Tio padre Barbarino usa
a força da fé, urge apaziguar a tensão. “Sem humildade cristã, sem renegar a
soberba...você é um homem sem futuro”.
Presto continência ao soldado
Divino Melenguê (que azar da porra encontrar aquele pedófilo safado, cabo
Elesbão, que o queria papar a qualquer custo). Divino merecia um romance para
ele só (já disse antes), pelo brilho aqui e em Cabo Josino Viloso. E ainda acho
pouco para esse irlandês sarará do Raso da Catarina (Romã de Riba), campeão no
Jogo das cabeçadas, que nem o vi treinando. Não foi criado para ser
coadjuvante.
Leopolda, a cunhada
desejada a vida toda, que lisa escapulia, chega para morar e tomar conta de
tudo: “você está morrendo, sim, mas uma metade de medo e a outra de desleixo.” Com
a esposa falecida e os filhos ausentes, de que um pecador precisa mais? E ganha,
“sem ter que mover uma palha, tudo por obra e graça do destino”, uma
maravilhosa aleluia: “Ela move os braços para o alto arranca do pescoço sua
camisola que avoa tal qual pluma alvejada das asas brancas de uma garça rufando
e rompendo as sombras.”
A professora Camerinda
recebia o pagamento mensal com a assinatura a rogo de alguém (que boa
professora o Alvide tinha!), entretanto, cheia de outras sapiências: “Esse
sobrinho seu, seu Melenguê, é um tapado. Mais valia ter um caco de torrar
mamona” (no lugar do coco). Dona Zinha falou assim de mim (“Os Tabaréus do
Sítio Saracura”), mas, no meu caso, ela estava coberta de razão.
Serafim Leitão,
professor da Mitologia, aparece como um ponto de ciúme, e que serve para
revelar podres das universidades e das periferias agregadas. E como há?
E surge o médico Ricardo
Ferrão, que ferra fazendo graça. Nasceu para sacanear a clientela. “É câncer
mesmo, apenas uma cabecinha de alfinete... sortudo!” Precisava chegar mais
perto da dor e deixar de deboches. Médico amigo às vezes prejudica o doente.
Então chega Agripina, na
maior naturalidade, para tomar conta no lugar de Leopolda que se vai como veio.
Quem mandou Justino pisar na bola pegando nos peitos da enfermeira? E não lhe
sobra mais nada a não ser apreciar as formas redondas de Agripina, que foge de
seus agrados.
O cabo Josino Viloso, o
exator Zeca Papão e outros do Alvide passam de passagem ... Alguns até deram
com a mão, acho que foi para mim, então podem ter me reconhecido e, por isso,
sorri agradecido.
O povoado Alvide, que
povoa a mente doente de Justino, é o símbolo do nada. Mas guarda aquele sonho restante
ao qual, desesperado, se agarra para não tombar junto na cova onde jazem todos
que teve na vida. “Ocupado dia e noite em cavar a terra, é bem possível, que essa
zoadeira toda que me chega das ruas e dos homens (Corona Virus, Moro, Mandela,
fakesnews, assombrações...) me fosse indiferente no Alvide.”
E os nobres doutores da
universidade que se afinaram? Quem manda passar a vida caçando ideias estapafúrdias
pelo prazer de exibirem, nas reuniões aparatosas, teorias de fabuloso preparo
entretanto inúteis.
E vem mais espirros,
como uma defesa na derrota iminente... Parecem o sopro de Deus para ajudar o mais
fraco. Mesmo assim, após cada espirro de Justino, eu ajeitei minha máscara de cabra
medroso nessa quadra da peste rondando.
xxx
Sem especificar dias, “Sob
o peso das Sombras” é o diário de Justino Vieira, intelectual recatado (leu
todos os livros do mundo), composto com capricho, subindo e descendo, na alegria
até na dor, acelerado e paciente, atrapalhado e consciente, enquanto o câncer
avança inexorável sobre si. É catarse purificadora e prestação de contas.
Talvez a vingança possível pelos azares a que foi exposto no vale de lágrimas.
367 páginas sem
concessões. Com acurada visão e com apurado senso crítico. Diz o que tem a
dizer, doa a quem doer e, quase sempre, mais ao próprio narrador. Tridente
ferinos contra a hipocrisia, pétalas macias para dona Leopolda (que pena ser
uma mulher cismada), parcimonioso louvor à pessoas dignas, que sempre há... Testamento
cabal.
Cabe fortuna para quem
tiver a chance de o ler. Seja de carapuças ou de sabedorias.
Apresentado na Asl EM 2020
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