terça-feira, 28 de junho de 2022

ESCRITOS OUTONAIS, Ana Maria Fonseca Medina

 

ESCRITOS OUTONAIS, Ana Maria Fonseca Medina, 2021, EGBa, 174 páginas, Isbn 978-65-89131-30-4.

 


Ana Medina Fonseca nos oferece em cada livro que lança mil poemas lindos. Cada frase é um verso burilado, um diamante. Ana é esmerada, caprichosa, não deixa por menos. Desliza ancha pela arte que arrebata e que emociona. Os seus textos, se não contassem nada, nenhuma história, seriam belos por si só, flores do campo pingadas de orvalho em uma manhã de inverno.

Mas ela nos oferece em seus livros a riqueza de nossa terra querida, a começar por Boquim, que sempre aparece bucólica e mágica. Boquim do tempo de menina. E os valores sagrados da família, da fé católica, do povo simples e do povo ilustre. A glória dos últimos e a esperteza e irreverência dos primeiros. E entram os contadores de causos que não relutam em mentir para mais espantar; carreiros, senhores do cabeçalho potente e da dianteira inteligente, como Zé Pequeno da Fazenda Garangau. E entra João Cachorro acompanhado de um cachorro pedindo esmolas na cidade, uma para si e outra para o companheiro; e Maria Cheirosa, que a molecada chamava de tapioca e ele se danava, dizia que tapioca era a mãe. E até o moleque de recado que corre entre as fazendas e a cidade integrando as pessoas como se fosse uma rede social dos tempos de agora, envolto em rápido zéfiro que somente eu vi.

Bem, assim é este “Escritos Outonais”, irmão de “Trilhando Memórias” (2013) mas também de toda a vasta bibliografia que citarei (alguns títulos) que já são clássicos. Menos se espera e Ana lança uma obra indispensável.

A Ponte do Imperador (1999);

Cartas de Hermes fontes – Angústia e Ternura (2006);

Efemérides Sergipanas de Epifâneo Dórea (2009);

Mário Cabral Vida e Obra (2010);

Crônicas da Passagem do Século de Edilberto Campos (2017);

Valmir Fernandes Fontes biografia (2019).

As obras são sóis acesos sobre valores que jamais poderemos esquecer, de taumaturgos que plantaram as bases da sergipanidade, o orgulho de ser daqui. Se ela não cria, ressuscita heróis. Dom Luciano Cabral Duarte, Hermes Fontes, Mário Cabral, Epifâneo Dórea. Não apenas temos os semideuses, temos os feitos que os glorificaram.

Desfilam monstros sagrados, como Alberto Carvalho, itabaianense que me puxou as orelhas quando ajeitei uma frase que me pareceu errada em sua crônica domingueira de “A Cruzada”, mas escondia um patamar além de meu entendimento. E Carmelita Fontes que foi Gratia Montal nas colunas do mesmo jornal e tive a honra de andar ao seu lado pelos campos da Judeia castigando infiéis. 

Reencontrei Padre Claudionor de Brito Fontes que montou um pensionado na casa paroquial da catedral e eu me inscrevi. Jamais fui chamado, comi, se quis, a garoroba de dona Alzira na esquina da São Cristóvão com Capela.

O jovem pároco de Itabaiana, Gilvan Rodrigues, que me contou sua história de superação em Jerusalém, ganhou páginas justas para seu trabalho e pregador da doutrina sagrada. E o poeta Wagner Ribeiro, sonetista clássico e cordelista brejeiro, que passava tardes batendo papo com os farinheiros de Itabaiana no mercado central de Aracaju e me dizia: “É minha gente de valor”.

Eunaldo Costa trazendo em seus versos os cocos e as melancias da Barra dos Coqueiros...

Goes Duarte, pai de dom Luciano Cabral e apaixonado pela meiga normalista cuja simplicidade encantadora encheu-lhe um dia o coração e a vista.

Maria Lígia Madureira Pina, que me ofereceu o colo amigo e que acalentou o tabaréu desajeitado, tecendo crônicas sobre livros que bisonhamente escrevi; como pode ir para o Céu tão cedo se o céu estava aqui com ela?

Meu conterrâneo santo da igreja, só estou esperando a festa da canonização, padre José Gumercindo Santos, filho dos holandeses do Zanguê de Itabaiana, de onde saíram os poetas João de Deus Souza e Zé Crispim, passou a vida encontrado boas saídas para o rebanho carente mas teve seus tapetes puxados por quem deveria estendê-los.

Horário Hora, Florival Santos, Álvaro Santos, Freire Pinto, Estácio Bahia, Benjamim Fontes...

 

Eu nunca ouvira falar da “Rapsódia Sergipana” e nem de Stela Leonardo da Silva Lima Cabassa que Ana me apresentou aqui de sopetão. Fiquei zonzo com as xácaras, os cantochões e os benditos falando de nossa lendas, como Belchior Dias, Maria Pereira, João Canário e muitos outros que vão sumindo das lembranças.

A segunda parte do livro, que misturei aqui e ali com a primeira, é composta de gostosas crônicas sobre sentimentos, infância, aulas de catecismo... E encontrei velho Luduvice, beato da igreja do seminário, que sempre estava no meio dos seminaristas e acho que é o pai de Conceição (de quem Ana fala) e de Luduvice José, seminarista como eu, mas que virou jornalista ilustre. Um dos poucos da minha prima sacristia a me abraçar no retorno com os alforjes cheios de histórias pra contar. Mas preciso encerrar com Marylin, uma crônica especial, escrita com azougue. “E o palhaço o que é? Ladrão de Mulher.” A menina órfã chamada Zefira, criada de favor viu no circo Tyrol as asas de voar. E pediu ao palhaço para fugir com ele. O palhaço não negou a fama e levou Zefira embora. Não adiantou o serviço de autofalante do vigário Cravo chamar Zefira de volta, pois ela, logo depois, era atriz de teatro e se chamava Marylin. Mas a menina triste teve glória passageira.

Uma rajada de sangue se desprendeu de seu corpo e ela caiu morta em pleno espetáculo. Estava esperando um filho. O palhaço a envolveu em um beijo. Duas lágrimas brancas de alvaiade cobriram o rosto de Marilyn. A plateia foi ao delírio, palmas e pedidos de bis. Nem percebeu que, naquela hora, era a vida que imitava arte.  Como viver de verdade outra vez após a morte?

Obrigado, Ana Medida, seu livro é muito bom.

 

Aracaju, 28 de junho de 2022, por Antônio FJ Saracura.

 


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