JOSÉ AMADO DO NASCIMENTO, Paulo Amado de Oliveira (organização),2020, 264 pág, Isb 978-65-88652-04-08.
"Nasci em dia de trevas
Não vi meu pai como era,
Há tanta treva no mundo
rodando os berços dos pobres
Há tanta treva nas ruas
na hora dos enjeitados...”
(Primeira estrofe de O Poema do Menino Sem Pai, de José Amado Nascimento).
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Na segunda feira Literária Estância (21/11/2024), no final da semana passada, bati-me,
em uma mesa sem dono aparente, a feira
ainda se arrumava, com um livro que ronda à minha volta desde 2020 e nem o
percebera.
Ninguém me falou dele dizendo que era bom, ninguém leu uma resenha sobre ele aqui na
academia de letras, ninguém postou qualquer texto sobre o livro “José Amado
Nascimento” nas redes sociais que frequento...
Que me lembre.
E ali mesmo, enquanto a posse de Lúcio Prado Dias como imortal da
Academia Estanciana de Letras corria à minha frente, passei os olhos nas 43
três peças (crônicas, ensaios e poesia)
escritos por acadêmicos, jornalistas,
professores, críticos de literatura e amigos apaixonados pela obra e pelo ilustre sergipano, falecido em 2017.
Vi seus versos chorarem a justa dor e estaquei em uma pequena crônica, na página 57, denominada “Um
Homem de Fé”, de minha autoria, que eu nem mais me lembrava dela.
E a li devagar, assim como farei agora.
“José Silvério, Cabral Machado, Carlos Leite, Luduvice,
Arivaldo Montalvão, José Amado Nascimento...
Leigos, semi padres, que estavam sempre em volta (à sombra)
do seminário, cuidando para que os seminaristas não sofressem maiores
percalços. Havia outros que não cheguei a gravar os nomes e nem me marcaram tanto. Esses
católicos dedicados... eu sabia onde morava cada um, fui algumas vezes às suas
casas, a mando do reitor, buscar
mantimentos para nossa cozinha magra.
Corriam os anos de 1959 a 1963.
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A vida deu voltas, saí do seminário, briguei com minha fé,
nunca mais passei em frente ao velho casarão da rua Dom José Thomás, 194. Do Ateneu, onde fiz o científico noturno, pegava
a Vila Cristina, a Praça Camerino, a rua Pacatuba, até a Dom Quirino, onde
estava vila de quartos de seu Amado (outro ramo dos amados, talvez) onde me
escondia do mundo.
Veio a Faculdade de Economia na Praça Camerino, na mesma chã
de terra abençoada... José Cruz, Thetis
Nunes, Alberto Carvalho, Aloisio Campos, Gamaliel, José Amado Nascimento (este
já conhecido). (Mestres que abriram bons caminhos).
José Amado não se lembrava do menino amarelo de cinco anos
atrás (eram tantos à sua porta), mas me tratou
com distinção. Deu-me belas notas, que nem sei se as mereci. Fez-me apaixonar
pelos balanços contábeis, pela análise
da vida das empresas, onde os números, assim como as febres na gente, acusam
doenças. E mostrou-se um professor admirável, apagando completamente a imagem
de carola bitolado como marquei os leigos semi padres que me ajudaram a criar. Suas aulas, seu
exemplo, sua aura católica, aproximaram-me, outra vez, da fé.
Veio a vida e corri mundos. Guerreiro incansável.
Um dia, muitos anos depois, estava sentado à frente do velho professor
Carlos Leite, em sua casa à Praça Camerino, e entreguei os pontos de vez. Viva o seminário que fez o homem que fui e que
ainda sou!
Na igreja Sagrado Coração de Jesus, um dia depois, assisti à missa que deixara pela metade 47
anos atrás. Botei o rosto na toalha das
mãos abertas e chorei. Perguntei ao Deus silencioso que me seguiu (e protegeu) a
vida toda de perto, se eu poderia, outra
vez, desfrutar a paz que nunca encontrei em outro canto. Se me perdoaria?
Agora, recentemente, (corre o ano de 2016) tive a ventura de
conviver mais um pouco com José Amado Nascimento. Daquele grupo inicial, que
ajudava a matar a fome dos seminaristas,
apenas ele e Carlos Leite ainda viviam. Exatamente os dois que reacenderam
minha fé.
Fui à casa de José Amado pedir o voto para entrar na Academia
Sergipana de Letras. João Oliva e Murilo
Melins foram comigo na primeira visita, recomendar-me. Nem precisava. José
Amado, cego e surdo, via e ouvia muito mais do que todos nós, e me dizia: “Não
relute. vá à casa de cada acadêmico, peça o voto”.
Valmir, sobrinho que cuidava dele, disse-me que lia os meus livros
para José Amado e ele gostava muito: ria, vibrava, emocionava-se, comentava...
José Amado votou em mim nas duas eleições que disputei. Eu
sabia que seu voto não contava mais, nem os coloquei na urna, mas fiz questão
de buscá-lo como se fosse o voto decisivo.
José Amado faleceu no dia 22 de junho de 2017, com cem anos,
faltavam dois meses para cento e um, praticando um catolicismo exemplar.
Peço a Deus que me ajude a seguir seus passos. Sou seu irmão,
mereço, pois também...
“Tenho diploma e quadro de formatura
mas ainda não sou doutor
porque os aduladores sabem que não tenho dinheiro”.
(Estrofe do poema ”Eu também já sou histórico” página 37 do livro Obras Reunidas de José Amado Nascimento, 2016, Tse Sergipe).
Não se sinta satisfeito com minha resenha, busque o livro (há exemplares na Academia Sergipana de Letras) e leia cada uma das 43 imperdíveis peças.
(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 2024nov23).
Li na ASL em 25/11/2024
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