domingo, 26 de junho de 2022

SERGIPE UM ROTEIRO TURÍSTICO, HISTÓRICO E CULTURAL

 

SERGIPE UM ROTEIRO TURÍSTICO, HISTÓRICO E CULTURAL, Amâncio Cardoso, 2022, Artner Editora, Aracaju, 136 páginas, isbn 978-65-88652-53-6.

 


A editora Infographics sempre disponibiliza livros para suprir a Geloteca que a Academia Itabaianense de Letras mantem no shopping Peixoto em Itabaiana. São sobras de edições que poderiam ser enviadas para a reciclagem, escaparam à encomenda. As gelotecas (outras também recebem) oferecem literatura à base de troca livre com leitores dispersos. O leitor leva um e paga com outro livro (se quiser) para que a corrente persista. Assim, ajuda a circular o sangue das sabedorias e dá vida ao nosso ser cultural. Há várias instaladas em outras cidades e em escolas, quase sempre construídas a partir de sucatas de geladeiras, daí, talvez, o prenome Gelo... e que são, na sua maioria, construídas fornecidas pela Infographics Editora, uma fábrica de livros de Aracaju.

Antes de levar a última remessa de livros para Geloteca da AIL, olhei as capas (como sempre faço) e, curioso, bispei o conteúdo de alguns, menos os de minha autoria e os já lidos, que seguiram livres. Tenho me batido, nessas olhadas, com joias, como esta, “Sergipe um roteiro turístico...” de Amâncio Macedo.

Não resisti e o retive comigo para ler. Paguei o "empréstimo" com um livro de minha autoria, mas agora vi que paguei muito pouco pelo Roteiro... que é um consistente e rico, sem empolgação, expondo informações técnicas garantidas por bibliografia informada. 

Talvez a obra não cubra todo o universo desse Sergipe turístico, histórico e cultural, mas traz muito mais do que esperei achar. 

Vai do conceito de Sergipanidade a uma ilha perdida na boca do Vaza Varris, chamada de Mem de Sá. O miolo é um lugar imenso que nos orgulha e encanta. Meio abandonado aqui e ali: ouro jogado, mas mesmo assim grande, muito maior do que sua terra e seu céu:

A Grota do Angico onde Lampião morreu; as farinhadas, que encheram minha infância de raspa de mandioca; o gado, que tangi e chamei nas lidas do sítio Saracura; a banca de cordel do ceboleiro João Firmino; o misterioso Inácio Barbosa, de quem nem fotografia há, e que morreu talvez envenenado por arsênico, conforme consta no “Cotinguibeiro”, coluna do Diário de Pernambuco, publicada em 08 e outubro de 1855.

A Praia formosa ou 13 de julho que a cidade engoliu, com ruas escorregadias e lamacentas, como “Caga de Pé” que hoje é Raimundo Fonseca e “cu tapado” que hoje se chama José Sotero.

Eu revi as gestas, quase apagadas dentro de mim: cantei a do Boi Epitácio, a do Rabicho da Geralda... Do Boi Surubim recolhi esparsos fragmentos, mas a saboreei, mesmo assim. E chorei com o conto “A mágoa do Vaqueiro”, do escritor maruinense Alberto Deodado, incluído no livro "Canaviais" publicado em 1922, e com o qual nunca me bati, mesmo tendo o tino de caçador de livros raros. Com a gesta, varei as matas de Gararu, atrás de Pintadinho, boi enfeitiçado pela velha Lauriana. Quase me estropiei como os outros onze vaqueiros cearenses já haviam se estropiado. Fui o sétimo contratado pelo coronel Rocha e sou daqui mesmo dos campos sergipanos. Dei novo fogo à surreal caçada, na qual falávamos o nome do boi em voz baixa, com medo da mandinga de Lauriana pegar na gente. 

E o Batistão, que foi feito em meu tempo... nem mais me lembrava de que possuía dez salas de aula para atender 1.200 alunos, em três turnos, o ensino focado no esporte, estavam ao lado de um parque esportivo espetacular. Já há bom tempo, as ditas salas acomodam sedes de federações esportivas e delegacia policial.

Brefácias e Burundangas de Carvalho Deda sempre me encantou, mas a Festa do Barricão nem tanto. Homens malvados iam às casas onde moravam moças idosas e virgens para as constranger. Um dos mascarados, dentro de uma barrica, recitava versos alusivos ao celibato, que eram respondidos em coro, ao som de uma sanfona e de um reco-reco, pelo alucinado séquito. Eu, no lugar da moça donzela, metia bala nessa corja. Quem tem a ver com minha má sorte um bom azar em não arrumar marido, que é o que mais quero na vida? 

E o poeta trovador itabaianense João Canário, meu Deus! 

Cego, negro, cantador de feira que tinha desgosto de não saber tocar viola, ralava um querequexé de fraldes para marcar sua cantiga. Então, o moleque Caboco Liso, os olhos de João, recolhia as propinas dadas embolsando uma parte. João morreu na miséria, mas hoje é patrono cadeira 11 da Academia Itabaianense de Letras cujo ocupante é o prolífero escritor Carlos Mendonça, especialista em biografias, romances picarescos e tem alentada obra sobre nossa terra.

Praia dos Náufragos na orla sergipana... mentes mal iluminadas da área de turismo veicularam em folhetos que o nome se deve a naufrágio corrido em 1907. Os 551 náufragos mortos em 1942 no afundamento de navios pelo submarino alemão U-507, atingidos em sua memória, levantaram-se das tumbas e protestaram. 

(Todos olhamos para o velho cemitério do Robalo, silencioso. Os mortos não moravam mais lá (página 105)).

O autor usa palavras boas que formam imagens que me encheram o peito de amor à minha terra que, para ser nossa mesmo, precisou atropelar na época os próprios sergipanos batizados na Bahia.

"SERGIPE UM ROTEIRO..." é um bom livro para ler e para ter em casa. Mesmo que a casa seja um apartamento kitnete do tamanho do meu.

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju 26 de junho de 2021).

 

 

 


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