A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano, Aracaju, Criação
editora, 2022,220 páginas, isbn 978-85-8413-305-5.
Mergulhei (queria dormir no colo) na crônica “Dorme-maria” (página
73).
Ao chegar ao meio do último
parágrafo, parei atônito. Como pode ele ainda não estar aqui? Certamente há algum
aviso escondido, talvez nas entrelinhas, justificando sua inesperada ausência
no lugar marcado.
Retornei ao início da crônica e a reli atento, mas não achei
nada do que esperava. Ao final, somente Maria deitada como se fosse um feto, no
chão frio do aeroporto, jogada murchinha, como um pé de “malícia”. Tampei os
ouvidos para não escutar o estridente estribilho isolado, que reverberava: “Maria-feche-a-porta-que-o-soldado-vem aí”, deitei
ao comprido ao seu lado e murchei igual.
Quem mandou me envolver tanto assim no sofrimento de Maria?
Suspendi um tantinho o rosto do piso e falei: “Depois que o
soldado for embora, a gente recomeça uma nova vida, como todo mundo faz.”
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As crônicas do livro “A Caminho de Betulia” são recheados de
simbolismo. Sessenta textos, por aí. Escritos com esmero, lúcidos, cristalinos.
Crônicas, ou poemas, ou contos ou ensaios ou artigos ou um romance de família. De
qualquer jeito, joias literárias que encantam, que convencem, e deixam marcas
indeléveis no leitor.
O livro é uma viagem que Ednalva faz (e nos leva junto) para
dentro de si, para em volta de si, debatendo ideias, fatos, lugares, sonhos, calçada
pela fortuna de saberes que amealhou na vida e com o senso crítico que tem.
Todos os textos merecem uma resenha particular, que não tenho
como fazer. Vou pegar alguns, para tentar dar uma ideia do universo todo.
A crônica “A caminho de Betulia” (que dá o título do livro) anda
pelo velho testamento da Bíblia, quando Judite, de modo singular, consegue impedir
o massacre do povo Judeu. Outra mulher (agora Judith) renasce em Aracaju, nos
dias atuais, e realiza até maiores feitos, conduzindo uma família pela dureza
infinita da vida à dignidade, ao sucesso que nos cabe.
Em “Qual é o seu sonho”... O sonho de justiça social precisa de
todos nós para o tecer, assim como a madrugada do poema de João Cabral de Melo
Neto com seus galos amiudando firmes e solidários.
Em “Isaque, o islandês”, o personagem fala palavras longas
como o povo da Terra Vermelha de Itabaiana: “fiodocansomariano”, “fiducabruncodapeste”.
Ele é uma pessoa comum, com família para a qual nem liga, mas a quer sempre à
vista para lhe dar segurança.
Em “Monólogo do Exílio”, o narrador fica perdido no labirinto
dos seus sonhos que são tantos (tem essa mania de sonhar) e acaba se afastando da
realidade com a qual os não sonhadores lidam bem.
Nas muitas crônicas que falam da Pandemia do Covid, espanta-se
com o assombro ante as primeiras mil mortes e mais ainda com a aceitação conformada
das cem mil que ocorrem na sequência. E sofre impotente com a insensatez de um
povo que grita: “não queremos vacina, queremos cloroquina”.
Em “Em Cem dias... sem dias”, o mundo contaminado encalacrou,
mas os passarinhos lá fora continuam fazendo a maior festa.
E encontra espaço (“Eu tenho um amigo biso”) para homenagear,
sem subterfúgios, o amigo Inácio, que pratica aquelas coisas comuns que nos
atingem sutis, a cada suspiro, e que nos fazem gente. Ele sabe como ninguém
cultivar uma grande amizade, regando-a, a cada dia, como um jardineiro fiel.
Boa leitura!
(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 10 de março de 2024)
(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2024mar20).
Publicado em Gazeta Livre em 11/05/2024
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