A GUERRA NÃO TEM ROSTO DE MULHER,
Svetylana Aleksiévitch, 2016, Companhia das Letras,tradução do russo (Cecília
Rosas), 390 páginas, isbn 978-85-359-2743-6
(Preâmbulo)
Livro de autoria da jornalista
russa premiada com o Nobel de Literatura de 2015. É extensa e minuciosa reportagem
construída com depoimentos de mulheres que lutaram na Segunda Guerra Mundial,
em toda a Rússia. E que sobrevieram. A maioria na linha de frente: dirigindo
tanques, Snipes laureadas, na infantaria, enfermeiras, médicas, telefonistas,
espiãs, engenheiras, seguranças, cozinheiras, costureiras...
Muitas nem voltaram para casa,
outras retornaram inválidas, outras traumatizadas. Boa parte retornou com o
peito coberta de medalhas pelo heroísmo em campo. E, depois, com a paz,
amoleceram o coração e foram mães; tiveram e criaram filhos para repovoar a
Rússia devastada.
Os alemães chegaram ao em nossos
lares, matando, inclusive os que rendiam. Como suprir as fileiras? As mulheres faziam
questão de ir para o front defender a pátria, expulsar os invasores e, depois,
devolvê-los à suas casas na Alemanha.
Um exército de saias, espetacular.
A autora fala do caminho percorrido
para compor a obra: “Segui a pista da vida interior, fiz anotações na alma. O
caminho da alma é mais importante do que o acontecimento. E não foi fácil
penetrar em suas almas. Ah minha querida, já se passaram quarenta anos, mas na
minha casa você não encontra nada vermelho. Desde a guerra, eu odeio vermelho’”
(Fala das guerreiras)
“Depois da sessão de tiros,
fizemos o treinamento de camuflagem. O coronel veio inspecionar e parou sobre
um montinho. Não se via nada. As meninas estavam bem escondidas. E aí, o
montinho começou, embaixo dele, a implorar: ai, camarada coronel, eu não
aguento, o senhor é muito pesado! O montinho era uma menina camuflada.”
“Quem esteve na guerra sabe que
um civil se transforma em militar em apenas três dias.”
”Ratos saíam correndo da cidade
para o campo antes dos bombardeios; eles farejavam a morte vindo.”.
“Naquela fase da guerra não havia
armas suficientes. Davam pra gente duas ou três granadas e nos mandavam para o
combate sem metralhadoras; íamos para o combate como quem vai para uma briga com
a vizinha. A gente pegava fuzil, na batalha, de algum soldado morto.”
“Passávamos muita fome. Se
dormíamos, sonhávamos com comida. Eu sonhava com bisnagas de pão voando sobre
mim.”
“Fazia tanto frio que os passarinhos
caíam no voo, congelados. Havia um soldado ainda menino que tinha uma lágrima
congelada no rosto.”
“Havíamos nos transformado em
dois bastões de gelo; não conseguíamos nos mover. Ficámos em pé nos apoiando
uma na outra para não cair, para não nos partirmos em pedacinhos.”
“E como pesavam os feridos no
inverno! Eles ficaram duros como cadáveres, enganavam a gente como se
estivessem mortos.”
“Pergunte para mim o que é
felicidade. Eu respondo que talvez seja encontrar entre os mortos, uma pessoa
viva.”
“Ele está morrendo e mesmo assim não acredita
que esteja morrendo. E depois de morto, fica no rosto um espanto: é possível
que eu tenha morrido?”
“O oficial soviético não podia se
entregar ao exército alemão. Se o fizesse, era desertor. Se o libertássemos,
seria julgado e condenado.”
“Eu me lembro de um soldado
alemão ferido, que agarrava a terra com a mão. Nosso soldado então falou pra
ele: não mexa nessa terra que é minha; a sua ficou lá de onde você veio.”
“Todos queríamos viver até a
vitória.”
“Somos de uma geração que
acreditava que há coisas maiores do que a vida humana.”
“Casa é algo muito maior do que
as pessoas que moram dentro, é maior do que a própria casa. É uma coisa. As
pessoas precisam ter uma casa...”
“Acabada a guerra, quando
cheguei em casa, meu irmão me mostrou minha certidão de óbito. O Exército russo
havia me enterrado.”
“Antes da guerra tínhamos tantos
rouxinóis! Depois eles sumiram com a terra tão revirada que veio à tona o
esterco de nossos avós. Só retornaram muito depois de ararmos a terra mais de
umas vez.”
“O amor é o único acontecimento
pessoal da guerra. Tudo o mais é coletivo. Até a morte.”
(Conclusão)
Quase um milhão de mulheres
russas lutou na Segunda Guerra Mundial. A autora ouviu centenas das que
sobreviveram. Trouxe-nos pedaços das almas dessas mulheres que viveram
situações extremas no treinamento, nas batalhas, até depois que retornaram para
suas casas e famílias destruídas.
Enfadei-me, algumas vezes. Os
casos contados pareciam recorrentes, as mesmas dores sempre.
Mesmo únicos e terríveis para
quem morreu ou para quem esteve junto, os casos são dourados por quem conta,
amenizados. A própria personagem (a
mulher russa que lutou) não conseguiria recompor os seus casos com todas as
cores da dor sentida no passado. Névoas de lirismo, de mágoa, de defesas, de
esquecimento desejado já os contaminaram.
Muito menos a jornalista que o ouviu
assim; e mais ainda eu, leitor de outro mundo, que nem uma guerra vi..
“A Guerra não rosto de mulher” é um livro que nos
faz pensar como a paz precisa ser preservada a qualquer custo.
(Aracaju, 2020jun27, Antônio FJ
Saracura)
Li na ASL em 2020, acho.
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