QUARTO CRESCENTE, Carmo Bernardes, segunda edição revista,
1986,236 páginas,UFG, sem isbn
“Sinto-me no mundo uma
criatura muito sozinha. Essas recordações é que são minhas companheiras. Fico
horas esquecidas como estou agora, revendo em memória muitas coisas que não
existem mais. Apraz-me entreter, não ver o tempo acabar de passar. Embalo-me,
passo tempos enormes em distrações demoradas, assim como agora passei,
lembrando de roda de fiar.” (Página 78).
Os livros gostosos de ler e ricos em ensinamentos de Carmo
Bernardes decorrem de lembranças. Os meus também, de certa forma.
A roda de fiar pertence ao meu passado, não porque a
fabriquei como fez Carmo, mas porque eu ficava, horas, apreciando minha avó, Mãe
Céu, deslindando capuchos de algodão, emendando as pontinhas, engordando rolos de
fio que, depois, eram mandados para Nininha, a rapariga de seu marido. Semanas depois os fios retornavam como redes de dormir e lençóis de carocinhos para o aconchego nas noites de inverno
frio.
“Quarto Crescente” começa quando o autor já é rapazinho e a
família muda-se mais uma vez. Assim como veio de Minas para Formosa em Goiás
(aventura mais do que gostosa contada em ‘’Força da Nova”, já resenhada por
mim), o pai, seo-Luiz Bernardes, carapina fazedor de carro
de bois, atendendo convite para exercer sua arte, muda-se (outra aventura
espetacular) para o Mato Grosso de Goiás. Foram junto, animais pequenos e os sogros, com destaque ao simpático Pernagrossa, que entende pouco de trabalho mas muito da ciência da vida. O destino final foi a Cachoeira do Ivo, no meio de floresta densa e insalubre, onde gente e animais tombavam varados pelos venenosos
miasmas.
E o livro segue em frente...
Agora, Carmo já casado, migra, sem o pai, para a cidade de Anápolis. Sai de vez das roças de agricultura. Sofre o diabo no começo, vive às custas da lavagem de roupa da esposa, inclusive para a cachaça no que ficou profissional pinguço. Mais tarde, enjoado de tanta pandega e de sonhos vãos (emprego prometido por político em campanha) engrena, escrevendo, sob encomenda, artigos para jornais e discursos para palanques de políticos.
Agora, Carmo já casado, migra, sem o pai, para a cidade de Anápolis. Sai de vez das roças de agricultura. Sofre o diabo no começo, vive às custas da lavagem de roupa da esposa, inclusive para a cachaça no que ficou profissional pinguço. Mais tarde, enjoado de tanta pandega e de sonhos vãos (emprego prometido por político em campanha) engrena, escrevendo, sob encomenda, artigos para jornais e discursos para palanques de políticos.
Com gravuras, este livro de Carmo (como os demais)
seria um guia prático de sobrevivência em regiões inóspitas do Brasil:
Como construir um carro de boi (e o manual de partes); uma
roda de fiar ou um tear (idem); trançar relhos de couro cru; fazer cercas de arame; fazer
divisas com regos...
Como caçar ema; furar oco de pau e pegar mel; pegar um tatu
na unha: “Só se aproximar quando ele estiver quietinho com o focinho enterrado”...
Como selecionar ovos para o choco da galinha; evitar molestar
a porca amojada pois os bacorinhos nascem de presa afiada e ela não os deixa
encostar nos peitos; organizar um casamento na roça; capar boi, porco, cachorra
ou um galo...
Como conservar um defunto que arruina; fazer o sabão (de óleo
de piqui e outros), curar mil doenças que matam (inclusive a febre caladinha
tão falada como fatal: “de manhã jacundá, meio dia com ela e de noite já com
Deus.”
E muitas outras ciências de domínio restrito, essenciais
à sobrevivência nesse mundo que hoje existe mais em nossa lembrança.
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A falta de fósforo me relembrou de um dito de minha terra,
quando eu era menino, de que uma visita rapidinha se dizia que fora apanhar uma
brasa no borralho.
A educação pela taca (em casa) ou pela palmatória (na escola,
quando havia) dá arrepios e, estranhamente, saudade. (kkk).
O livro todo, como os demais do autor, compõe-se de textos
cheios de sabedoria e são escritos com tanto primor que dá vontade de ficar relendo,
apreciando. Copiei algumas linhas do início da Nona Parte
(página 169) quando o autor descreve o jeito do pai, seu Luiz Bernardes da Costa: “Suas feições tinham uma maneira de
carregar-se de sintomas, de dizer tudo e muito do que lhe ia nos sentimentos, ele
fechado num silêncio mudo que eu compreendia tão bem como se me fosse pregada
uma parlenga”.
Eu precisaria transcrever o livro inteiro para mostrar o que disse.
Quem duvidar, pode ir a Estante Virtual, tem a coleção inteira do mestre goiano.
Eu precisaria transcrever o livro inteiro para mostrar o que disse.
Quem duvidar, pode ir a Estante Virtual, tem a coleção inteira do mestre goiano.
Boa leitura!
(Aracaju, 28 de maio de 2020, Antônio FJ Saracura, durante a
longa pandemia do Corona Virus).
Li na ASL em 2020. Acho.
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