quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

ARAME FARPADO, Jorge Tenório

 

ARAME FARPADO, Jorge Tenório, Editora Gogó da Ema, Maceió, 132 páginas, 2022, ISBN 978-65-88270-25-7

 


Nos finais das feiras literárias, troco livros de minha autoria com livros de outros autores. Nas duas últimas bienais de Alagoas, trouxe livros de Jorge Tenório, da academia Alagoana de Letras. Em 2021, o romance “O Ouro do Coronel”, que dei uma sapeada e o levei (junto com outros) para a Geloteca que a academia Itabaianense de Letras mantem em parceria com a Infographics, no shopping Peixoto de Itabaiana.

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Levo para a Geloteca alguns livros que nem li, porque dificilmente os leria em vista da imensa fila que administro. Mas todos que levo, verifico se realmente merecem ir, dou uma sapeada, não vou soltar um cachorro azedo em Itabaiana.

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Esta semana, fui dar a sapeada em “Arame Farpado”, que trouxe da última Bienal de Alagoas, em 2023. As farpas do arame me seguraram. Pulei ao meio, depois ao final, e o livro não me largava, grudado em minhas luvas gastas e fofas. Tive que ler o romance inteiro, furar a fila.

E gostei.

Romance de sertão seco, de nordeste, de Alagoas, cheio de fazendeiros quebrados e povo mais ainda. O patrão não tinha como pagar um dia de serviço, e o trabalhador não conseguia comprar um quilo de tripa ou uma medida de farinha na feira do povoado para os filhos famintos.

O Brasil inteiro, muito mais a Alagoas de Jorge, vivia um momento horrível, como nunca acontecera, nem nas grandes secas de 32, 15 e 77. 

O novo presidente da República, um ente messiânico, com cara de Jesus e alma do cão, prendeu as Cadernetas de Poupança do povo, o cofre sagrado, que guardava até os trocados para a feira do próximo sábado das famílias. 

O radio, nos meses que antecederam o bloqueio, incitava o povo a guardar o dinheiro nas Cadernetas de Poupança, com propaganda enganosa, dizia que apenas nelas estaria protegido. E oferecia juros que nem os mais gananciosos agiotas ousavam cobrar.

E então aconteceu a prisão do dinheiro.

Saulo, o fazendeiro vizinho de Sertório, que vendera sua fazenda a fim de viver de juros na cidade enfiou uma bala na cabeça.

Sertório está no mesmo saco com seus empregados. Só falta estourar a cabeça com um tiro.

Aqui só escapa o agiota Lula do Arame; ele tem muito dinheiro no cofre de seu escritório, nunca depositou em banco, e empresta a quem tem posses. Toma como garantia, propriedades, gado, carros, tratores. Daqui a pouco, talvez vire o dono de todo o Brasil, junto com outros que agem assim de norte a sul, sem lei e piedade.

A lavoura plantada não prospera nas roças. O gado magro morre no pasto. Mais uma safra perdida. Sertório não tem como pagar o empréstimo do banco, tomado no ano passado, para o tratamento da esposa que findou morrendo. Foi ao agiota e pegou dinheiro para pagar o banco.

Não havia palma, nem capim de corte para alimentar o gado. O caroço de algodão na cidade custava os olhos da cara. Os moradores que o serviam na fazenda, desde os avós, choravam à sua porta um prato de comida, um adjutório para a viajarem ao sul. 

Sertório precisa de mais dinheiro... 

Agora Lula do Arame exige garantias bancárias formais. “Vamos assinar no cartório. Você perde a fazenda se não pagar a primeira prestação dos juros."

De que lhe serviria o gado morto, a terra desabitada?

Gerusa, rapariga de cabaré amigada com Sertório, viu quando ele chegou com o alforje de dinheiro. Cresceu os olhos, deu-lhe beijinhos, saliente foi buscar cachaça no armário, bebeu de biquinho, mais fazendo de conta, até o patrão cair desmaiado.

Então roubou todo o dinheiro, mal guardado na gaveta da cômoda. Sumiu no mundo.

Quando Lula do Arame, soube do roubo, mandou Nino, seu cobrador e pistoleiro, avisar que iria executar seu direito, ativar a papelada suspensa no cartório, que desocupasse a fazenda.

Sertório conhecia Nino dos bares, da raparigagem, eram camaradas. 

Os dois estão sentados à sombra da mangueira junto ao telheiro da fazenda, nem um passarinho por testemunha. Uma garrafa de cachaça, que Nino trouxera no embornal, aberta ao pé do banco. Dois copos de vidro azul, ainda meios, rolando entre os dedos de cada um deles, sustados pela conversa.

Nino cobiça a caminhoneta de Sertório e matará Lula por ela e pelo dinheiro preso quando o governo liberar. “Também quero morar aqui com o senhor, pois não terei mesmo para onde ir depois do serviço.”

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Sertório livra-se do agiota, mas se sente em débito com Deus. Vira carola, agora vive mais na igreja.  E fica mais carola ainda quando Geruza reaparece na cidade, atrás de uma amiga que a ajudaria aplicar bem a grana. 

Sertório recupera todo o dinheiro, mas teve que dar a metade a Nino, que descobriu a ladrona.

E acontece o maior milagre.

Nino foi assassinado, com três punhaladas no coração, por um vaqueiro da fazenda de quem ofendera a irmã de menor.

 Sertório recuperou a caminhoneta de volta,  a comissão cobrada do dinheiro de Gerusa, livrou-se da perigosa sombra que já falava ser o dono da fazenda. 

E pode ficar com toda a poupança, que o governo começou a liberar em setembro de 1991.

A viúva de Josa (trabalhador da fazenda, que morrera empurrado do paredão do açude por Nino), mãe da garota Ditinha (estuprada pelo pistoleiro) e de Severino (que matou Nino com três punhaladas), aceitou, sem adulação, dividir a cama de Sertório. 

Choveu no sertão de Alagoas. 

A igreja nunca mais viu Sertório, que já estava enjoando o vigário com tanta beatice.

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Peço desculpas a Jorge Tenório, imortal das academias: Alagoana de Letras, Maceioense de Letras e Palmeirense de Letras, por ter contado sua história sem nenhum compromisso com a geografia e a linha do tempo originais.

Por Antonio FJ Saracura, em Aracaju, 18 de janeiro de 2024.

 

sábado, 6 de janeiro de 2024

GALVEZ, O IMPERADOR DO ACRE, Márcio Souza

 

GALVEZ, O IMPERADOR DO ACRE, Márcio Souza, 21ª  edição, Record, 2021, Rio de Janeiro. Isbn 978-65-5587-473-0.


(A absurda comparação de um romance, em sua primeira edição, lida em 1976, e a vigésima primeira, que acabo de ler).  

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Ontem, 2023out26, domingo, à tardinha, na livraria Leitura, do shopping Riomar... O Escritor na Livraria vive como nunca.

O professor Jackson, que eu não me lembrava de ter visto antes, me dá um abraço de surpresa e compra “O Menino Amarelo”. 

Por que isso, professor? Inquiri em silêncio.

Ele respondeu, no mesmo tom,  que assistira documentários que o jornalista Jorge Carvalho vem publicando nas redes sociais, e agora quer ler todos os livros de  minha autoria.  

Fiquei boquiaberto...

Em seguida, Nininho do Bolo Bom de Lagarto, levou também “O Menino Amarelo” e prometeu dar-lhe um lanche reforçado quando chegasse em casa. E eu nem me lembrei de prevenir Nininho, que o amarelo iria pedir, após papar o lance,  uma colher de Biotônico Fontoura… viciou!

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E Márcio Souza, de quem sou fã desde 1976, quando li e me apaixonei pelo “Galvez, o imperador do Acre”, ao me ver só, gritou um psiu da prateleira da literatura nacional, me chamando. 

Caí de joelhos a seus pés. 

Ele me puxou pra cima e disse com a voz gabaritada pela 21ª edição de Galvez, que me apresentava com um olhar paralelo, disfarçado mas lascivo:  

“Quero ler este “Menino Amarelo” também! Mande para Manaus, o correio é por minha conta.”

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Quando acabei meu expediente na Leitura, fui ao caixa e comprei Galvez. Em casa, me dei conta de que não pedira o endereço de Márcio.

Como despachar então o meu "Menino Amarelo"?

E agora?

Apertei a criatura (meu herói nacional que venero há 47 anos), passei três dias, no começo com voracidade e, ao final, arrastando os pés dormentes no chão, procurando a beleza retida nítida em minha memória, a história heroica da guerra de libertação do Acre, que me arrebatou no passado,  mas nada dela o livro novo tinha. Era agora uma brincadeira boba.  Mas uma pista, nem cifrada, achei, de meu mito, Márcio Souza. 

Tentei conversar com o imperador, reclamar do desmantelo de sua nova história (nem estava mais querendo o endereço de seu criador, de Márcio, de tão indignado agora), mas ele, ou estava escornado bêbado babando sarjetas  ou escapando das casas de senhoras casadas, desde Belém a Manaus, com as calças na mão.

O séquito de parasitas devassos (o competente estado maior de antanho) cortejava-o como Imperador do Acre, e ele inflava como bexiga de aniversário. E o exército de seringueiros cearenses virados na gota serena, comandado por Joana, agora era não mais que trinta e dois pelocos lassos, alvos fáceis, como o foram. E minha heroína, que queria ser freira,  acabou morta com seis buracos de bala, abraçada a winchester fumegante,  de pernas abertas para o céu.

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Eu, que venho falando bem do livro há muitos anos, abaixei a cabeça desorientado. Aonde foi parar a epopeia nacional de leitura alucinante? Este exemplar (vigésima primeira edição) que acabo de ler (como diabos cheguei ao final?) nada tem a ver com o primeiro, que li (ou imaginei que li) em 1976, perdendo por um triz  com a Odisseia de Homero, a Eneida de Virgílio, os Lusíadas de Camões. 

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Preciso destruir a estátua em bronze de Galvez, que entronei na praça principal de Rio Branco. Preciso me desmentir aos que confiaram em minha palavra de conhecedor da literatura. Recomendei que lessem "Galvez, o Imperador do Acre!" e nem indiquei a edição. 

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Eitha! Ia me escapando a contracapa desta 21ª edição...

Nela, Jorge Amado diz que o livro é “vertiginoso, alucinante, no qual a Amazônia se revela em seus furores e perigos”;

Ignácio de Loyola Brandão garante que  “é divertido, fluente, satírico e provocador”;   

E os News Yorks se desmancham em elogios.

(Aracaju, 06 de novembro de 2024, por Antônio FJ Saracura).

Nota:

“Eu tinha nas estantes dezenas de livros muitos ruins que eu não jogava fora, caso algum dia precisasse de um exemplo de livro de má qualidade.” (Página 15, de Encaixotando Minha Biblioteca, de Alberto Manguel).

E eu os tenho também ocupando, no lugar de livros bons, que descarto morrendo de pena. E agora, tenho um, rara espécie, que já bom 47 anos atrás. Eu preciso entender o mistério. E terei como comprar as duas edições, se um dia me bater com a primeira divina.   

 

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

A MULHER QUE SE CASOU DEZOITO VEZES , Edleide Santos Soza

 A MULHER QUE SE CASOU DEZOITO VEZES  (Cordel, letramento literário e verbo-visualidade),  Edleide Santos Roza, Criação Editora, 2022,142 pag, il, Isbn 978-65-88593-78-3.

 


02/09/2023, 06:52:12] Antônio Saracura para Edleide in wsapp:

‘’Li o primeiro capítulo e pedaços ao longo do texto de “Cordel Letramento Literário Verbo-visualidade” agora. Estou fazendo festa. Os meus pontos de vista (que são um tanto gerais mas absurdamente contestados por muitos) foram consolidados em palavras claras e argumentos incontestes pela professora. Obrigado pelo presente com dedicatória e tudo”.

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(Voltando ao livro...)

A autora, professora Edleide Santos Roza, de Escola pública em Riachão do Dantas, traz-nos uma boa surpresa em sua dissertação de mestrado de conclusão do curso de Profissional em Letras da UFS. A poesia de um cordelista chamado Valeriano Feliz dos Santos, com quem nunca tive a chance de me encontrar, mesmo vivendo, como eu vivo, intensamente, o dia a dia literário. Nem João Firmino Cabral, nem Pedro Amaro, nem Zezé de Boquim, que conviveram com Valeriano e comigo, me falaram do poeta, que me lembre. Certo que Valeriano já era falecido (em 1996) e eu apareci na literatura apenas em 2008, com a publicação do livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”.

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Valeriano nasceu em 1926 no Riachão do Dantas, povoado Palmares. Viveu na Bahia a idade madura, em Simões Filho, onde foi funcionário público e se aposentou. Consta ter exercido o jornalismo.

A professora usou, em sua análise, apenas um livreto de Valeriano: “A mulher que casou 18 vezes”.

Um bom livreto. Tem rimas naturais, visco na trama, tem humor, chacota, a melhor verve. Valeriano não é um poeta qualquer, conhece a arte, domina a ciência do sentimento, manobra o amor e a morte com segurança. 

Cria versos e estrofes, que são tiros certeiros.

Valeriano é autor de muitas obras.

80 livretos dele foram encontrados no acervo da biblioteca da fundação Rui Barbosa no Rio de Janeiro e mais 43 constam na bibliografia escrita pelo próprio autor na sua obra “De volta ao ninho antigo”.

Foi poeta integrado ao meio cultural do tempo. Seus livros eram impressos no Rio de Janeiro e São Paulo, boa parte pela Editora Luzeiro, pelas Visual Books e DocReader.

E teve projeção nacional. O livro “O Encontro de tia Policarpa com o seu destino”, foi transformado em série, exibida na semana de 10 a 14 de janeiro de 1993, no programa Caso Verdade da TV Globo.

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E a professora navega pela teoria literária e pelos seus naturais mares de saber, consolida conceitos, disseca os versos de Valeriano nos 18 casamentos da mulher singular. Faz uma cuidadosa avaliação técnica literária do romance que tomou como foco. Não lhe escapa nada, desde as editoras que o publicaram, às capas que o ilustraram... Tece considerações sobre cada componente, validando-o, seja verbal, seja visual. E enriquece a dissertação ao oferecer aos colegas professores de Língua Portuguesa, roteiros lúdicos de aulas “que podem ser usados, de imediato, em qualquer série de educação básica”, conforme observa o mestre em Letras pela UfS, Lucas Santos Silva, na contracapa.

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Catei meia dúzia de estrofes de  “A mulher que casou dezoito vezes” para ilustrar esta resenha.

 

E naquele cemitério,

uma cova existe aberta,

pois quem casar-se com ela,

 Perde a cama e a coberta,

Não comerá mais pirão,

pode levar o caixão,

que tem a morte por certa (Página 4).

 

 

Mas em cada sepultura,

Há de deitar uma flor,

Dizendo: Durma feliz

o meu décimo oitavo amor...

Que a terra lhe seja leve,

e outro irá dentro em breve

aliviar sua dor (página 5).

 

Soluçando inconsolável

Disse consigo: Eu não acho

um homem que seja homem,

Um macho que seja macho.

Escuto roncar trovão

chove tanto no sertão

Vive seco o meu riacho (Página 9)

 

Na verdade, não sou feia

sou rica, dengosa e bela

Todos olham para mim

se vou até a janela...

Tenho os cabeços compridos,

já tive tantos maridos

mas continuo donzela... (página 10.

 

Eu me caso com você,

-Disse o rapaz destemido -

nem que morra logo após

engasgado ou entupido,

está selado o assunto,

me considero defunto

mas hei de ser seu marido. (página 10).

 

Aracaju, 19 de novembro de 2023, por Antônio FJ Saracura.

 

 


sexta-feira, 6 de outubro de 2023

LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio,

LIVRO SOBRE LIVROS, coleção, Eneas Athanázio, 2023 desde 2019, editora Minarete, Camboriú, Santa Catarina, Sem Isbn e CDC.

 


Os livros de Eneas, e não são poucos, saem sem cdc ou isbn; não vão ao mercado literário, brindam amigos e instituições. Amigos como eu, que tive o prazer de receber a visita deste ilustre senhor aqui em Aracaju.

Eneas escreve sobre Santa Catarina muito, que é sua pátria e merece. Tem publicado contos, novelas, ensaios (o Contestado é o tema recorrente), costumes e manias do catarino, viagens pelo Brasil (sua maior cachaça), coletâneas de artigos que saíram em revistas e jornais.

Duas ou três vezes por ano eu recebo pelo correio um novo livro de Eneas. Também envio os meus quando saem do prelo. Ele escreve resenhas e as publica nas colunas que mantem na mídia. Eu não consigo acompanhar o ritmo do infernal barriga verde.

“Livro Sobre Livros” (são quatro volumes) falam de livros, de autores e, aqui e acolá, inclui contos de sua lavra. Uma boa lavra. 

No volume 01 (artigos), publicado em 2019, há Ranulfo Prata acolhendo Lima Barreto em Mirassol; há Anita Mafaldi, André Malraux, Câmara Cascudo, e outros. Há Simenon, que é meu relax também, com os inteligentes romances policiais para serem lidos de uma sentada.

Eneas comenta o livro “Os ditadores mais perversos da história” e, ao concluir, levanta o cartão vermelho e conclama-nos: “A grande lição do livro é simples e direta: a vigilância democrática nunca pode afrouxar e precisa ser barulhenta como os gansos do Capitólio.”

No volume 02 (Autores Catarinenes), de 2020, apresenta um apanhado da literatura de Santa Catarina, que é rica. Alguns dos nomes por aqui ainda não chegaram, o Brasil é formado por nichos isolados. 

No volume 03 (Ernest Hemingway), também de de 2020, dedica 119 páginas a Ernest Hemingway. E recorda a tragédia literária que se abateu sobre o grande Hem. A esposa quis fazer-lhe uma surpresa (ele a chamara para pequenas férias no interior da Suiça onde encerrara a participação em um congresso) e botou os originais do livro em que o marido trabalhava há anos (também a cópia, por engano) em uma valise. No trem, a valise foi roubada e ninguém achou mais nunca. Hemingway ficou enlouquecido: “Eu tinha escrito aquilo tantas vezes para chegar aonde eu queria... Não há como escrever o livro outra vez.”

O volume 4 (Contos e artigos), que saiu em 2023, traz seis contos, no início e, a seguir, artigos sobre grandes nomes da nossa literatura: Humberto de Campos, maranhense, que entrou na Academia Brasileira com 40 anos e viveu apenas mais 8 anos... A destruição de João do Rio. As colunas sociais de João eram replicadas por Humberto, no dia seguinte, mostrando os podres dos personagens louvados. Guerra sem trégua nem quartel. Quem quereria ser louvado por João para Humberto esculhambar? 

Gilberto Amado, sergipano e orgulho de todos daqui, tem 12 páginas para si. “Sacou a arma e atirou em Aníbal que o provocava. Dois tiros certeiros, Anibal morreu na hora. Nem Gilberto acreditou ter acertado. "A História de Minha Infância”, só a li quando já havia publicado “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Foi a sorte de meu livro, porque não existiria se eu tivesse lido Gilberto antes.

Guimarães Rosa, mineiro que deu nova vida a literatura brasileira, então exangue, ganha 32 páginas. Eneas vasculha a imensidão dos Gerais e se retém onde reside a essência de um povo esperto. “Quem qualquer daqui jura que ele tem um capeta em casa, miúdo satanazin, preso obrigado a ajudar em toda ganância que executa razão que Zé Simplício se empresa em vias de completar rico.”

Depois vem Vargas Vila, neste mesmo tomo, de quem eu já esquecera totalmente. Foi sucesso na segunda metade do século XX, unanimidade. "Na obra de Vila, a realidade e a ficção se envolvem de tal forma que é difícil separá-las”. Bateu-me aquele sentimento de inutilidade: o que estou fazendo? Não adianta escrever muito, escrever bem, será esquecido.

Stefan Zweig me deixou ainda mais assustado com o absurdo da guerra, com a maldade desse animal que se diz superior.

O inspetor Maigret elucida mais crimes e empata com Poirot e com Holmes. Não fica atrás de ninguém. “Grandalhão, meio pachorrento, envergando o inseparável sobretudo com gola de lã, usando chapéu preto e sugando o cachimbo...” Toda minha coleção, formada com zelo, emprestei ao velho jornalista Carlito Conceição, que vivia muito só. Após sua morte, encontrei o filho na rua João Pessoa e perguntei pelos meus livros. “De quem? Não vi livro nenhum desse tal Simenon”.

(Aracaju, 06 de outubro de 2023, por Antônio FJ Saracura)

 

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

SOBRE LIVROS LIDOS, O BLOG

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

SOBRE LIVROS LIDOS, O BLOG, Antônio FJ Saracura

 SOBRE LIVROS LIDOS, O BLOG, Antônio FJ Saracura, escritor da Academia Itabaianense de Letras, afjsaracura@gmail.com)


Fui, outro dia, ao lançamento do livro, “Aracaju meu Encanto”, de Perolina Mariani Bensabath, na igreja Batista da Coroa do Meio, em Aracaju. Uma cerimônia familiar, íntima. A autora é uma senhora de 87 anos, e, frequentou, tempos atrás, as reuniões da Academia Sergipana de Letras, divulgando outro livro, que falava de sua vida, uma pequena epopeia. Rascunhei, na época, rápida resenha sobre o livro dela. Nunca mais soube de Perolina, até ser surpreendido com o convite ao lançamento de que falei acima.

 

Escrever resenhas... Uma missão espinhosa...

Mas muito importante para o autor do livro resenhado.

 

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Como fez dona Perolina à mim, faço-lhes um convite. Visitem o blog: “Antônio Saracura sobre livros lidos”. Ele acaba de nascer. Tem meladinha, como convém à casa de mulher parida. E vocês podem dar uma cachimbada, com direito a limpar na barra da saia ou na perna da calça, o sarro do cachimbeiro anterior.

 

O blog acaba de nascer, mas já possui algumas dúzias de resenhas, a maioria sobre livros de autores sergipanos vivos. Talvez sejam mesmo simples considerações de um leitor compulsivo, confuso e acossado por uma multidão destas considerações (ou resenhas) geradas numa vida inteira. Acossaram-no com toda razão. Viram-se na iminência de se perderam na “broquice” do autor (a idade é malvada!) ou na insensibilidade (sempre provável) dos herdeiros, em fogueiras no quintal, após a morte dele, como se fossem “nutilidades”.

 

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Nos meus velhos diários, agora delidos, há relações de títulos de livros lidos. Seriam para marcar ponto numa competição individual ferrenha? Talvez para não recomprar o mesmo livro, ou não reler começos.

 

Numa fase seguinte, eu anotava também os pontos principais dos livros lidos. E até publiquei alguns destes no jornal “A Cruzada” nos idos de 1966, 67 e 68.

 

Quando estive na faculdade, eu elaborava fichários (benditos fichários!), organizados alfabeticamente. Um professor passou-me o know-how ao ver minha aflição, perdido em cadernetas desmolongadas e em folhas soltas.

 

Há alguns anos, o computador chegou e mudou meus métodos. O word ficou meu amigo, anjo da guarda, assessor contínuo, inseparável. E toda aquela parafernália manuscrita anterior, eu pude congelar, “abandonar”. Passei a fazer minhas anotações sobre livros lidos eletronicamente. E até publiquei algumas dessas anotações, que as chamei de resenhas, na Revista Perfil de Itabaiana, nos últimos cinco anos.

 

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Escrevo resenhas às carreiras, a partir de rabiscos nas bordas dos livros que leio. Chamo-as inicialmente de anjinhos sujos. Do bem ou do mal. Arquivo-as brutas, com palavras truncadas, em um limbo seguro ao meu alcance. Faço resenhas porque preciso. Como uma defesa. Não nasci com a memória fotográfica de meus parentes das Flechas e da Matapoã, a exemplo de Sizino de Candinho, Florita de Totonho ou Genário Ferreiro. Genaro está no youtube com cerca de vinte declamações geniais. Impressionante!

 

Além do que, aprendo mais copiando do que lendo ou ouvindo. Mesmo quando o professor proibia, eu anotava, camuflado, os pontos principais de suas aulas. Problemas de matemática ficavam claros ao copiá-los em meu caderno de dever.

 

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Reitero o convite para visitarem o Blog: “Antônio Saracura sobre livros lidos”. Ele é filho dessa última fase, a digital, a eletrônica.

 

Quando me sobra um tempo, vou ao limbo pegar um desses anjinhos sujos. Converso com ele, dou-lhe um banho, boto-lhe uma roupinha branca, um par de asas e trago-o ao blog. Cada anjinho desses é uma nova resenha. Há um problema que estrou tentando evitar. Quando vou ao limbo buscar um anjinho, outros querem vir também. Mas eu só consigo aprontar um por vez. É o meu limite. O diabo é que eles estão ficando espertos. Um clandestino, escondido em alguma dobra do papel ou embaixo das notas de rodapé do editor de textos, vez por outra, vem junto. Inconveniente, apressadinho. Eu percebo tarde demais. Brutinho como foi feito, sem nenhum acabamento literário, ele pula dentro do blog logo que pode, misturando-se, escondendo-se atrás dos outros. Demoninho! Por isso é que algumas resenhas estão mal acabadas. Até ofensivas. Peço a vocês que, em as vendo, me avisem para que eu as arrume adequadamente.

 

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Autores precisam conhecer a opinião dos leitores de sua obra e podem até morrer com o silêncio do público. Eu mesmo só sobrevivo porque as pessoas falam, aqui e acolá, sobre os livros que publico. E viveria bem melhor, se mais falassem.

 

Além de visitar o blog, digam coisas (boas ou ruins) sobre o que viram. Critiquem! Não se sintam pejados nem constrangidos. E não relutem em dedurar os inconvenientes sujinhos.

 

É bom para a nossa literatura que o blog viva. Arrisco supor! E que nasçam outros blogs (ou seções em revistas e jornais) com resenhas dos livros que publicamos.

 

Observação

Trazido do blog “Sobre Livros Lidos” em 04/10/2023 com 1909 leituras.