TERRA VERMELHA, um filme perdido no meio de livros, diretor Marco Bechis, elenco: Leonardo Medeiros e
outros, Brasil, 2008.
Apesar do aviso de que havia legendas no filme, elas não apareceram hora
nenhuma. Todas as falas foram em tupi-guarani, que não entendo. Compreendi por
suposições, e óbvio, com risco de erro de interpretação.
E entendi assim:
Índios civilizados, ainda protegidos pela Funai ausente (a não ser nas
placas gastas e em burocratas alheios), por conta das condições desfavoráveis
da vida, sentem o clamor dos antepassados exigindo o sagrado direito de ir e
vir. E o de exigir de volta suas terras, patrimônio natural que, a cada dia, é
mais e mais descaracterizado e bloqueado a eles.
As duas indiazinhas encontradas enforcadas na floresta-mãe (uma nesga
apenas ainda respirando o passado), como o maracá silenciado (para se comunicar
com o além), como o serviço-escravo oferecido nas fazendas, como a dificuldade
cada vez maior em adquirir o alimento, são vozes que acordam o povo morto.
E um grupo pequeno de índios leva a sério estas vozes agoniadas (graças
a Deus ainda ficou preservada a fala a seus mortos) migra para as margens de
uma mata fechada, ao lado de estrada de alto tráfego. Entretanto, um campo de terra
arada interpõe-se, barra-lhe o acesso à mata. O dono da fazenda começara a
derrubada.
Ao perceber o povo estranho abeirando, o fazendeiro destaca um guarda
armado, para impedir acesso à sua propriedade.
Essas e outras cenas mostradas pelo filme são imagens dolorosas da
invasão inexorável do progresso (bom em muitos aspectos) e da perda progressiva
de um passado glorioso (ruim para os remanescentes do heroico povo dizimado).
Os índios relutam entre receber a esmola do branco (o fazendeiro se
aproxima para ver intenções) ou seguir o absurdo sonho de recuperar a terra dos
antepassados.
A civilização branca é inexorável em sua gula, cria atrativos
enganadores para dominar: o corpo juvenil da pequena maconheira, o tênis
importado, promessas e ameaças, a maldita cachaça...
O acampamento começa a crescer. O fazendeiro se atribula. As tentativas
em afastar os índios não surtem efeito. Não pode ceder, mesmo reconhecendo a
justeza natural do pretendido por eles. Precisa sustar a ameaça que é pequena
ainda. Outros povos mortos se levantarão e virão se juntar ao grupo de índios na
beira das estradas.....
E é feito o que foi em todos os tempos. O “direito” do mais forte é
abençoado e exercido. A “guerra justa” (outra vez) é perpetrada e a voz do
direito silenciada à bala e facão.
Do outro lado, a esperança de continuar a luta (até quando?) sucumbe
ante a força maior.
O suicídio não seria mais adequado, em vista da perda do ideal, da
consciência de inutilidade da missão? A corda aperta o pescoço do guerreiro que
comandou o sonho. Talvez a morte seja
melhor do que a vida humilhante e sem sentido.
(Aracaju, 07 de dezembro de 2013, Antônio FJ Saracura, recuperada em
dezembro de 2021)
xxx
Li na ASL em 07/08/2023
ResponderExcluirPublicado no jornal Zona Sul em 17/20/2023
ResponderExcluir