domingo, 3 de janeiro de 2021

O ANALFABETO QUE GOSTA DE LER, José Sizenando de Almeida

 

O ANALFABETO QUE GOSTA DE LER de José Sizenando de Almeida

 

Sizino era um bodegueiro de Itabaiana do meu tempo de menino estabelecido na saída para Terra Vermelha, rua do Futuro com Macambira. Meu pai, todo sábado, ao retornar para o sítio, tinha parada obrigatória na bodega, quando completava itens encomendados por minha mãe. Em “Tambores da Terra Vermelha”, escrevo um pequeno trecho (“Distintos Povoados”) sobre esse momento que compartilhei, pois acompanhava papai à feira com meu cavalinho, era o hominho da casa, nos idos de 55, por aí. Vá aos “Tambores” e veja que interessante.

José Sizenando de Almeida, Nandinho de Sizino, é um dos filhos do velho bodegueiro que chegou a ser prefeito de Itabaiana por proteção de Euclides Paes Mendonça. No mandado de Sizinho aconteceu o assassinado do velho cacique (ou coronel) Euclides e de seu filho, Antônio, em um incidente que abalou o Brasil (sem muito exagero), uma vez que Euclides exercia o mandado de Deputado Federal, e seu filho, de deputado Estadual...

Pessoalmente só conheci Nandinho, depois que publiquei meus primeiros livros, isso por volta de 2011. Foi assim...

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Passei na banca de laticínios, “Antônio e Maria”, de Antônio de Otília (comerciante originário da Terra Vermelha) e ele me deu a notícia:

“Tonho, Nandinho vive lhe procurando há dias. Inda agora passou por aqui perguntando se você havia aparecido. Disse que você fosse à Sapataria de Geoba, caso aparecesse.”

“Quem é Nandinho, Antônio?”

E Antônio de Otília me explicou que era um dos filhos de Sizino, e fora comerciante muitos anos no mercado, possuíra uma sapataria, até se aposentar. E que me queria encontrar por conta de livros meus que lera.

Fiquei desconfiado, pois escritor de memórias de um povo, corre riscos ao citar nomes e fatos aparentemente inocentes (para si) mas nem tanto, para os parentes personagens. E pensei em não passar na sapataria de Geoba, que ficava na Florentino Menezes, a quatro passos, no meu caminho de saída.

Quando me voltei para ir embora, bati-me com um cabra de minha idade, chapéu parecido com o meu, branco lavado com a água de Itabaiana. Era Nandinho, que nunca vira nem ele a mim, mas nos reconhecemos de imediato. Aquele homem não seria outro senão Nandinho. E eu (ele me disse depois) não teria como não ser o escritor Saracura.

E Nandinho, sem a menor cerimônia, me abraçou, me beliscou, deu pulinhos à minha frente.

Numa mesinha do restaurante vazio, fora do rush das refeições, ao lado da banca de queijos, conversamos, obra de uma hora, sobre meus livros, meus personagens, sobre literatura, sobre Itabaiana...

 

E ele dizia:

“Sou um tabaréu analfabeto, pouco fui à escola e quando fui não enxerguei o caminho da sabedoria, perdi-me no emaranhado desconexo. Mas amo a literatura e amo Itabaiana”.

Falou de Júlio Verne, Sebrão Sobrinho, Alberto Carvalho, Vladimir Souza Carvalho. Falou de “Os Tabaréus do Sírio Saracura”, de “Meninos que não Queriam ser Padres” e, especialmente, da ousadia do autor, tabaréu da Terra Vermelha, que carrega a bandeira de amor à terra natal, afoito e destemido.

Mas já estou entrando no futuro...

Tenho Nandinho, desde então, como irmão dileto.

Em “O Analfabeto que Gosta de Ler” ela conta tudo isso e muito mais. A história de sua vida, desde o feto de sete meses, criado com mingau de almas cedido, até o setentão que é hoje. A infância pelas ruas de Itabaiana, o balcão da bodega do pai, o vendedor de fogos de artifícios, as experiências de sucesso ou de fracasso no comércio em sociedade ou por conta própria. Um hino à amizade cordial. Faz desfilarem pessoas simples como ele que o fizeram sentir-se gente. Os irmãos, especialmente Samuel, e os amigos da infância, como Zé da Invenção e Zé Augusto; os intelectuais que o espantavam e cativavam, como Antônio Oliveira, Alberto Carvalho, José Crispim, companheiros do tempo de menino e que se transformaram em ídolos em seu imo.

E a Academia Itabaianense de Letras?

Com  ela, Itabaiana retornou vigorosa ao seu convívio, vez que já decidira deixá-la de lado, após uma vida inteira na capital e, especialmente, com o desaparecimento da camaradagem na Praça da Matriz, nas mesas do Pirata, no Bar Simpatia... Desiludira-se com a terra amada. A desilusão deu lugar ao pertencimento remoçado e intenso. Bastou participar, a convite de seu primo imortal, Valter Noronha (que lhe deu carona) da sessão inaugural. 

Nunca mais perdeu uma sessão da Academia Itabaianense de Letras, sempre levado por Valter, Ana Márcia, ou qualquer um que lhe desse carona, pois não tem condição dirigir em estrada à noite.

O livro “O Analfabeto que Gosta de Ler” é um exemplo para as pessoas de pouca leitura e uma lição a letrados que não leem nem sinal de trânsito. Não apenas pela literatura que pratica, especialmente pela história que conta. Que o livro sirva de incentivo a outros heróis anônimos escreverem e publicarem a história de suas vidas. Acendam luzes sobre esse momento para que os descendentes possam saber o valor de suas raízes.


(O ANALFABETO QUE GOSTA DE LER, José Sizenando de Almeida, organização de Leonardo Ferreira de Almeida, 2020, Artner, 120p, il isbn: 978-65-88562-05-5).

 

(Por Antônio Saracura, Aracaju, 26 de dezembro de 2020)

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