segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

GARIMPANDO LEMBRANÇAS, Euclides de Oliveira Santos,

GARIMPANDO LEMBRANÇAS, Euclides de Oliveira Santos, 2017, J. Andrade, 192 páginas, isbn 978-85-8253-233-1



Euclides Oliveira é meu companheiro de viagens pelo interior sergipano, à aberturas de Academias de Letras, à sessões de posses e até a festa de aniversário de escritor amigo. Ele, representando a Lagartense e eu, a Itabaianense. Meu companheiro nas minhas idas constantes à Itabaiana para participar de eventos culturais em escolas, em praças ou seja lá onde fosse. Euclides ia comigo até para eu não viajar só. Quando podia (e podia quase sempre), ou agregava-se à trupe de Domingos Pascoal, o incansável semeador e regador de academias literárias para correr esse mundo imenso que é Sergipe palmilhado.
Em todas as viagens, Euclides é a grande atração, narrando histórias do Lagarto de sua infância e juventude, dos tipos folclóricos, de quando vendia fumo no mercado de Aracaju para garantir a manutenção da família órfã de pai, do tempo em que foi chefe de gabinete de nada menos que cinco governadores do Estado, de suas aventuras na imprensa baiana onde atuou como colunista por mais de vinte anos, no Jornal da Tarde...     

Cada história que saia da memória privilegiada de Euclides tem o poder de prender o ouvinte, até fazê-lo esquecer do volante do automóvel, que sobe às nuvens, bem acima dos perigos triviais que uma entrada sempre oferece.

A residência de Euclides, ali na subida da rua São Cristóvão, é uma biblioteca de obras sergipanas (especialmente) publicadas em todos os tempos. Até meus livros estão lá, ao lado de lombos grafados em ouro, trabalho que encomenda aos artesãos encadernadores quando compra em sebos calhamaços apodrecidas.

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A febre que assola a intelectualidade sergipana de publicar livros, nesses últimos anos, pegou Euclides também. Graças a Deus! Quem o mandou aceitar o convite para entrar na Academia Lagartense de Letras?
Apertou o cinto, gastou economias de anos (publicar livros é muito caro) e nos deu “Garimpando Lembranças”. Quarenta e oito crônicas falando de Lagarto, de tipos inesquecíveis, de momentos de emoção. 
O coração do autor extravasou, verteu poesia e história. O livro é um presente impagável aos lagartenses e a nós, nascidos na periferia:  
A molecada chamava o reizadeiro de Zé Pereira, de corno, e Zé, retrucava, que mais corno era quem vinha apreciar; Ludugero elegante no trajar, suspensórios de couro com reluzentes fivelas e a sua caminhada sossegada com destino à igreja Matriz; “Eu não tenho pressa na minha vida”;
Quincas Piru pegou fama de ensinar papagaio falar rápido mas, sempre incluía pornografia como matéria obrigatória. Alguns donos, escandalizados, desistiam das aves e Quincas as vendia para as cidades vizinhas; O padre de Lagarto (Mons. João de Souza Marinho) na luta sua luta contra o avanço dos protestantes: “É mais fácil convencer um sábio do que um ignorante,  que povinho de cabeça dura!"; Um exemplar da revista Cruzeiro embaixo do braço e maçãs enroladas em papel roxo eram a prova de que a pessoa que chegava de marinete estivera na capital do Estado, sinal de status superior; Saudades das bombas de parede que estrondavam na ruas o São João inteiro, estremecendo a paz de um passado cada vez mais silencioso; O débeis mentais, que em toda cidade tem... Palco Formiga, Marinheiro e Distinta faziam com que todos fechassem as portas da casas temendo alguma surpresa sem juízo...

E Bastos Tigre surge de repente com o soneto Envelhecer (quem não se recorda?):
“Entre pela velhice com cuidado / pé ante pé, sem provocar rumores...”

E Jenner Augusto, com raízes profundas em Lagarto, primo de Euclides, conta, em uma crônica bela, solidarizando-se com Euclides de Oliveira, o tempo em que viveu em Lagarto porque sua mãe, professora do Estado, fora  transferida, à revelia, pelo mandachuva de Itabaianinha...
Dona Hulda, Joaquim Prata, Mestre Bedóia, dona Maria Teles, Junot Silveira, Coronel João Machado, Coronel Acrízio d´Ávila Garcez, Antônio Martins Menezes, Dionízio de Araújo Machado, Pedro Devoto...

Tantas lembranças! Sinto-as como minhas também.

A memória de um povo que não pode se perder!

Entendi “Garimpando Lembranças” como a apresentação da grande obra de Euclides que a Academia Lagartense de Letras dará um jeito de publicar a partir de agora, mesmo que precise buscar as botijas perdidas nos velhos casarões da nobreza lagartense.

(Aracaju, 14 de janeiro de 2018)

Nota triste: 
Euclides faleceu em 23 de abril de 2021 por conta da Covid, que segue matando sem pena.  E não publicou mais nenhum livro além deste. E possuía, eu lia com ele, em pastas bem organizadas, ouro puro para muito mais.

Um comentário:

  1. Bela homenagem Saracura. Conhecia-o "de vista", pois em certa época todos nos conhecíamos em Aracaju.
    Que continue suas andanças Lagartenses em outros planos.

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