terça-feira, 7 de julho de 2020

A VIDA ME QUER BEM, Amaral Cavalcante



A VIDA ME QUER BEM, crônicas da vida sergipana, Amaral Cavalcante, 2019, Edise, 356p, isbn 978-85-53178-45-2




Amaral Cavalcante é um cronista esmerado, mago das palavras e sua obra (prosa ou poesia) trata de temas corriqueiros, do dia a dia, como até sugere o subtítulo do recente livro “Vida me quer bem”, que ora resenho. É um livro massudo mas não representa nem um décimo da coleção de crônicas geniais que Amaral espalhou pelos jornais e revistas e redes sociais, desde garoto quando veio de Simão Dias para Aracaju.




Eu convivi com Amaral desde muito cedo quando trabalhei na imprensa (Jornal A Cruzada e na Rádio Cultura). Conviver é uma força de expressão, porque meu mundo era o católico quadrado, o que convinha a um ex seminarista. Ele era do mundo alternativo, dos pecadores, da boemia, que circulava em volta dos jornais leigos. Mesmo assim, estivemos juntos na criação do Clube de Cinema de Sergipe, pelos idos de 1967, com mais meia dúzia de cineastas e críticos de cinema.

Depois, quando retornei do mundo da tecnologia da informação, e,  por volta de 2008, e publiquei meu primeiro livro Os Tabaréus do Sítio Saracura, reencontrei Amaral, tido e sido como a melhor pena da cidade.

E mais à frente, com a Cumbuca senti que ele me acolhia com muita consideração. Na Cumbuca (a cara de Sergipe sério) eu tive o prazer de estar em suas páginas por algumas ocasiões. Recentemente, ele me deu, na edição de dezembro último, 6 páginas artisticamente trabalhadas para mostrar “Os Tabaréus do Sítio Saracura”. Não me lembro de ter visto outro livro sergipano ganhar tão nobre e grande exposição em todas as edições (este é o oitavo ano da revista). Talvez haja, entretanto, para mim o que valeu foi o que me coube. É o que devo ligar.

E ontem, às 11:49 da manhã, Amaral postou de seu punho no Messeger para mim "Grande Saracura. Meus parabéns", pelo meu aniversário.  Eu nem imaginei que ele estivesse doente, eu nem agradeci.

O livro  “A Vida me quer bem” está segmentado (foi organizado pela professora Maria Rosineide Santana, que recolheu as crônicas nos velhos jornais) em quatro partes:
Primeiro, “O Mundo doce de açúcares e memórias” contem 35 peças da melhor qualidade que, pelos títulos se depreende o conteúdo: Aventuras na pra Formosa, Os cheiros do sabão de alcatrão, na Bodega de seu Cipriano, Alçapão de pegara sanhaço...
Segundo, “A Vida me Quer Bem” com 28 obras primas e que falam do dia a dia, do ensaio na vida, da descoberta dos rumos voláteis, das pessoas que sempre encontramos: E os títulos cumprem a mesma missão do grupo anterior, vou citar três: Um brinde a Santo Souza, o jornalista Zeca Deda, Em busca do coração de Luiz Antônio, A sombra etílica...
O terceiro, “Guarda de Inúteis segredos” e consta 25 crônicas antológicas. Títulos para instigar o gosto. Antigos carnavais, aquilo se chama beiju, no Colodiano, em cima de um caminhão.
E o quarto e último, “De bar em bar” são 26 crônicas, e tem a ver mais com a vida boêmia, as homéricas bebedeiras. Alguns dos títulos imperdíveis: Do Vaqueiro ao Manequito; penetrando na Atlética, o Cacique Chá, Gosto Gostoso e a boate de Lourinha.

Excerto de O Colodiano (Pagina 201) que pertence ao terceiro segmento: “Guarda de Inúteis segredos”.

Era só descer do ônibus no terceiro ponto da 13 de julho e embarcar nas canoinhas de tábua até o outro lado. O Colodiano, território sem incômodos da lei, oferecia maconha livre e grandes baratos. Era o território livre da contracultura dos anos 1970, bem ali, pertinho dos bens bons da cidade, Mas distante da repressão que nos incomodava.
(...)
Lá dando bola com a contravenção, vivemos a marginália dos anos 70 na maior “naice”. Cabeça feita, depois do futebol, um peixe torrado aqui, um guiamun cevado, ou comer uma carne frita, feitinha na hora mesmo. Com farinha e pimenta custava poucos cruzeiros. Caro, e de grande valor, era o respeito de cada um por fada cada qual no território livre do Colodiano.
O Colodiano, hoje bestamente chamado de Coroa do Meio, é uma ponta instável, sedimentada de marés malucas, que pegam terra da Barra dos Coqueiros e a jogam para cá.”
(...)
Ao final do livro, foram incluídos depoimentos sobre o autor de personalidades da terra: Ilma Fontes, Jorge Carvalho Nascimento, Luciano Correia, Marcelo Deda Chagas, Marcos Cardoso, Rian Santos, Silvia Leroy, Terezinha Oliva.
O design do livro é de Germana Gonçalves Araújo, a apresentação de Carlos Cauê, e o prefácio de Jeová Santana.
Amaral cultivou uma literatura alegre, chistosa, de fino acabamento. Cada crônica é uma tela de Joel Dantas (vocês precisam conhecer esse pintor). Um pouco indecente como é a vida, como foi sua vida de jovem boêmio zoando em Aracaju. Com farras, drogas e anarquia. Mas tudo dentro de razoável, nada que agrida sequer a um casto seminarista ou a uma aluna interna de colégio de freira.
Amaral completaria 74 anos no próximo dia 11 de julho.
Vocês estão dando muita sorte, porque o livro de Amaral, “A Vida me Quer bem” está à venda nas lojas Escariz de Aracaju.

(Aracaju, 07 de julho de 2020, por Antônio FJ Saracura, na quarentena da Pandemia dos Corona Virus que matou Amaral ontem à noite).

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