domingo, 17 de julho de 2016

ACONTECEU EM SANTANÁPOLIS, Artur Oscar de Oliveira Deda

ACONTECEU EM SANTANÁPOLIS, Artur Oscar de Oliveira Deda, 2015, J. Andrade,130 páginas, isbn 978-85-8253-101-3


Depois de “Histórias de Vários Tempos”, boa leitura, espetacular, Oscar Deda, desembargador já a algum tempo fora da caserna, brinda-nos com uma gostosa fábula, sátira, romance de costumes, “Aconteceu em Santanápolis. 


A capa é uma bela tela de Ézio Dêda, bucólica: uma casa simples sob uma árvore desfolhada, como muitas casas que podemos encontrar nos campos de nossos sertões. Há uma flor vermelha viçosa no jardinzinho à frente, nessa casa habita a poesia.



Artur é natural da cidade de Simão Dias, naturalidade que ostenta com orgulho. Os filhos de lá, como os de Itabaiana, não se contentam apenas em amar, apregoam o sentimento aos quatro ventos ou até à mais se houvesse.  Como os itabaianenses tem Santo Antônio, Simão Dias tem Nossa Senhora Santana, uma padroeira poderosa. Eu sou devoto de Santo Antônio, por tradição e convicção. Artur mostra-se devoto da Santa padroeira e dos valores sagrados desse povo.

Além da boa escrita, vernáculo que flui gostoso, “Aconteceu em Santanápolis” é embelezado com gravuras à bico de pena, ilustrando cada caso ou situação narrados. Naelson Belém é indicado como autor, mas as gravuras têm a mesma alma da prosa, como se tivessem saído da mesma nascente, geração espontânea a partir do texto consistente e forte, filhas do próprio autor Oscar Deda.

O livro compõe-se de três partes.

A primeira: A Morte do Boêmio. O doutor Reginaldo Lira veio aprontar em Santanápolis, usufruir do bar de Sandino (um cabaré de primeiro mundo) e colocar em teste a medicina do médico Zoroastro Boaventura (fraca demais quando o caso era grave). Reginaldo morreu em batalha, na boemia inveterada, aproveitando o que podia desse mundo passageiro demais. Mas causou um furdunço danado em Santanápolis, quase forçou o adiantamento do jogo Brasil e Uruguai pela copa do mundo de 1950.

A segunda parte: Meses depois. O sepulcro caiado, padre Antônio Diamante fugiu com a mocinha ingênua a quem ensinava os princípios de uma formação cristã (certamente o princípio de um novo cristão). Novo vigário em Santanápolis. E Jaime Bandeira ganha corpo no capítulo quatro (excelente, lembrou-me o seminário de Meninos que não Queriam ser Padres): as pernas da professora Figueiroa (no caso uma aluna)  fez Jaime misturar também “as contas”. A paixão por irmã Terezinha replicou em Bandeira. A declaração de amor através do soneto de Guilherme de Almeida (original Arvers) e o seu Meneguzzo implacável encurralou-o. Teve que abandonar a batina. Agora em Santanáplis, por conta de concurso e de bom emprego, Jaime Bandeira, quer Lourdinha de Amélia, muito mais do que a aluna de lábios carnudos ou a freira do soneto de Guilherme. Que noite de amor (capítulo 7)! Que triste partida (capítulo 8). Lourdinha quase morre, foi salva pelo médico Zoroastro...

A terceira parte acontece trinta anos depois: O retorno de Bandeira à Santanápolis. Matar saudades, rever velhos amigos.  Na igreja, sem ser notado, depara-se com Lourdinha de Amélia, seu amor das noites cálidas, de fogo mesmo, agora esposa do médico Zoroastro, acompanhada de um moço: imagem dele próprio naquela idade. Certamente seu filho, do qual nem sabia da existência, puxando sua perna, ligeiro estrabismo no olho direito; seus perfeitos traços.

“Foi-se embora com a alma coberta de cinzas e a saudade derramando dos seus olhos”.


XXX

Não se enganem com o pequeno volume do livro (127 páginas). É denso, mostra uma cidade inteira com seus tipos, seus costumes, verve e muito mais. Erudição em cada frase. Eu me assustei, e corri também me esconder, quando a inhambupé cantou aflita, percebendo a aproximação do caçador: “luiz... corre meu filho!”.   Para cada fato narrado, aparecem, como se fossem links milagrosos, personagens marcantes da cidade em alguma época: hilários, irônicos, folclóricos. Passam rapidamente, o livro é curto, mas dão o recado bem dado, revelando a riqueza do quotidiano da aldeia. Maria de Bão, a gorda Osmunda, Zé Soldado, Zé Bodinho, Sandino, a franzina Marina sempre de rosto empoado, o coveiro Paiaiá, o espanhol Cesário, Deolino, o médico Zoroastro Boaventura, Jaime Bandeira, os vigários, e muitos outros.

Há carros de bois, automóveis, pensão acolhedora, a confidente praça da matriz, a moça Terezinha apaixonante e colírio para qualquer olho nevoado pelos anos.

Há um bom romance de memórias que Simão Dias deve comemorar.  E todos que gostamos de ler, aplaudir.








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