AS CONCHAS NÃO FALAM, Taylane Cruz,Harper Collins,Rio de
Janeiro, 2024, 160p, isbn 978-6506-005-022-8
Saramago afirma que “em literatura e arte, nenhuma obra tira
o lugar da outra. Elas convivem lado a lado. Não é porque foi escrito “Dom
Quixote” ou “Ulisses” que outras obras não precisam existir[1].
Arte sempre será benvinda, nunca há suficiente, eu que
depreendo. Sempre haverá lugar garantido para Taylane e para todos nós. Devemos
estar abertos para aplaudir “As Conchas não Falam” (como faço aqui agora) como
o cordel do poeta de feira escrito na língua bruta da roça.
Taylane Cruz é escritora consagrada e hoje pertence ao time de uma das maiores editoras do mundo, a Harper-collins, que publica Tolkien. Ela está no palco desde 2015, apesar de parecer uma garotinha, com o lançamento de “Aula de dança e outros contos(2015)”, “A pele das coisas (2018)”, “O sol dos dias (2020)”, “Para hora do coração na mão (2022)”, “Menina de Fogo (2023)’ e este, "As conchas não falam (2024)”.
Alguns eu li um pouquinho e
outros, integralmente. E gostei de cada frase: bem tratada e bem urdida.
Na cerimônia de lançamento de "As conchas não falam", um fã, dramaticamente, leu o último
conto do livro (Irmãs). Eu estava sentado na cadeira detrás. As páginas do livro
se acabaram à minha vista, mas o fã levantava a mão arfante e trazia mais uma
nova página. E eu comemorava, o conto se autocriava para me satisfazer.
Em casa (porque já ouvira no dia do lançamento) pensei em
apenas beliscar as irmãs mas elas se grudaram em mim, dizendo sem dizer o que iria
acontecer. Ao final, em vez de passar páginas que não haviam, fiquei,
como sempre acontece quando sou atingido pelo inusitado, desdobrando a trama, percorrendo
caminhos secretos, visitando mundos criados na hora.
Por que diabos nenhuma das cartas foi lida (ou levada a sério) se foram enviadas até para Deus? A decisão tomada, “deixei só nossa mãe e nossa avó nos flagrar, usei a mim mesmo como isca...”. me arrepiou e não seria o que eu faria (sou um personagem apenas e tenho medo do homem irracional).
Taylane é boa bordadeira. Manuseia mil novelos coloridos, enfia agulha, pega-a no tato por baixo do badoque e a manda de volta. Repete e repete a função com segura calma. E dessa labuta, brotam: a avó cúmplice, a cachorrinha “roubada”, o tio vilão, o pai com seu avião de sonhos e outros inesquecíveis momentos. Ora, as linhas se engrolam ou deixam um espaço maior. O leitor se preocupa à toa. A tecedeira cria uma elevação ou uma depressão na geografia de seu bordado. E nesta azáfama de furos e linhas trespassando, imagens ganham vida ou são incógnitas figuras a decifrar, como se a bordadeira fosse feiticeira: o amor que se regenera como o rabo das lagartixas e as memórias saem como cobras de dentro das rachaduras das paredes. Ele me roubou de casa como se eu fosse um chapéu e me puxou nossos cabelos com tanta força que parecia arrancar raízes da terra. Não é fácil ver seus olhos assim fechados como dois buracos onde guarda um segredo, mas me satisfaz sair gritando pela pracinha ao flagrar os meninos batendo punheta no fundo da igreja.
Não há como mostrar o que cada conto revela, o que um livro deste contém, a não ser que o replique inteiro e, mesmo assim, com minguada chance de sucesso. A literatura cria em cada célula, infinitas camadas a decifrar.
E eu, aqui, sou somente o arauto que grita ao vento: chegou um novo rei para governar; chegou um bandoleiro para mexer com a gente.
Está nas livrarias de Aracaju (e do Brasil) o novo livro de Taylane Cruz para ser lido.
(Por Antonio FJ Saracura, em Aracaju, 02 de janeiro de 2024).
[1] Do
livro “Conversas inéditas: José e Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes, citado
no artigo “Confissões” inserido no “Livro sobre Livros (Escritos Diversos, volume 5)", de Enéas Athanázio.
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