quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

O ESTALEIRO, Juan Carlos Onetti

 

O ESTALEIRO, Juan Carlos Onetti, tradução Luis Reyes Gil, 2009,Editora Planeta, São Paulo, isbn 978-85-7665-451-3



Depois do livro “Junta-Cadáveres” sobre o qual fiz uma resenha aqui no blog (Antônio Saracura Sobre Livros Lidos) me encontro de novo com Juan Carlos Onetti, autor uruguaio recomendado por um amigo intelectual que tem gosto refinado.

Este romance “O Estaleiro” acontece no mesmo mundo de “Junta-Cadáveres”, uma cidade chamada Santa Maria (e arrabaldes) criada pelo autor, às margens de um grande rio, provavelmente, o da Prata, entre o Uruguai e a Argentina.

Alguns dos personagens do primeiro romance participam deste, que ocorre 05 anos após o último ato de “Junta Cadáveres” no qual o cafetão Larsen, humilhado, é expulso por ato do governador com seu séquito de funcionárias (velhas prostitutas).

Neste romance, Larsen chega à Santa Maria no ponto de ônibus. Roda pra lá e pra cá, faz perguntas cuidadosas, hospeda-se na pensão em cima do bar Berna, toma aperitivos no balcão, sobe ao quarto, talvez o mesmo que ocupou no passado. No primeiro domingo vai à missa e cruza na saída (acidental ou proposital?) com  Jeremias Petrus, empresário tido como rico, dono de um  estaleiro falido, sucateado, já tomado pelo mato e pela ferrugem, acompanhado da filha “louca”, chamada Inês Angélica, que pareceu apreciar a presença de Larsen.

Após muitas voltas pela cidade e cercanias, reconhecendo o campo, dias depois,  decidiu ir à casa do dono do Estaleiro falido. Talvez buscar uma maneira de alcançar  seu objetivo íntimo deste retorno: impor-se novamente ante a cidade odiada que o humilhou.  Mas o industrial estava em Buenos Aires, (soube pela governanta, que se tornou sua informante) que o patrão buscava “indenização pelo prejuízo que teve com a falência, munido de escritos reivindicatórios, com seu advogado, ou procurando provas para sua visão de pioneiro, percorrendo piedoso e indignado, escritórios de ministérios, gerência de bancos”.

Não se sabe quando Jeremias retornou, mas sabe-se que teve uma reunião com Larsen e o nomeou Gerente Geral do estaleiro. No estaleiro  trabalhavam apenas Galvez e Kuntz (conhecidos de Larsen do passado), que seriam seus subordinados. Ele também não teria carteira assinada e os seus cinco mil pesos por mês seriam pagos contabilmente até que o Estaleiro voltasse a funcionar ou o empresário recebesse a polpuda indenização requerida ao governo Federal.

Galvez e Gunz se armam contra Larsen, como se estivessem a perder benesses que não havia. E Larsen tenta se impor, definindo tarefas inúteis, exigindo prazos. Os subordinados trazem problemas, explicam, insistem, encrencam para verem o chefe aperreado. E Larsen deixa-os gastarem-se, talvez nem os escute, fica em silêncio ou diz algo, ao final, sem nada a ver com a questão apresentada. Há menosprezo, despeita, ironia entre as partes (chefe e subordinados), mas estão juntos no Estaleiro, na miséria, na sina, com a absoluta consciência do logro em que se meteram e vão buscando a convivência necessária.

A cidade é também decadente, com bar, hotel, médico, jornal, caminhoneiros debochados, barcos passando ao lado; tenta não morrer de vez. E nela, todos sabem que o Estaleiro está morto, inclusive o proprietário e sua equipe de lunáticos. Mas estes vivem uma ilusão, que é melhor do que viver sem ter nada.

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A visita ao doutor Diaz Grey (desafeto de Larsen desde a histórica expulsão no romance anterior), após arrodeios, Larsen inquire se Petrus tem alguma chance de sucesso de salvar o estaleiro, se a filha seria uma boa esposa, pois pretende casar-se com ela. O médico responde: “Petrus é um farsante quando lhe oferece a Gerência Geral e o senhor é outro quando aceita. Petrus necessita de um gerente para provar que o funcionamento do estaleiro não foi interrompido. E o senhor quer ir acumulando salários caso algum dia aconteça o milagre, o assunto se ajeite e seja possível exigir o pagamento. Inês Angélica? Nem pense em filhos, ela é louca também.”

O romance transcorre neste mundo de faz de conta, de absoluto desconsolo, de andar em volta, de planos desencaminhados, pistas fechadas, retornos em loop contínuos, de labor sem lucro, de energias gastas onde não se requer. Tanto assim, que eu me transportei à labuta insana dos agricultores de meu povoado: tanta lida para tão pouca comida.

Por fim, Larsen senta-se em um banco de praça em frente a cadeia onde está preso Petrus, e acende um cigarro. E pensa, distraidamente, em todas as cidades, em todas as casas, na luta de cada dia, nele mesmo... Em vez de explodir, penetra em uma zona de sossego e penumbra, um sumidouro, onde se refugiam essas lembranças que o ajudam a sobreviver aos eventos que a vida impõe: uma zona de exclusão e cegueira, de insetos lentos e achatados, de colocações a longo prazo, de desforras surpreendentes e nunca bem compreendidas, nunca oportunas...

Com certeza é aquele lugar quente que todo homem possui e precisa achar,  conforme ensina Dom Juan na “Viagem a Ixtlan” de Carlos Castanheda.

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Ao leitor cabe mais se deliciar com a destreza dos pinceis que o autor (pintor imenso) manobra para narrar. Em Onetti, não cabe entender o sentido de cada bloco (capitulo, unidade descritiva, um simples parágrafo, as palavras), requer se perceber o clima que o bloco cria. As palavras e as frases postas podem, por si,  nada dizerem, mas o conjunto que elas formam (mesmo confuso à primeira vista) é poderoso e revela o mundo impossível de ser descrito por outro escritor.

 

Antônio FJ Saracura, Aracaju, 12 de janeiro de 2025).

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