesourão, aparando um canteiro de plantas da altura de um homem, que margeava o lado direito do corredor, onde havia um automóvel popular estacionado lá longe, a cinquenta metros. Nesse meio tempo, um idoso (mais do que eu), magriço, de cor negra, encostou-se no portão e me disse que, se eu viera para a Terapia, estava uma hora adiantado. E a seguir, me respondeu que essa Terapia era uma sessão geriátrica conduzida pelo doutor Abud para revigorar memórias gastas de idosos.

 

Então o aparador de plantas (doutor Abud) veio abrir o portão de ferro. O magriço entrou (pareceu ser íntimo da casa), pegou o tesourão largado e saiu catando rebarbas, como se dando o acabamento final ao corte do cabelo das plantas.

Eu me sentei numa mureta ao lado do doutor.

Ele sabia que eu estava ali para pedir o seu voto (eu fui a casa de todos os imortais) na eleição para a Academia Sergipana de Letras (vaga de Acrísio Torres de Araújo), que disputava com o consagrado médico e escritor, Lúcio Prado Dias.

“Olhe Saracura, eu gosto demais de suas obras, já debatemos em nossa terapia trechos de “Meninos que não queriam ser padres” e de outro que trata das aflições de Aracaju, mas não posso votar em você desta vez. Lúcio Prado Dias, seu concorrente, é meu amigo, e está sempre aqui me trazendo as novidades de nossa classe, ele publica meus artigos nas revistas,  sempre me trata com especial distinção. Mas, na próxima vaga, se eu estiver vivo, meu voto será seu.

O que eu faria mais à sua presença?

Agradeci, levantei-me, apertei sua mão, mas algo a segurou na dele e me soprou uma frase que eu nem planejara: “Como posso participar da Terapia que vai haver hoje”. Ele respondeu: “Está inscrito! Começa daqui a meia hora. Até os outros pacientes chegarem, vamos conversar no meu escritório”.

E participei das sessões de Terapia toda semana até quando, já eleito há mais de ano para a Academia (vaga de Hunald Alencar, cadeira 10), esqueci até do endereço da Clínica de meu amigo.

Ele gozou de minha cara, quando o visitei para pedir voto para um de meus santos que se candidatava à nova vaga da Academia Sergipana de Letras: “Nunca vou negar qualquer pedido seu, Saracura, mesmo que você tenha esquecido de minha Terapia, quando já apresentava significativas melhoras”.

Doutor José Abud faleceu no dia 24/12/2024, todos soubemos após o fato consumado. Hoje, dia 14/02/2025, a sessão da Academia Sergipana de Letras o homenageia com o tradicional Necrológio, que ficou a cargo do confrade Lúcio Prado Dias. Deixo o conteúdo anexado a esta estranha resenha.

E já que Lúcio contou a história profissional, pessoal e intelectual do geriatra Abud, reservo-me a apenas abordar um viés de sua bela poesia, publicada no final dos anos 1970, quando manteve uma vibrante página cultural na imprensa de Aracaju. E fixo-me nos poemas (haikais, me parecem) eróticos, sem serem explícitos, pois cabe ao poema sugerir muito mais do que mostrar.

 

(Noite de Amor, Canto Primeiro, página 33)

Noite. Silêncio. Não se ouve nada.

Apenas seus passos cuidadosos na escada

que range de uma maneira

que confrange seu coração,

pois é feita de madeira da Bahia

em um antigo casarão.

 

Desce.

Cheio de desejo e de amor.

Empurra a porta, apenas encostada,

e se lança nos braços de sua amada

para mais uma noite de amor.

 

xxx

(Receita, Canto Primeiro, página 54)

Sabes que o doutor sou eu.

Mas, suplico-te:

escuta meu lamento.

Quero tua receita

infalível

de amor sem sofrimento.

 

xxx

(Procura, Canto Primeiro, página 85)

É noite.

Teu corpo procuro

qual nau

pelo vento açoitada

em busca do porto seguro.

 

xxx

(Erótica, Canto Novo, página 9)

Lá fora a chuva e o frio à minha espera

No seu leito

sempre é primavera.

 

xxx

(Erótica II, Canto Novo, página 11)

Mal coberto pela camisola vermelha

teu corpo

rubra centelha.

 

xxx

(Teu calor, Canto Primeiro, página 29)

O frio que maldizes

é-me bendito,

minha amada.

No aconchego de teus braços

não quero de Deus mais nada.

xxx

 

(Tuas Mãos, Canto Primeiro, página 57)

Tuas mãos

em silêncio

percorre em meu corpo todas as escalas,

Com elas executas sinfonias, marchas, sonatas.

Tuas mãos benditas

dispensam palavras.

 

xxx

(Dúvida, do site de Antônio Miranda)

Como aceitar que esta boca

que tanto ofende, beije?

Que esses punhos cerrados

se abram em mãos que acariciem?

Que esses olhos injetados de ódio,

se tornem seremos e límpidos?

Que esse corpo tenro de rancor,

se abandone, lânguido de amor?

 

(Por Antonio FJ Saracura, Aracaju, 2025fev23)

Anexo: (abaixo).

 

Saudação do imortal Dr. José Abud em 24 de fevereiro de 2025, na Academia Sergipana de Letras, 

em sessão conjunta da ASL, da Academia Sergipana de Medicina, da Academia Sergipana de 

Educação e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Sobrames 

Pelo Acadêmico Lúcio Antônio Prado Dias 

........................................................................................................................................................ 

Excelências, 

Confrades, colegas e convidados 

Familiares do Dr. José Abud 

“ Eu aprendi que as pessoas vão esquecer o que você disse e vão esquecer o que você 

fez, mas nunca esquecerão como você as fez sentir”. 

 Esta Academia de Letras, associada às Academias de Medicina e de Educação, além 

da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, que tenho a honra de presidir 

nacionalmente desde outubro do ano passado, abre as suas portas para, conforme a 

praxe, celebrar o necrológio de um filiado, no caso, o ilustre acadêmico José Abud, que 

faleceu em 24 de janeiro deste ano, no Hospital Primavera, com 86 anos de idade, após 

30 dias de internamento. Avisou-me sobre o falecimento o seu discípulo dileto, o médico 

e escritor Antônio Claudio Neves, aqui presente, geriatra como ele e que o acompanhou 

até os últimos dias. Tudo foi muito rápido, em poucas horas e com reduzida presença, o 

seu corpo inanimado foi sepultado na Colina da Saudade. Pouquíssimos tiveram a 

oportunidade de prestar-lhe uma última homenagem. Com a mesma discrição que viveu, 

Abud partiu. Mas o legado deixado por ele é imensurável. 

 Hoje damos sequência de fato às primeiras homenagens a ele prestadas. Não se trata 

apenas de um preito de veneração ante os despojos que restaram, fisicamente, do ser 

humano que se foi, mas dedicar um culto de exaltação à memória imortal por ele deixada 

para a posteridade, nos feitos de sua vida privada e pública, que não foram poucos. 


 Abud foi um homem múltiplo, de virtudes intelectuais, literárias, sociais e 

humanísticas, plural, que viveu intensamente o seu tempo até os últimos dias de sua 

vida, até o último suspiro. Somente a morte, amigos, foi capaz de detê-lo, de pôr um 

ponto final na sua laboriosa vida, iniciada em 19 de fevereiro de 1938, nesta cidade. 


 E aqui abro um parênteses nessa história. Em 2019, a Sociedade Médica de Sergipe, 

sob o comando do confrade José Aderval Aragão, então presidente da entidade, resolveu 

reunir trinta verbetes biográficos selecionados entre os médicos que se projetaram na 

vida sergipana, entre eles o Dr. José Abud. Além de gerar um volumoso livro o projeto 

contou com depoimentos em vídeo dos trinta escolhidos. Um tesouro na nossa memória 

médica. Sobre a obra, o nosso presidente José Anderson Nascimento, que fez a 

apresentação, assim se manifestou: “ a escrita do livro amolda-se ao método 

prosopográfco, já que atende a uma coletânea de biografias de médicos, professores e 

acadêmicos, com detalhes que jamais teríamos conhecimento se não fosse pela leitura 

delas.” 


 Na companhia de Francisco Rollemberg, Anselmo Mariano Fontes e Antonio 

Samarone, além do próprio José Aderval, participei diretamente dessas entrevistas. 

Portanto, o que vou contar para os senhores, José Abud nos contou. 

 Os seus pais, imigrantes sírios da região de Alepo, Kalil Abud e Jamile Abrahim 

Abud eram primos carnais, que saíram de sua terra fugindo das guerras e buscando a 

paz nos Estados Unidos, onde ficou por pouco tempo, decidindo vir para o Brasil e foi 

em Sergipe que se estabeleceram e prosperaram nos negócios de armarinhos. Lembro, 

ainda garoto, de um deles, localizado na Rua Laranjeiras, nas imediações da Igreja São 

Salvador. O casal teve 14 filhos, dos quais o nosso Abud era o terceiro. 

 Precoce no aprendizado, estudou nos colégios Tobias Barreto e Nossa Senhora 

Menina. Aos 11 anos, já estava no Atheneu Sergipense mas o curso científico concluiu 

em Salvador, com 17 anos. Queria ser médico, Aracaju ainda não possuía uma escola 

médica e então o pai dele o levou para a Bahia para terminar o curso científico e já se 

preparar para o exame vestibular, sendo aprovado na Escola Baiana de Medicina e 

Saúde Pública, integrante da Universidade Católica da Bahia, em 1955. 

 O curso médico foi feito com muita dedicação e sempre obtinha as melhores notas. Em 

3 de dezembro de 1961, com apenas 23 anos, estava formado. Atendendo apelo da 

família, retornou a Aracaju sendo recebido com desconfiança pelos colegas. Mas se 

impôs pela competência e formação médica de excelência, atuando no Hospital Cirurgia 

a partir de 1962. A Faculdade de Medicina de Sergipe já estava criada, dando os seus 

primeiros passos. Tornou-se professor assistente de Propedêutica Médica, ao lado do 

professor José Aloysio Andrade e quando este assumiu a direção da faculdade, em 

substituição ao professor Garcia Moreno, Abud comandou a disciplina com a 

participação ainda das professoras Zulmira Freire Rezende e Valnice Santos. 

 Seus alunos sempre reconheceram, aliado ao rigor e seriedade que imprimia nas suas 

aulas teóricas, a excelência da sua semiótica na prática clínica, que ia da anamnese ao 

exame físico, na valorização dos sintomas e na busca de sinais físicos através da 

palpação, percussão e ausculta. Uma boa propedêutica era a base para toda a clínica, 

impossível exercê-la sem o conhecimento semiótico amplo e profundo. Eu digo com 

toda a segurança que os estudantes que se abraçaram com vigor aos ensinamentos desse 

professor, tornaram-se bons médicos. Apesar de considerá-lo um professor duro e muito 

exigente. 

 Veja o que diz por exemplo o seu aluno de toda a vida, Antonio Claúdio: “ o primeiro 

contato com ele ocorreu como aluno de propedêutica no curso de Medicina da UFS. 

Nessa fase conheci, como diversos outros médicos formados em Sergipe, o rigoroso, 

detalhista e eficaz professor José Abud, famoso pela cobrança detalhada na prática em 

avaliar um paciente. Assim pude aprender que pequenos detalhes podem resultar em 

grandes respostas clínicas, colaborando para um diagnóstico mais rápido e com menor 

custo. Por isso, o adjetivo eficaz. Discutia e ensinava-me detalhes para o cuidado 

clínico com os pacientes. A cada dia surpreendia-me com tamanho conhecimento e 

experiencia. Explicava o cuidado com uso de diurético e a dieta nos pacientes com 

hepatopatia. Assim, aprendi a importância dos detalhes no manejo clínico do paciente. 

Entendi, então, o porquê da grande importância nos detalhes. Tanto no paciente crítico, 


quanto na aplicação de uma dieta preventiva ou da prática de atividade física adequada 

a cada paciente.” 

 Em “O Médico”, a escritora Carmelita Pinto Fontes, que integra esta Academia, onde 

ocupa a Cadeira 38, no âmago da sua sensibilidade poética, nos diz: 

“ Ele entra, e a cama é uma cela onde a vida se concentra / entre a busca e a resposta 

que vagueia... 


A palavra escureceu / nos lábios e no peito / sem retórica. Ele pensa / e o corpo é um 

vaso / escritura indecifrável / de mitos e de heróis abandonados. 

A Certeza se escondeu entre as paredes e os vasos. 

Ele sente / e só a vontade vê a onda do lençol/ seguindo o peito sem cansaço 

Todo o resto do corpo. 

É uma casa sem acesso. 


Ele vê... 


O olho fechando o corpo 


O corpo fechando o quarto 


O quarto fechando a vida, sem saída.  


A claridade é medida 


Pela fresta que se mingua para o nada. 


E só a certeza vai 


E vai e vê sozinha 


Além da claridade 


Do último caminho. 


A noite está no quarto 


A noite está na vida 


Em suas mãos 


Ele sabe 


E o corpo se acende 


E o vaso se decifra 


E a vida se responde 


Em toda carne 


 


Única luz do quarto.” 


  À medida que os pacientes mais idosos iam surgindo no seu consultório, tomou uma 

decisão. Iria se especializar nos cuidados aos mais velhos. Sua ação pioneira o levou a 

instalar em Sergipe o Conselho Estadual dos Direitos do Idoso, sendo seu presidente. 

Foi, ainda, o idealizador e fundador da ONG Universidade da Terceira Idade, em 1979, 

depois transformada em Centro de Geriatria e Gerontologia de Sergipe. Trago mais uma 

vez as palavras do colega geriatra, profissional competente e engajado com as ações da 

terceira idade, Antonio Claudio: ‘Abud passou a ensinar-me geriatria em ambulatório 

e nos casos hospitalares. Passou a responsabilidade de internar seus pacientes. O 

primeiro caso no Hospital São Lucas. Alertou-me para não deixar “vícios” de serviços 


médicos “contaminar” minha medicina. Motivou-me, também, a pintura em tela, falar 

em público e na TV. Aprendi com Abud até o último dia. Tive a felicidade de ter tido um 

Mestre amigo por cerca de 30 anos. Um verdadeiro Mestre. 


 A cada dia, surpreendia-me com o conhecimento de Abud. Parecia infinito. Ele 

demonstrava conhecimento detalhado e atualizado em todas as áreas da Clínica 

Médica. Grande conhecimento na prevenção de câncer, detecção e evolução. Em 

endocrinologia detalhava toda fisiologia e sabia tudo sobre distúrbios hormonais, 

sintomas e como tratar de forma medicamentosa e a conduta não medicamentosa. Era 

um Mestre em tratar sem medicamentos. Orientava exercícios terapêuticos que 

surpreendiam em seus resultados. Ou seja, evitando ao máximo a iatrogenia 

medicamentosa. Pelos resultados e grandes demonstrações, com esforço aprendi as 

lições. O Professor deixou um grande legado. A forma Abud de cuidar. 


 Mais que médico, mais que professor. Abud, apesar de ser conceituado por 

muitos como rigoroso, sabia ouvir e aconselhar. Ao longo dos anos pude testemunhar 

a grande bondade discreta do Professor. Com o tempo, quem conviveu com o mesmo, 

pôde descobrir o motivo de suas exigências em relação a suas orientações. Ele desejava 

intensamente, assim como cuidava dos jardins, que cada paciente melhorasse. Amava 

a vida saudável de suas plantas e de seus pacientes. Também a sua própria saúde. Abud 

adorava trabalhar com o som do piano de Chopin ao fundo. Dizia que a música fazia 

bem às plantas. Sabia ouvir os conflitos emocionais e aconselhava com firmeza, 

serenidade e sabedoria. Ensinou com exemplo que devemos sempre aprender algo 

novo. O legado fica bem plantado. Abud era sensível, como todo poeta o é.” 


 Assim, mais que um professor, mais que um médico, José Abud foi um Mestre para 

a vida de muitos. Ele viveu um estilo próprio de vida. Forma única de viver. Valorizava 

a vida e os detalhes da vida. 


 O ano de 1979 registra ainda a estreia poética do nosso imortal com o lançamento de 

Canto Primeiro, três livros num só: Alquimia, Cantares e Beduína. Empolga o 

inesquecível Luiz Antonio Barreto, recém-eleito para a Academia Sergipana de Letras, 

na sucessão do eminente professor Gonçalo Rollemberg Leite, fundador da Faculdade 

de Direito. Luiz passa a ocupar a Cadeira 23 do sodalício, atuando com destaque e 

grande envolvimento na Casa de Tobias. Disse na época o lagartense ilustre: “Eis o 

poeta: José Abud é o seu nome. A poesia é, em si, uma surpresa. A poesia de José Abud 

é uma boa surpresa para Sergipe. O médico, o professor, o nome afamado, todos 

conhecem, mas a poesia ficou muito tempo recolhida às gavetas, afastada dos olhos dos 

leitores. Agora José Abud, o clínico, é o poeta que saudamos no alegre saudar das 

mesmas caminhadas. Canto Primeiro, com seus três livros, nos traz poesia pura e da 

mais límpida fonte e a assinatura desse homem acanhado, fechado em sua ciência, ao 

qual nem todos dão a sensibilidade de ser um cultor da natureza em sua esplendorosa 

beleza verde...” 


 É próprio dos médicos tais surpresas, e muitos poderiam estar aqui com os seus 

nomes: Antonio Garcia, Renato Mazze Lucas, Airton Telles, Garcia Moreno, lembrando 

alguns dos que já se foram, sem esquecer os que aqui estão, exuberantes nomes que 

dignificam as letras sergipanas, como Francisco Rollemberg, um gigante, Rômulo Silva, 

José Marcondes, Luiz Carlos Andrade, Lauro Fontes, Déborah Pimentel, inteligências 

raras, poetas e escritores que integram, quase todos, a confraria dos médicos escritores 


sergipanos. 


 Volto a citar Barreto, apresentando o livro Canto Primeiro: José Abud é um poeta do 

seu tempo, tanto pela forma, como pelo conteúdo. Sua agonia diante do mundo é, talvez, 

a mesma agonia do cliente à beira da morte, diante do grande mistério. Seus poemas 

sobre a vida de todos os dias, sobre as coisas de todos nós, batem fortes como o som das 

carpideiras que no desespero da dor sentida, remoem os mesmos cantos, tons cansados, 

vencendo os ouvidos. Mas também o amor, o grande símbolo, o amor, é tema 

permanente da poética abudina. 

 Sintam, senhores e as senhoras, o poema Dúvida 


Dúvida 


 


 Como aceitar 


Que esta boca 


Que tanto ofende 


Beije? 


 


 Que estes punhos cerrados 


Se abram em mãos que 


Acariciem? 


 


Que estes olhos 


Injetados de ódio 


Se tornem serenos 


E límpidos? 


 


Que este corpo 


Tenso de rancor 


Se abandone, 


Lânguido, 


Ao amor? 


 


Ou então em Chamamento: 


 


Chamamento 


 


Vem, 


Dá-me tuas mãos 


Como se viesses de muito longe 


Após muito tempo. 


 


E juntos andemos pelas mesmas planícies 


E juntos colhamos as mesma flores para 


Enfeitar teus cabelos 


E juntos olhemos as mesmas mansas águas 


E juntos falemos com o nosso mesmo silêncio. 


 


 “O social ou o lírico, sempre a mesma força, muito embora concentre a sua presença 

com mais vigor nos pequenos poemas dos três livros, nas sínteses poéticas que 

consegue, como ninguém, realizar. 


 É gratificante ao anotador de jornais registrar o nascimento de mais um poeta, 

revelando a sua poesia, dando mostra ao seu talento criando, anunciando a sua 

chegada para conviver na mesma confraria sergipana que antes contava com o 

inolvidável Abelardo Romero. Os poetas estão nas ruas, versejando a realidade 

asfixiante e tirando beleza de cantos de sarjeta, com o poder de modificar as coisas aos 

nossos olhos perplexos pela transformação, surpresos, como surpresos ficam os que 

leem José Abud, um novo poeta sergipano”, arremata Luiz Antonio Barreto. 


 Canto Primeiro leva o médico poeta à Academia Sergipana de Letras, pelas mãos de 

Orlando Dantas, Luiz Antonio Barreto, Ariosvaldo Figueiredo, Bonifácio Fortes, entre 

outros. É então eleito em 10 de setembro de 1979 para a Cadeira 9 do sodalício, que 

tem como patrono o notável médico e professor Maximino de Araújo Maciel. Sobre este 

grande vate da cultura e das ciências sergipanas, conta-nos o nosso presidente José 

Anderson Nascimento no extraordinário Perfis Acadêmicos, de sua autoria: “professor 

de vasta cultura, angariou no meio intelectual, a reputação de erudito e notável 

filólogo, pelos profundos conhecimentos com que ilustrou seu estudo sobre as 

disciplinas jurídicas, médicas e naturais. O fundador da Cadeira foi Rubens de 

Figueiredo Martins, irmão do poeta e pensador Jackson de Figueiredo. Católico 

fervoroso, fundou e presidiu o Centro Dom Vital, em Aracaju.” 


 Com a sua morte em 1978, declarada vaga a cadeira pelo presidente da Academia 

Urbano de Oliveira Neto, o nosso homenageado chega ao sodalício em concorrida 

solenidade prestigiada por autoridades constituídas dos três poderes, entre eles o Dr. 

José Machado de Souza, secretário de saúde no ato representando governador Augusto 

Franco, em sessão solene ocorrida no auditório completamente lotado do Tribunal de 

Justiça do Estado de Sergipe. Coube ao decano da Academia, o farmacêutico e maçom 

Marcos Ferreira de Jesus, ex-prefeito de Aracaju, fazer a saudação ao neoacadêmico. 


 Atinge, pois, o poeta a sua imortalidade, o que nos faz reverenciá-lo no dia de hoje. 

Meses depois, José Abud recebe o convite do jornalista e imortal Orlando Dantas para 

coordenar, nas edições dominicais do jornal Gazeta de Sergipe, do qual era diretor geral, 

uma página literária. 


 Orlando Dantas, dono do jornal, e que ocupava a Cadeira 39 desta Academia, hoje 

ocupada pelo confrade Guilherme da Costa Nascimento, além de suas atividades 

empresariais, destacou-se como político, jornalista e intelectual. É de sua lavra o livro 

Vida Patriarcal de Sergipe, verdadeiro repositório de quadro da sociedade açucareira 

sergipana. E sempre buscou, na Gazeta, abrir espaço para a cultura e intelectualidade 

sergipanas. O exemplo disso foi a Revista Momento. Agora ele reconhecia o momento 

de efervescência da Academia Sergipana de Letras e convida Abud para esta retomada. 

Pois bem: ele aceita como missão a tarefa. 


 Em 9 de novembro de 1980 estreava o suplemento Arte e Literatura, do qual José 

Abud era o editor geral. Como editores adjuntos, Ofenisia Freire e Luiz Antônio Barreto. 


As colaborações eram enviadas para o consultório de Dr. Abud, que ficava localizado 

na Rua João Pessoa, 320, salas 215/216 e o aviso: “Aos cuidados de José Abud”. O 

suplemento embalou com graça os nossos domingos até 1988, quando circulou com o 

número 416, na semana de 6 a 12 de novembro daquele ano, pelo menos como foi 

observado por mim ao folhear a coleção completa que me foi doada por ele e hoje 

compõe o acervo da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Sobrames Sergipe, 

durante visita que fizemos, eu e o confrade da Academia Sergipana de Medicina Roberto 

César Pereira do Prado, em sua residência, em 2014, numa fase em que ele se encontrava 

ausente de quase tudo, envolvido apenas com o universo dos seus velhinhos e de suas 

plantas, a quem amava incondicionalmente. José Abud já não frequentava as academias 

literárias e científicas, andava sumido, isolado na clínica da Rua Propriá, onde passava 

quase todo o dia, cercado de obras de arte, plantas e, especialmente, dos seus velhinhos, 

companheiros de atividades lúdicas, físicas e de entretenimento. 


 Em 1994, a determinação do médico Gileno da Silveira Lima, liderando um grupo de 

médicos idealistas, leva à instalação da sonhada Academia Sergipana de Medicina. Em 

sessão solene ocorrida em 9 de dezembro daquele ano, no auditório da Sociedade 

Médica de Sergipe, eram empossados os vinte e nove membros fundadores, entre eles, 

José Abud, como membro fundador da Cadeira 18, tendo como patrono o seu estimado 

colega e amigo, de saudosa memória, primeiro reitor da Universidade Federal de 

Sergipe, João Cardoso do Nascimento Junior. Em 2018, na celebração do Jubileu de 

Ouro da UFS e do Centenário de Nascimento do primeiro reitor, coube a José Abud 

fazer a saudação oficial. 


 Ouvimos a médica psicanalista e professora Déborah Pimentel, que presidiu a 

Academia Sergipana de Medicina, por dois mandatos. Abro parênteses. 


“Falar sobre o Dr. José Abud é revisitar um tempo de aprendizado intenso e exigente, 

uma época em que a propedêutica era ensinada com rigor e paixão por aqueles que 

entendiam que a medicina não era apenas técnica, mas também arte. Tive o privilégio 

de ser sua aluna na disciplina que molda a base de um médico: a propedêutica, a arte 

de examinar, de ouvir, de perceber além do óbvio. 


Quando fui presidente da Academia Sergipana de Medicina, a vida nos proporcionou 

um reencontro e pudemos compartilhar mais momentos juntos. Ele já não era apenas 

meu antigo professor exigente, mas um colega de letras e reflexões na Sociedade 

Brasileira dos Médicos Escritores. Escrevemos lado a lado, contribuindo em todas as 

edições publicadas, em todas as antologias. Entre elas, recordo com carinho o 

lançamento da primeira antologia, VIDA, no Museu da Gente. 


Foi naquela noite especial que meu conto VIDA, MORTE E O MORRER encontrou um 

dos seus leitores mais exigentes e generosos. A narrativa, que descrevia a história de 

uma professora de ética médica recebendo de um ex-aluno – agora seu médico 

assistente – a notícia delicada de que estava com câncer, tocou profundamente Abud. 

Ele, que era geriatra e conhecia o peso das más notícias, me disse algo que me 

emocionou profundamente: a partir daquele dia, ele usaria o passo a passo da 

comunicação descrito em meu conto como referência para lidar com seus próprios 

pacientes. 


Receber esse reconhecimento de alguém que sempre exigiu excelência foi um dos 

momentos mais gratificantes da minha vida. Dr. Abud, ao lado do saudoso cirurgião 

José Augusto Bezerra, foi um dos professores mais rigorosos que tive. Suas notas não 

eram concedidas, eram conquistadas com suor, esforço e dedicação. Eu não era a mais 

brilhante da minha turma, mas sempre fui disciplinada e estudiosa, e sempre privei da 

confiança dos meus mestres. Entre eles, Abud, com seu jeito durão, me elogiava ainda 

nos bancos escolares. Décadas depois, ao elogiar meu texto e reconhecer nele algo a 

ser aplicado na sua prática médica, ele me emocionou e reafirmou o humanismo que 

permeava sua atuação. 


Hoje, ao homenageá-lo, celebro o legado de um professor que não apenas ensinou a 

examinar um paciente, mas também a enxergá-lo em sua totalidade. A medicina se 

despede de um grande mestre, mas sua essência permanecerá em cada um de nós que 

tivemos o privilégio de ser tocados por sua sabedoria e generosidade.” 


 Na sua inquietude e busca por mais aperfeiçoamento, ele voltou aos bancos escolares 

matriculando-se no curso de Educação Física da Universidade Tiradentes, graduando-

se em 2007, com quase 70 anos. 


 Por algum tempo organizou excursões temáticas, privilegiando os locais com rica 

natureza, sintonizado com o meio ambiente. Minha mãe, Natália Prado Dias, na flor dos 

seus 102 anos, por muitos anos seguiu a Universidade da Terceira Idade, participando 

de saraus e viagens e ainda hoje guarda ternas lembranças. 


 No isolamento voluntário a que se submeteu, guardou as energias para conviver mais 

próximo com a esposa, Ivani de Souza Abud, como companheiro e parceiro de todas as 

horas, principalmente quando os primeiros sinais de uma insidiosa doença se abateu 

sobre ela, tornando-o ainda mais companheiro e dedicado cuidador. Foi uma 

convivência de quase 60 anos. Com Ivani, Abud teve duas filhas, Rosa Helena Abud, 

odontóloga e Ana Karla de Souza Abud, química e professora universitária, aqui 

presentes e a quem rendo as minhas homenagens. 


 


Ouçamos o que diz Rosa: “Desde pequena admirava o trabalho do meu pai e o 

envolvimento dele com seus pacientes. Provavelmente por isso decidi seguir a sua 

carreira, mas logo percebi ser demais para mim e abandonei o curso. Apesar de toda 

essa decepção, o meu pai me propiciou estudar fora, onde finalmente me encontrei 

profissionalmente e constituí família, dando-lhe a sua única neta, Melissa Abud 

Shimura. Aqui abro um parênteses, que no próximo mês estará celebrando 17 aninhos)... 


E continua Rosa: Pena ele ter convivido tão pouco com ela pela distância. 


Revê-lo no hospital numa condição tão frágil e diferente do homem forte e saudável da 

última vez, apertou o meu coração. Fiz o possível para ficar com ele por algum tempo. 

Foram dias intensos, nem sempre fáceis. Eu o via lutar para se recuperar, apesar do 

diagnóstico, pensando na sua esposa e em cuidar dela. Sou muito grata a Deus por 

esses dias, por poder cuidar do meu pai e por conseguir ressignificar a minha relação 

com ele, o que me fez forte e me trouxe paz, após a sua partida” 


 


A filha Ana Karla também se manifestou, quando a provoquei, falando diretamente para 

o pai. Abro aspas: 


 


 “ Apesar de ser um curso natural, nunca pensei na sua partida. Você sempre foi como 

um super-homem, buscando alimentação saudável, nunca se acomodando e parando de 

estudar, além de continuamente praticar alguma atividade física. 


Mesmo com todas as nossas diferenças, sinto em mim um vazio que ainda busco formas 

de superar. Como você faz falta!!! 


Ainda que tivesse sido o imaginário de alguns, a minha ansiedade e paixão por números 

e misturas não me fizeram seguir a medicina. E, ainda que não tão implícito, o Sr. não 

se opôs e permitiu que vivesse a minha independência e os meus sonhos. Apenas quando 

foi preciso pediu para que eu voltasse e fosse um porto seguro para vocês. 


Na última década e após a pandemia pude ver ainda mais a cumplicidade entre o Sr. e 

D. Ivani e o quanto buscava fazê-la estar bem. Nem quando esteve doente deixou de 

cobrar os cuidados com ela e, até os últimos dias, fez questão de não a preocupar. E 

sempre foi assim, nunca preocupar ninguém com os seus problemas. 


Além dela, suas tres grandes paixões foram, as artes, a terceira idade e as plantas. Nas 

artes, a valorização de artistas locais, a literatura e a poesia. Mas creio que a terceira 

idade foi o seu ideal de vida, sempre com um olhar de valorização, cuidado e bem-estar 

do idoso, além da consulta médica especializada. Buscou junto a políticos a criação do 

Conselho Estadual do Idoso, seu estatuto e a Universidade para a 3ª idade. Também 

criou o Centro de Geriatria e Gerontologia (CGG), onde proporcionou viagens 

nacionais e internacionais, teatro, canto, pintura, saraus, festas e atividade física, 

propiciando aos idosos viverem a melhor idade. E era incrível como isso o 

transformava, deixando-o mais leve. E as plantas, a quem eu chamava de “suas filhas”, 

foi sempre o seu hobby, onde insistia em estudar e cultivar os mais diferentes tipos de 

frutas e flores. 


Espero poder honrá-lo a cada dia, seja tentando manter acesa a sua memória ou no 

cuidado com a minha mãe” (fecho aspas). 


 Graças ao apoio e incentivo do saudoso confrade Fedro Portugal, recentemente 

falecido, e que presidia a Academia Sergipana de Medicina, reativamos a Sociedade 

Brasileira de Médicos Escritores em Sergipe e em 2017 resolvemos lançar a primeira 

antologia de contos, crônicas e poesias dos médicos escritores sergipanos. Nasceu assim 

a antologia VIDA. Havíamos decidido que nesta edição prestaríamos homenagem a um 

médico escritor em vida. E o nome escolhido foi o dele. Fomos lhe comunicar a decisão. 

Protegido pelo muro da timidez, não quis aceitar a entrevista. Não desistimos e mesmo 

sem ele aquiescer, Vida foi lançada em 18 de outubro de 2017, no hall do Museu da 

Gente Sergipana. Para nossa surpresa, ele chegou, amparado por uma bengala que usava 

em função de uma alteração cartilaginosa do joelho, e foi o centro das atenções, para 

gáudio de todos que se fizeram presentes na solenidade que celebrava o Dia do Médico. 

A partir dali, a cada edição anual das antologias, José Abud foi presença constante. Em 

Humanidades, lançado em 2018, ele brilha com Devaneio. 


 


Quisera ter condições de te amar docemente 


Esquecidos de tempo 


Ouvirmos, juntos, o murmúrio do vento 


 


Ah! Como eu queria a teu lado vê-las, 


As pálidas estrelas! 


Talvez com a tênue claridade, 


Tu me permitisses, pela primeira vez 


Ver-te, deslumbrante, em tua nudez! 


 


Quisera ter, em meus braços, 


Teu corpo, coberto de sargaços, 


Então eu o iria inteirinho beijar 


Sentindo o gostinho, salgado do mar... 


 


E, bafejados pelo vento, 


Sob a luz cálida do firmamento, 


Encharcados pelas águas do oceano, 


Homem e mulher primitivos, 


Mistura de demônio e de anjo 


Eu despertaria, com minhas carícias e beijos, 


Um a um, os teus mais recônditos desejos. 


 


Mas foram os haikais que predominaram na sua participação em Humanidades, cada 

página com um tema central. Na primeira, a singela explicação: Em apenas três linhas, 

não há necessidade de mais, toda a singeleza dos haikais. E conclui ao pé da página: 

Voltar, no tempo, para que? Talvez nos desencontros da vida, não mais encontrasse 

você. 


 


 Nas palavras de Luiz Antonio Barreto....Abud aparece fazendo surpresa, com uma 

poesia, e disposto a fazer nome por justamente equilibrar forma e conteúdo no 

cuidadoso discurso que pode preferencialmente lembrar o velho Haicai japonês que o 

mestre Matsuo Bachô, na segunda metade do século XVI, enriqueceu, aperfeiçoado pela 

rima introduzida pelo modernismo brasileiro (parece um paradoxo um poeta 

modernista criar rima para o Haikai quando o modernismo acabou com a rima, através 

de Guilherme de Almeida, fixando a concordância de sons finais entre o primeiro e o 

terceiro verso.....Entretanto, José Anderson Nascimento, em sua crítica sobre a obra de 

José Abud nos Perfis Acadêmicos, nos diz” “O Modernismo dispensou a 

obrigatoriedade da rima, entretanto, a sonoridade causada por ela nunca foi de toda 

desprezada pelos poetas até hoje.” 


 


 José Abud participou ainda das antologias Sentidos, Sinais, Prescrições e Emoções, 

sempre mesclando os seus haikais com poemas inéditos ou tirados do fundo do baú de 

sua sensibilidade. Em um gesto de desprendimento, há alguns anos, doou boa parte dos 

seus livros para bibliotecas de escolas públicas. Lembro bem nós três, eu, Anderson e 

Jorge Carvalho recolhendo e comentando sobre alguns títulos encontrados, num final 

de manhã na Rua Propriá. A caminhonete ficou cheia de livros na busca dos seus 

leitores. 


 


 Não daria por fim sem ouvir Dirce Nascimento, flor que desponta nos jardins da nossa 

Academia e que integra o Movimento Cultural Antonio Garcia Filho. Ele nos traz todo 

o lirismo do Dr. Abud nos poemas que se seguem: 


 


PRECE e MIRAGEM 


 


 Encerrando a minha fala, colho em Sinais, a antologia lançada em 2020, em plena 

pandemia do Covid-19, a sua última palavra nesta esplendorosa sessão: 


 


Por que fazer poesia, se tanta coisa, neste mundo, nos asfixia? 


 


Se você fica ou vai embora, não importa. Meu amor é sempre teu, a toda a hora. 


Um tapete luminoso sobre o mar, estende a lua, faceira, para o meu sonho surfar. 


Plantei saudade, e ela sumiu do meu jardim 


A lembrança, de ti, porém, qual erva daninha, jamais se afasta de mim. 


Noite longa, sono curto, você ausente, de saudade, tenho um surto. 


A maior realização de um homem não é uma coisa qualquer. 


É a conquista do amor, sincero, de uma mulher! 


 


Este é o homem, o acadêmico um dia eleito para esta Casa como “imortal”, por suas 

ideias, pela obra literária e humana, pelo testemunho de amor à cultura e ao seu Estado. 

O seu nome merece, deveras, ficar por todas as gerações que hão de vir, como um título 

de glória para Sergipe, para o seu povo e para a história das academias que promovem 

este evento, que o exibirá sempre com veneração e orgulho. 


Muito obrigado pela atenção. 


 Aacaju, 24 de fevereiro de 2025