domingo, 4 de dezembro de 2022

CONVERSANDO COM AS GALINHAS, Irinéia Borges Carvalho

 

CONVERSANDO COM AS GALINHAS, Irinéia Borges Carvalho, 2021, Artner, Aracaju, 80 páginas, isbn 978-65-88562-45-1

 


Pascoal mandou-me um livrinho de 80 página que agora li e estou de boca aberta, “Conversando com as galinhas”. São contos bem escritos sobre quais darei uma noção para que você se interesse leia também.  

Conto primeiro:

Sento-me em um banco na praça do coreto, à sombra de um pé de Benjamim, gasto o resto de meus dias feliz (meu corpo alquebrado não dói, nem minha alma gasta ânsia), puxando conversa com os passantes apressados e também com as galinhas que aparecem.

Conto segundo:

Moro na casa de pensão de dona Ruth lá numa cidadezinha, quase vila, no interior de São Paulo. Vi quando ela hospedou um senhorzinho, chamado Leonel. Os hóspedes de dona Ruth eram viajantes que ficavam uma noite ou duas, mas este disse que ficaria um mês ou mais. Seu Leonel era um velho médico, sem ninguém, e buscava um bom lugar para morrer.  Quem adivinharia?

Conto terceiro: 

Eu  fui com Corine, de trem, de Pittsburg até Philadélfia, visitar a tia dela, Abgail, que a chamara com urgência. Corine reencontra o destino que perdera vinte anos atrás por conta de duas palavras mau entendidas...

Contos outros:  

Há no livro mais quatro contos/crônicas/textos pequenos (quiçá relembranças):

“Janelas abertas”, “Aprendendo bons modos”, “Meus amores reais”,  e “Colhendo palavras”. Todas têm a ver com o cotidiano, com a missão de ensinar, com o gosto pelos recantos sagrados nas almas, letras e  palavras. 

“Colhendo palavras” me tirou da sintonia que os contos iniciais criaram. São anotações na forma coloquial que me sacolejaram pra lá e pra cá, sem me levarem a lugar nenhum. Mais me pareceu matéria prima para subsidiar trabalho acadêmico a ser desenvolvido  sobre o uso das palavras em seus mil e tantos significados e nuances. Algo da vanguarda que me deixou perdido no meio do galinheiro.

(Por Antônio FJ Saracura, em 2022dez03).

 


sábado, 8 de outubro de 2022

A MANSÃO HOLLOW, Agatha Christie

 

A MANSÃO HOLLOW, Agatha Christie, Nova Fronteira, 2005, Rio de Janeiro

 


Comprei o book da Harper Collins (que também publica agora Agatha) e nele havia a “Mansão”... Então resolvi reler o livro, e não lembrei nada. Afinal, já lá se vão 40 anos que li todos (ou quase) Agatha Christie. Fui em frente porque precisava de um livro que me segurasse, me trouxesse de volta à terra: ando meio aéreo, dispersivo.

A “Mansão” investe muito em costumes, manias de ricos ingleses, etc. como os demais da autora. “David sacudiu o pescoço no colarinho e desejou ardentemente que todas aquelas pessoas soubessem o quanto ele as menosprezava”. Quanto ao mais, é uma aventura policial na qual Hercule Poirot, a exemplo de Maigret de George Simenon e de Sherlock Holmes de Conan Doyle (que acompanho desde adolescente), descobre o assassino usando a cuca: as pistas boas estão mais à vista do que parecem. E o detetive comum sempre perde tempo fuçando ermos. 

Trama bem narrada sem medo de se repetir quando é preciso. Agatha é rigorosa apesar dos tropeços do tradutor. “Entrou pela porta envidraçada, acendeu a lâmpada, fechou e trancou a porta. Depois, apagando a luz, saiu da sala. Encontrou o interruptor que acendeu a luz do hall, rapidamente subiu as escadas. Em um segundo interruptor, apagou a luz do hall. Parou por um instante junto à porta do quarto, a mão na maçaneta, depois girou-a e entrou...”

“Quando Edward entrou com o olhar cego...” “Lucy se expressa como num jogo de adivinhar palavras. O martelo pula de prego em prego e nunca deixa de atingir cada um deles no meio da cabeça...”

Mas aviso aqui que quem mata o doutor é a própria esposa. A imagem exposta de lerda, até exagerada, é puro teatro. Aquele galo que se faz de morto para “pegar” a urubua (urubu fêmea) que agoura o galinheiro.

Ou não? 

Talvez seja apenas uma pista evidente. E pistas assim sempre são relevadas pelos agentes comuns.

Ah! Continuo dispersivo.

Vou ler Moeda Vencida de Francisco J. C. Dantas, que acabei de receber. Certamente vou sair do ar, descer aos meus pagos.

Aracaju, 08 de outubro de 2022, por Antônio FJ Saracura

 


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

CHUVA SUAVE, Zeza Vasconcelos

 

CHUVA SUAVE, Zeza Vasconcelos, Aracaju, Criação, romance, 2022, 110 p, isbn 978-85-3413-283-6




Uma novela / romance ou o que se quiser chamar a uma história bem contada, de 110 páginas, com trama e ingredientes óbvios, mas que segura o leitor e o emociona. Pelo menos me deixou com os olhos úmidos, não pude evitar.

Um singelo caso de amor com cenário nosso, no Pontal de Santa Luzia do Itanhi (achei que fosse), beira do mar, entre um rapaz nativo sem lastro, pescador e filho do faroleiro, e a filha adolescente do dono do lugar, que até coronel (Epitácio) é.

Os dois se reencontram vinte anos depois da separação truculenta promovida pelos pais da adolescente, que a levaram para lugares inacessíveis ao garoto apaixonado.

E nesse reencontro, os dois revivem o amor intenso que nunca se apagou. Por pouco tempo, entretanto. A morte anunciada (câncer terminal) a leva embora outra vez. Há uma filha da antiga paixão, que mora no estrangeiro, e não toma conhecimento desse pai revelado agora. Há o coronel que amansou e deixa como herança as terras do Pontal para o genro de última hora, que nem quis saber.

Na contracapa, o autor afirma que seu livro é uma história de amor escrita de forma simples e direta e que pode até parecer ingênua, no que concordamos. Mas garante (e eu creio, porque sou seu irmão em ambição):  “se emocionar um único leitor, me fará extremamente feliz e realizado”.

Então pode ficar feliz, Zeza Vasconcelos, pois eu me emocionei. E estou botando por escrito. 

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 29 de setembro de 2022).

Post Escriptum:  Sou o maior chorão do mundo.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A SAGA DE UM HEROI, William Soares

 

A SAGA DE UM HEROI, William Soares, 2021, edição particular

 


Eu já vira o autor em alguma reunião por ai (ele é da equipe de escritores médicos) e até passei os olhos em um livro de sua autoria, “A 16.Missão”, que me caiu às mãos, mas nem cheguei a ler, pois tratava de tema que outro livro, este de Cleiber Vieira. Achei que não deveria perder tempo com redundâncias. Talvez devesse.

William Soares esteve na reunião da Academia Sergipana de Letras ontem, dia 19 de setembro de 2022, se apresentando como o novo presidente da Academia Sergipana de Medicina, décimo a ocupar o cargo, e distribuiu dois novos livros de sua autoria. “A saga de um herói” e outro, apenas uma brochura, com seu discurso de posse na presidência na academia de que falei acima: “Um passeio de marinete".

O primeiro é uma homenagem ao médico Semmel weis, húngaro, que descobriu a causa da Praga dos Médicos ou Febre do Parto, que matava 16% das parturientes nos grandes hospitais. A cura seria apenas a mudança de um costume: os médicos teriam que lavar as mãos antes de cada parto.

Mas nenhum médico, nenhum cientista da área aprovou a mudança, nenhum chefe de hospital adotou o novo costume. Mesmo com argumentos irrefutáveis apresentados pelo doutor IFS Semmelweis: que as mulheres assistidas por parteiras práticas não morriam, que os médicos contagiavam as parturientes quanto passavam pelos necrotérios do hospital antes...

“Uma ideia nunca deve ser apresentada antes de sua hora e de seu tempo.”

Mas como esperar mais, diante da gravidade da situação?

Doutor IFS encontrou a cura antes do tempo certo. Seria? 

Então publicou artigos nos jornais, fez palestra em congressos, acusou os médicos de genocidas...

Perdeu o emprego, não achou outro digno. Publicou um livro sobre sua experiência médica e suas teorias, mas não foi bem aceito no meio. Rejeitado pelos colegas, indigna-se, isola-se, estressa-se. 

Logo é internado em um hospício. E morre dias depois. Envenenamento do sangue, a partir de lesão gangrenada na mão direita. Ferimento causado na luta contra os trogloditas que o internaram à força. Exames posteriores confirmaram que a morte foi causada pela mesma enfermidade que matava as mulheres paridas.

No tempo certo, 32 anos depois, Pasteur e outros cientistas convenceram ao mundo que os médicos deveriam mesmo lavar as mãos (depois vieram as luvas), como pregou o doutor Semmer Weis. 

Um bom livro tanto para mim, paciente expectador, quanto para os autores dessa tragédia que é a vida, os médicos.

xxx

E o o outro livro, "Um passeio de marinete", é uma espetacular viagem, bem elaborada e bem humorada. Cheia de lúdicas lições. Sem medo de avançar, de enfrentar, de brigar, de subir ou descer... 

Willlian, é filho de Boquim, criado em Tobias, crescido em Aracaju, cidadão do mundo (atuou como médico na Europa e sul do Brasil), e estabelecido outra vez em Aracaju, onde atua no campo da oncologia.

O livrinho é um tocante poema, que poetas perdidos por aí precisavam ler para aprender a magia de dizer muito com quase nada de palavras. Sabe bem encantar com flores comuns que juntas formam um jardim surpreendente. 

O retorno aos pagos da infância que todos vivemos: correr pra casa antes que a luz apague, tomar banho na água fresca da fonte da mata, tremer ante a ordem de volte para casa "seus cabruncos"... O carro de boi gemendo, o trem Estrela do Norte apitando na estação de Boquim... O bordado da vida estudantil, a faculdade e São Paulo que é o destino certo para todos. A quarta  pátria que o espanta com a poesia concreta das esquinas e a beleza discreta das meninas. Apenas cinco dias perdido na garoa densa, bate-se com garota que lhe pergunta: “como vieste parar aqui, se os muros são altos e difíceis de escalar”? E, que nem Romeu, respondeu: “com as asas do amor... ".

Bem depois, quando desce da marinete em um meio dia canicular do verão sergipano, corre em busca da sombra solitária no meio da praça deserta pra não torrar. É a sombra de um pau Brasil, remanescente. Nativo que escapou dos machados dos colonizadores e dos herbicidas dos novos donos de tudo. Ancião, desconsolado, sozinho e indefeso.  Algumas vargens penduradas logo soltarão sementes no chão estéril de paralelepípedos. 

Será o fim da espécie nobre que deu o nome a esta terra inteira.

É selado, então, um pacto tácito entre a velha árvore à morte e o novo médico cheio de vida.

E William recolhe as vargens secas e sai em busca de um cantinho fértil para plantar as sementes, seja no chão do quintal de sua residência ou no coração receptivo de cada um de nós.

É tempo certo para recuperar o símbolo de nossa pátria. Já passou, mas ainda pode.  

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de setembro de 2022).

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM, Valfran Soares

 

HISTÓRIAS QUE ME CONTARAM, Valfran Soares, Edise, Aracaju, 2021 isbn 978-6586004-47-2

 


 

No lançamento do hino “Cidade Serrana”, o canto de louvor à querida Itabaiana, Valfran me mostrou alguns textos que escrevera para um futuro livro a publicar, dedicado às crianças. Encantei-me e viajei ao meu tempo de menino, tempo sofrido que hoje me mata de saudade já que não matou de dor no passado. O lirismo de “Cidade Serrana” estava entranhado naqueles contos curtos, como está nas canções que Valfran compõe e que enriquecem o nosso cancioneiro. 

A literatura infantil e a criançada (pequena e grande, eu no bolo) ganham com este livro um presente inestimável. 

Mais ou menos, foi o que escrevei a seu pedido de Valfran, que incluiu no apêndice do livro, na página 49, acho que é, pois, essa parte do livro não tem numeração. 

Além de meu texto, alguns ilustres da terra fizeram considerações que estão no mesmo bloco, como a poetisa e presidente de muitas academias, Cris Souza; a poetisa e autora de belos livros, Martha Hora; a escritora e contadora de histórias, Isabel Melo; Há, por último, o simpático depoimento da filha do autor, Dilayne que cita Valfran, um cara destemido:  ”Nunca encontrei um problema sem solução, sociedade sem preconceito e política sem corrupção”.

O livro tem o formato mignon, cabe bem na mão de uma criança, e usa papel couchê liso que confere doce manuseio. E compõe-se de dez pequenos contos/causos/lições de vida, com destaque para “A Carreira do Cágado”, “A Escada que vai dar no Céu” e "Lua de São Jorge”, para não me estender além da conta.

Antônio FJ Saracura, Aracaju 12 de agosto de 2022.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

ARACAJU REMINISCÊNCIAS E DEVANEIOS, Murillo Melins

 

ARACAJU REMINISCÊNCIAS E DEVANEIOS, Murillo Melins, Aracaju J. Andrade, 2020, isbn 978-65-992287-2-8

 


Murillo Melins é autor de dois outros livros, sucessos de venda:  “Aracaju Romântica que Vi e Vivi”, publicado inicialmente em 2000 e que sofre atualizações em novas edições desde então. Trata do viver cotidiano de Aracaju nas décadas de 1940 e 1950, com destaque para a vida boêmia, o mundo de Murilo. E “Aracaju Pitoresco e Lendário”, publicado em 2015, composto de crônicas que saíram em periódicos dos anos 20, 30, 40 e 1950 (e bem antes), e mais curiosidades, fatos soltos, causos da oralidade, gravuras, etc. e traz, de graça, como surpresa ou brinde, apêndice impagável sobre poetas conterrâneos.

 “Aracaju Reminiscências e Devaneios”, o novo livro que acaba de sair, segue a mesma picada dos livros anteriores sem se repetir e, mesmo o fazendo aqui e ali, o novo texto se veste de novidade absoluta e encanta como se o leitor estivesse vendo o filme pela primeira vez. São alentadas crônicas, a maior parte não caberia nos periódicos comuns, daria uma novela se o autor fosse romancista. São momentos vividos pela cidade, são personalidades marcantes da sociedade: boêmios, artistas, músicos escritores, etc. com os quais o autor desfrutou da intimidade.

Murillo alcançou os 93 anos de idade, lúcido e expedito como um adolescente. Declama de cor poetas do Brasil e de fora. Relembra fatos de quarenta anos atrás com nomes de personagens e contexto real. E tem argumentos irrefutáveis para debater cultura; e sobre Aracaju, nem se fala.

XXX

“A sociedade frequentava o cine Rio Branco, do elegante e solícito Juca Barreto, visto constantemente sentando ao lado da charmosa e bonita companheira na obrigatória passagem dos cinéfilos. Todos cumprimentavam Juca e muitos arriscavam um olhar lascivo e disfarçado àquela elegante e bela senhora”.

 “A população viu, indignada, arrancarem a placa indicativa da rua Japaratuba e fixarem outra com o nome de rua João Pessoa, homenagem imerecida ao caudilho paraibano, que nenhum vínculo teve com a nossa cidade”.

“Eu tive cadeira cativa no hall do Cacique Chá, ponto de encontro dos românticos, refúgio de amigos festeiros, local predileto do meu apaixonado e boêmio coração. As festas sempre eram muito concorridas. E quem não conseguia vaga para o salão, ficava no SERENO, ou seja, na aglomeração em frente, e daí assistia aos bailes e funções artísticas. E o Sereno passou a ter destaque especial na crônica social da época, como se fosse outro Cacique”.

“Zé Eugênio de Jesus foi gongado  pelo doutor Badarode, por desafinar, no programa de calouros da recém-inaugurada Rádio Difusora. Mas Zé era teimoso. Meses depois, na Festa da Mocidade, participou de concurso similar e obteve a primeira colocação. Esteve em todo canto fazendo sucesso, como no bloco "O Passo do Canguru" com a singular coreografia de sua invenção”.

“O pândego Zé de Raul, após um porre de lança perfume, desfilava na João Pessoa como Rei Momo em uma noite de carnaval. O jipe, onde estava armado seu trono,  deu uma freada brusca e ele desabou no meio da rua.  Sacudiu a poeira, deu um sonoro carão no motorista, subiu de volta ao trono e, sob o olhar perplexo dos seus ministros, Lídio Bessa e Barroquinha, continuou sorridente o passeio imperial”.

“A inauguração do Carrocel do Tobias aconteceu na festa de Natal, na Praça Camerino, com a afluência de milhares de aracajuanos. O brinquedo veio para uma temporada em 1904 e ficou definitivamente. A poetisa Avany Torres captou a magia dos afogueados cavalos, de crinas arrepiadas, olhos vivos expressivos e narinas dilatadas que pareciam respirar”.

“E numa noite de orgia na boate Miramar, o famoso Luiz Gonzaga, que o visitava, foi surpreendido quando Núbia, alegre dançarina, sentou-se a seu colo. O fotógrafo Canto do Rio bateu fotos. O rei do baião não gostou. Partiu para cima do fotógrafo e destruiu o filme, a prova do crime”.

“O navio sergipano Brasiluso, da firma Peixoto Gonçalves, foi invadido pelos tripulantes do U-207 alemão, o carrasco dos navios em nossa costa. Após constrangedora vistoria, não sendo encontrado o precioso carregamento de óleo diesel, os alemães abandonaram o navio”.

“A revista O Tico Tico manteve-se arraigada do início ao fim aos objetivos de entreter, informar e formar de maneira sadia a criança brasileira. Linguagem coloquial, perseguia a ideia de que o progresso do País dependia da educação. Foram 2.076 edições, desde 11 de outubro de 1905 até novembro de 1958. Morreu quando foram introduzidos personagens e mentalidade estrangeira nos seus desenhos”.

“Pinduca, o músico propriaense batizado com o nome de Luiz d’Anunciação, assinou contrato com a TV Tupi, em seguida com a TV Globo, onde permaneceu 18 anos como maestro do programa Globo de Ouro, participou do Fantástico, dirigiu a orquestra do programa do Chacrinha, foi arranjador e orquestrador dos programas de Chico Anysio e do Balança mas não Cai”.

“O primeiro trecho da Avenida Rio Branco, à sombra das árvores, ficava o Ponto de chegada e saída das antigas marinetes, que diária e precariamente trafegavam pelas poeirentas estradas do Estado, graças a empreendedores como Barbadinho, Josino Almeida, José Lauro de Menezes, Oviedo Teixeira e alguns outros. O motorista da marinete de Itabaiana, João de Balbino, tinha como comissário de bordo, Motinha, que veio a ser empresário de sucesso no comércio de Aracaju e pai de ilustres médicos”.

XXX

“É prazeroso trabalhar com a memória”, confessa Murilo em algum lugar de seu livro e demonstra em toda obra. Cada página de "Reminiscências e Devaneios" traz vivos Aracaju e seus habitantes desde os tempos antigos, como se fosse hoje. A argúcia, o senso crítico, técnica e a arte deste autor incorporam tons de magia, produzem efeitos que apenas ele tem.     

Murilo é único e precisa ser louvado o tempo todo.

Eu me sinto feliz em conviver com seus livros e com ele em pessoa. Lamento tê-lo encontrado tão tarde. Espero me demorar por aqui mais um pouco para bem aproveitá-lo. 

Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2022ago09.

domingo, 7 de agosto de 2022

EU NÃO VIM FAZER UM DISCURSO, Gabriel Garcia Marques

 

EU NÃO VIM FAZER UM DISCURSO, Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno, Rio de Janeiro, Record,  2011

EU NÃO VIM FAZER UM DISCURSO, Gabriel Garcia Marques, tradução de Eric Nepomuceno, Rio de Janeiro, Record, 2011.

A obra de Gabriel Garcia Marques mostra o amor sem quartel à literatura, ao desbaste da gramática pomposa, ao fio da meada nítido, a paixão pelo jornalismo que marcou sua escrita ligeira e translúcida. O escritor nasceu pronto, sempre escreveu para ser lido por todos, conduzindo a trama pela superfície do fácil entender, mas revelando ciências que outros gastariam muitas vezes mais para mostrar.

O livro “Eu não vim fazer um discurso” reúne quase tudo que ele usou pra encantar as plateias, quando se viu obrigado a fazer discursos, ao lhe darem prêmios pela sua obra. Equivale a dizer: quando se sentiu obrigado a cometer duplo pecado. Pois prometera a si nunca receber prêmios e nem fazer discursos (página 18).

O livro se compõe de 21 discursos concisos para que cada ouvinte na plateia não tivesse tempo de abrir a boca enfadado, terminava antes. E fossem assimilados integralmente, pela objetividade. Poucas palavras dizendo muito, que é um princípio do bom jornalismo (e da boa poesia).

Na Academia do Dever em Zapaquirá, Colômbia, em 1944, com 17 anos de idade, por ocasião da despedida da turma no colégio. Em Caracas na Venezuela, 1972, ao receber o prêmio Rômulo Galegos pelo seu livro “Cem Anos de Solidão”. Na cidade do México em 1982, ao receber a Ordem da Águia Azteca. E alguns outros. Como este em Estocolmo na Suécia, em 1982, na cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Literatura. E outro discurso em Estocolmo, também em 1982, em baquete oferecido pelos reis da Suécia em homenagem aos ganhadores do Nobel naquele ano. E o último discurso, em 2007, em Cartagena das Índias, na Colômbia, diante das academias de línguas e dos Reis de Espanha...

Aqui, Gabriel completava 80 anos de vida, 40 anos da publicação de “Cem Anos de Solidão” e 25 do prêmio Nobel. E relembra, no discurso, a dura fase de sua vida quando escrevia seu maior romance, que lhe deu de presente o mundo inteiro.

"Aos meus trinta e oito anos, com quatro livros publicados desde meus vinte anos, me sentei na máquina e escrevi durante dezoito meses. Não deixei de escrever um único dia. Naquele tempo não ganhei um único centavo, nem sei como Mercedes, eu e dois filhos fizemos para sobreviver. (...) Por fim, o livro estava concluído. Era o começo de 1966. Mercedes e eu fomos a uma agência do correio da cidade do México para o enviar para Buenos Aires (onde o editor imprimiria), “Cem anos de Solidão”, um calhamaço com 590 páginas escritas à máquina. Custava para o enviar oitenta e dois pesos, mas só tínhamos cinquenta e três. Então resolvemos mandar a metade das folhas. Por descuido, mandamos a metade errada, o final do livro. Paco Porrua, nosso editor da Sudamericana, ansioso para conhecer a primeira parte (deve ter gostado muito da segunda) remeteu-nos o dinheiro necessário para enviar o resto". 

Hoje, os leitores de “Cem Anos de Solidão”, se vivessem em um único pedaço de terra, este lugar seria um dos vinte países mais povoados do mundo.Tem mais de 50 milhões de exemplares vendidos e já foi traduzido para 46 línguas diferentes. 

(Apenas para relembrar):

“Cem anos de solidão” se passa no vilarejo fictício de Macondo e acompanha a longa trajetória da família fundadora da cidade, os Buendía... A história é construída a partir do realismo fantástico, corrente literária que mescla realidade com elementos mágicos. (Leia mais em: https://super.abril.com.br/cultura/conheca-a-historia-de-cem-anos-de-solidao-que-vai-virar-serie-na-netflix/)

Por Antônio FJ Saracura, em 05 de agosto de 2022, em Aracaju.

(PS):

E apenas para contradizer o que falei sobre a translúcida escrita de Gabriel no início desta resenha: O livro “O Outono do Patriarca", do mesmo autor, que foi publicado logo após "Cem a nos de solidão" pareceu-me um bloco de granito de 300 toneladas, eu não consegui ler nem dez páginas seguidas. É poema que chora/canta a solidão do poder, centrado nas contradições das ditaduras latino-americanas; não deu para mim.