ACONTECEU EM SANTANÁPOLIS, Artur
Oscar de Oliveira Deda, 2015, J. Andrade,130 páginas, isbn 978-85-8253-101-3
Depois de “Histórias de Vários
Tempos”, boa leitura, espetacular, Oscar Deda, desembargador já a algum tempo
fora da caserna, brinda-nos com uma gostosa fábula, sátira, romance de costumes,
“Aconteceu em Santanápolis.
A capa é uma bela tela de Ézio Dêda,
bucólica: uma casa simples sob uma árvore desfolhada, como muitas casas que podemos
encontrar nos campos de nossos sertões. Há uma flor vermelha viçosa no jardinzinho
à frente, nessa casa habita a poesia.
Artur é natural da cidade de
Simão Dias, naturalidade que ostenta com orgulho. Os filhos de lá, como os de
Itabaiana, não se contentam apenas em amar, apregoam o sentimento aos quatro
ventos ou até à mais se houvesse. Como
os itabaianenses tem Santo Antônio, Simão Dias tem Nossa Senhora Santana, uma
padroeira poderosa. Eu sou devoto de Santo Antônio, por tradição e convicção. Artur
mostra-se devoto da Santa padroeira e dos valores sagrados desse povo.
Além da boa escrita, vernáculo
que flui gostoso, “Aconteceu em Santanápolis” é embelezado com gravuras à bico
de pena, ilustrando cada caso ou situação narrados. Naelson Belém é indicado
como autor, mas as gravuras têm a mesma alma da prosa, como se tivessem saído
da mesma nascente, geração espontânea a partir do texto consistente e forte, filhas
do próprio autor Oscar Deda.
O livro compõe-se de três partes.
A primeira: A Morte do Boêmio. O doutor
Reginaldo Lira veio aprontar em Santanápolis, usufruir do bar de Sandino (um cabaré
de primeiro mundo) e colocar em teste a medicina do médico Zoroastro Boaventura
(fraca demais quando o caso era grave). Reginaldo morreu em batalha, na boemia
inveterada, aproveitando o que podia desse mundo passageiro demais. Mas causou
um furdunço danado em Santanápolis, quase forçou o adiantamento do jogo Brasil e
Uruguai pela copa do mundo de 1950.
A segunda parte: Meses depois. O
sepulcro caiado, padre Antônio Diamante fugiu com a mocinha ingênua a quem
ensinava os princípios de uma formação cristã (certamente o princípio de um
novo cristão). Novo vigário em Santanápolis. E Jaime Bandeira ganha corpo no capítulo
quatro (excelente, lembrou-me o seminário de Meninos que não Queriam ser
Padres): as pernas da professora Figueiroa (no caso uma aluna) fez Jaime misturar também “as contas”. A
paixão por irmã Terezinha replicou em Bandeira. A declaração de amor através do
soneto de Guilherme de Almeida (original Arvers) e o seu Meneguzzo implacável encurralou-o.
Teve que abandonar a batina. Agora em Santanáplis, por conta de concurso e de
bom emprego, Jaime Bandeira, quer Lourdinha de Amélia, muito mais do que a aluna
de lábios carnudos ou a freira do soneto de Guilherme. Que noite de amor (capítulo
7)! Que triste partida (capítulo 8). Lourdinha quase morre, foi salva pelo médico
Zoroastro...
A terceira parte acontece trinta
anos depois: O retorno de Bandeira à Santanápolis. Matar saudades, rever velhos
amigos. Na igreja, sem ser notado, depara-se
com Lourdinha de Amélia, seu amor das noites cálidas, de fogo mesmo, agora esposa
do médico Zoroastro, acompanhada de um moço: imagem dele próprio naquela idade. Certamente
seu filho, do qual nem sabia da existência, puxando sua perna, ligeiro
estrabismo no olho direito; seus perfeitos traços.
“Foi-se embora com a alma coberta de cinzas e
a saudade derramando dos seus olhos”.
XXX
Não se enganem com o pequeno
volume do livro (127 páginas). É denso, mostra uma cidade inteira com seus
tipos, seus costumes, verve e muito mais. Erudição em cada frase. Eu me
assustei, e corri também me esconder, quando a inhambupé cantou aflita,
percebendo a aproximação do caçador: “luiz... corre meu filho!”. Para
cada fato narrado, aparecem, como se fossem links milagrosos, personagens
marcantes da cidade em alguma época: hilários, irônicos, folclóricos. Passam rapidamente,
o livro é curto, mas dão o recado bem dado, revelando a riqueza do quotidiano
da aldeia. Maria de Bão, a gorda Osmunda, Zé Soldado, Zé Bodinho, Sandino, a
franzina Marina sempre de rosto empoado, o coveiro Paiaiá, o espanhol Cesário, Deolino,
o médico Zoroastro Boaventura, Jaime Bandeira, os vigários, e muitos outros.
Há carros de bois, automóveis,
pensão acolhedora, a confidente praça da matriz, a moça Terezinha apaixonante e
colírio para qualquer olho nevoado pelos anos.
Há um bom romance de memórias que
Simão Dias deve comemorar. E todos que
gostamos de ler, aplaudir.
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