MEMÓRIAS DE FAMÍLIA (O PERCURSO
DE QUATRO FAZENDEIROS), Ibarê Dantas,Edição do autor Orgrafic, Aracaju, 2013,
270 páginas, Ibsn 978-85-62576-79-9
Por que o passado me atrai tanto?
Talvez porque o meu seja misterioso, só sei o que vi, isto é, conheço apenas a
história dos meus antepassados como testemunho ocular, da convivência. Mesmo assim,
muito pouco, minha memória é fraca. Afora isso, há um bisavô de quem tenho
informações soltas, vindas de minha mãe que, por sua vez, soube-as por ter
ouvido falar delas, pois ele faleceu antes de minha mãe se entender por gente.
O autor de “Memórias de Família”
é um mestre em História (doutor na ciência). Sua obra anda firme sobre bases concretas e comportadas...
Não tão comportada assim, pois, aqui e acolá, o lirismo desponta e o historiador
circunspecto segura com dificuldade as rédeas do ficcionista rebelado. Por este
viés (do lirismo) é que andarei no livro, usando as palavras do próprio autor, que
certamente eu não poderia conseguir melhores.
(Fazenda Boqueirão).
Entre o rio e a residência, numa
pequena assentada, ficavam a casa do vaqueiro e o curral atravessado pela
estrada real percorrida por transeuntes com destinos ignorados. Em tempos de muita
chuva, havia o problema das cheias no rio Piauí, dificultando as travessias. Enquanto
os animais passavam nadando, as pessoas atravessavam sobre dois cochos
amarrados entre si e puxados através de cordas de uma margem a outra.
(No caso do Engenho Nova Lua do
Salobro, de Davi Fontes).
Depois da libertação dos cativos,
quase todos (os escravos) permaneceram na fazenda. Algum tempo depois,
espalhou-se o boato: quem permanecesse trabalhando com o senhor voltaria a ser
escravo. Então, todos arribaram. Permaneceu apenas uma velha mais apegada à
família.
(Depois de participar da queima
de uma roça).
Em 27 fevereiro de 1924,
Francisco Dantas tomou água no Salobro e adoeceu, com febre indomável. (...) Uma
semana depois, expirou. Tinha 51 anos, oito meses de três dias. Durante essa
curta enfermidade, para não agravar a situação da esposa, que estava se
recuperando de um abordo, o casal ficou em quartos separados. Mesmo enfraquecida, na véspera da morte do
marido, Thereza levantou-se com dificuldades e foi vê-lo. Chamou-o de “Sinhô, ô
sinhô” e o marido, combalido, olho-a e balbuciou: “minha filha!”. Foram as últimas
palavras dele. Tereza, fisicamente debilitada, sentia-se desolada e
desamparada. Sem vislumbrar alternativas, desestruturou-se psiquicamente, ficou
desatinada. No dia seguinte, caiu em desespero e enloqueceu. Faleceu em 04 de
novembro de 1924, com 31 anos de idade. Deixou os órfãos: Davi (10 anos), Celina (9) Odete (7), Nivalda
(6), Vandete (5) e Clóvis (3).
(Riachão teria um colégio de
freiras para educar suas filhas, finalmente!).
Como a procuração estabelecia que,
se o colégio não funcionasse, a casa cedida voltaria ao doador, o padre Esaú
Barbosa, certamente instruído por políticos contrários ao projeto, disse que
somente aceitaria a doação se fosse doada definitivamente à Paróquia... Parecia
que a incorporação da casa aos bens da paróquia prevalecia sobre a instituição
de ensino.
(Riachão teria finalmente energia
de Paulo Afonso).
Horário Góes não concordou que a referida rede
passasse por sua fazenda. Dr. Jorge Leite, ao saber da recusa, teria dito que
já havia levado energia para vários municípios e nunca havia ocorrido um caso
desse.
(A Residência de David Dantas,
que tentou o colégio e a energia quando fora prefeito).
Virou alvo de bolas arremessadas
pelos desportistas. Reclamava, falava com um e outro, mas não teve força política
para que o prefeito (agora da oposição) colocasse uma tela de proteção ou
mudasse o campo de lugar.
(Quando a seca de 1932 chegou).
Dizem os mais velhos, seu
Manezinho do Salgado, como era conhecido, dispunha de um compartimento de cerca
de vinte e cinco metros quadrados cheio de milho até o telhado. Foi essa
reserva que socorreu muitos retirantes que passaram por Riachão, em situação
deprimente, em busca de paragens menos tórridas. Depois da seca, e já idoso,
seu Manezinho continuava criando suas ovelhas, engordando seus garrotes e semanalmente
vendendo para o marchante Dorico. Este, não raro, começava a pechinchar na
segunda-feira e a conversa ardilosa prolongava-se até sexta-feira, quando o
negócio era, finalmente, fechado e o boi levado ao matadouro.
(Sábado cedo).
O barbeiro Damásio chegava ao
Engenho Salgado para fazer a barba e o cabelo (de seu Manezinho). Ao tempo que
ia exercendo seu ofício, aquele profissional ia contando suas histórias,
algumas das quais inverossímeis. Em uma
(das inesquecíveis) assegurava que havia pegado um anjinho numa arapuca. Um
anjinho Sarará...
Assim é Memórias de Família, uma
leitura gostosa demais. Nada do rigor
acadêmico do professor formal. Mais
poesia do que mesmo reminiscência. Uma história que encanta, também pela
escrita segura.
Sala de Leitura
Memórias de Família (O
percurso de quatro fazendeiros), Ibarê Dantas,
Orgrafic, Aracaju, 2013, 270 páginas, Ibsn 978-85-62576-79-9 - O
autor é um mestre em História (doutor na ciência). Sua obra anda segura sobre bases concretas e
comportadas... Não tão comportada assim, pois, aqui e acolá, o lirismo desponta
e o historiador circunspecto segura com dificuldade o ficcionista que tenta se libertar. Por esse viés (do lirismo) é que vou andar,
usando as palavras do próprio autor, que certamente eu não poderia conseguir
melhores: (Fazenda Boqueirão)... Entre o rio e a residência, numa pequena
assentada, ficavam a casa do vaqueiro e
o curral atravessado pela estrada real percorrida por transeuntes com destinos ignorados. Em tempos de muita chuva, havia o problema
das cheias no rio Piauí, dificultando as travessias. Enquanto os animais
passavam nadando, as pessoas atravessavam sobre dois cochos amarrados entre si
e puxados com cordas de uma margem a outra. (O livro consagra qualquer família,
se já não fosse consagrada, e engrandece um povo).
(Publicado na revista Perfil
ano 17 n. 1)
(Resenha escrita no final de 2013
ou início de 2014)
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