quinta-feira, 28 de novembro de 2024

AINDA ESTOU AQUI, filme de Walter Salles,

 

AINDA ESTOU AQUI, filme de Walter Salles, 2024, em exibição comercial.

 



Em meados de 1972, eu trabalhava na Espal/Petrobras, no sétimo andar do edifício Anhanguera, na Barão de Itapetininga, 151, centro de São Paulo. Em uma manhã de um dia comum, na portaria, fui recebido por um pelotão de militares com metralhadoras e cães. O capitão examinou minha documentação e me trancou em uma sala, onde já estavam colegas, sob a mira de armas e sendo interorogados. 

No final da manhã, fomos liberados e subimos ao Escritório, mas um analista recém admitido não estava conosco. Foi levado para o DOI-Codi, as pessoas falaram. Depois, a família veio do Ceará e não o achou em canto nenhum.

 Nunca mais tivemos noticia dele.

 

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“Ainda Estou Aqui” é um filme brasileiro de 2024, do gênero drama biográfico, dirigido por Walter Salles, roteiro de Murilo Hauser e protagonizado por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro e com Selton Mello no papel de Rubens Paiva. Baseia-se  na autobiografia homônima, de 2015, escrita por Marcelo Rubens Paiva (filho de Rubens).

Sua estreia no Festival de Veneza aconteceu em 1º de setembro de 2024, tendo sido aplaudido por dez minutos consecutivos pelo público. O filme foi premiado com a Osella de Ouro de Melhor Roteiro e foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema, como representante do Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar de 2025.

Foi lançado oficialmente nos cinemas brasileiros, em 7 de novembro de 2024 e imediatamente se tornou um sucesso de bilheteria. Já foi visto por mais de 1,8 milhão de espectadores

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“Ainda estou aqui” acontece no início da década de 1970. O Brasil enfrenta o endurecimento da ditadura militar.  No Rio de Janeiro, a família Paiva (Rubens, Eunice e seus cinco filhos) vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens, que fora deputado cassado em 1964 pelo golpe militar e, anistiado, retornara ao Brasil, é levado por militares à paisana  e desaparece. A esposa e uma filha também são presas, mas liberadas.

O filme é o retrato violento deste período por que muitos de nós passamos. Traça um paralelo entre a vida normal e feliz de uma família e o terror da perseguição política truculenta e arbitrária.

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Eu o assisti esta semana aqui em Aracaju. Mesmo nas cenas aparentemente triviais, há o punhal do torturador generalizando o castigo injusto: O gerente do banco, com má vontade, exige a presença do cliente morto para liberar o saque que manterá a família dele. O amigo e sócio de Rubens vende o terreno filé mignon por uma bagatela, quando poderia aceitá-lo como garantia de sucessivos empréstimos. O cachorrinho da família  é atropelado e morto pelo milico, apenas porque  vigiava pacificamente sua agressiva e contínua  presença em frente à casa da família.

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Eu convivo hoje (60 anos depois da dita revolução) com pessoas que esperam pelo retorno da ditatura militar. Que prestam continência a coronéis golpistas, e os têm como heróis. Que, secretamente ou não, ouvem discursos inflamados gravados  pregando o genocídio dos mais fracos e dos mais livres,  e babam de prazer, como se ouvissem belas peças de Mozart ou Chopin.   

Um importante líder político muçulmano disse outro dia na Televisão que os campos de concentração do nazismo são ficção. Que as famílias judias, as ciganas, as de minorias raciais, as de não arianos, dizimadas, são inventadas, são personagens de romances apenas.

Um presidente do Brasil recente, até antes de ser presidente, homenageou publicamente como “herói nacional”, Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), major Tibiriçá de má fama, coronel do Exército, comandante do DOI-Codi entre setembro de 1970 e janeiro de 1974 e o primeiro torturador condenado pela Justiça.

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“Ainda estou aqui” lembra-nos dos que foram torturados pela ditatura militar  para que não permitamos que aconteça de novo, e não sermos torturados outra vez. Que tenhamos cuidados com os novos torturadores, que estão de prontidão, aguardando ordens, são os aplicados alunos da Escola das Américas (que ensina a submissão incondicional aos Estados Unidos) mesmo sem terem se sentado em seus bancos.

 Recomendo o filme, dou-lhe "bonequinho viu" aplaudindo em pé, critério de avaliação  do jornal O Globo de filmes exibidos desde 1938. 

E para quem  ainda gosta de ler livros, recomendo “A Casa dos Espíritos” da peruana Isabel Alende, que chora a mesma dor no Chile de Pinochet.. 

(Por Antonio FJ Saracura, em 28 de novembro de 2024).


 ANEXOS

https://documentosrevelados.com.br/tpos-de-tortura-usados-durante-a-ditadura-civil-militar/

https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/08/08/bolsonaro-chama-coronel-ustra-de-heroi-nacional.ghtml

https://cinemarcoblog.net/2020/12/17/o-bonequinho-vai-ao-cinema-em-o-globo/



 

 

 

domingo, 24 de novembro de 2024

JOSÉ AMADO DO NASCIMENTO, Paulo Amado de Oliveira

 JOSÉ AMADO DO NASCIMENTO, Paulo Amado de Oliveira (organização),2020, 264 pág, Isb 978-65-88652-04-08.

  "Nasci em dia de trevas

Não vi meu pai como era,

Há tanta treva no  mundo

rodando os berços dos pobres

Há tanta treva nas ruas

na hora dos enjeitados...”

(Primeira estrofe de O Poema do Menino Sem Pai, de José Amado Nascimento).

 

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Na segunda feira Literária  Estância (21/11/2024), no final da semana passada, bati-me, em uma mesa sem dono aparente,  a feira ainda se arrumava, com um livro que ronda à minha volta desde 2020 e nem o percebera.

Ninguém me falou dele dizendo que era bom,  ninguém leu uma resenha sobre ele aqui na academia de letras, ninguém postou qualquer texto sobre o livro “José Amado Nascimento” nas redes sociais que frequento... 

Que me lembre. 

E ali mesmo,  enquanto  a posse de Lúcio Prado Dias como imortal da Academia Estanciana de Letras corria à minha frente, passei os olhos nas 43 três peças (crônicas, ensaios  e poesia) escritos por  acadêmicos, jornalistas, professores, críticos de literatura e amigos apaixonados  pela obra e pelo ilustre sergipano, falecido  em 2017.

Vi seus versos chorarem a justa dor e estaquei em  uma pequena crônica, na página 57, denominada “Um Homem de Fé”, de minha autoria, que eu nem mais me lembrava dela.

E a li devagar, assim como farei agora.

“José Silvério, Cabral Machado, Carlos Leite, Luduvice, Arivaldo Montalvão, José Amado Nascimento...

Leigos, semi padres, que estavam sempre em volta (à sombra) do seminário, cuidando para que os seminaristas não sofressem maiores percalços. Havia outros que não cheguei a gravar os nomes e nem  me marcaram tanto.   Esses católicos dedicados... eu sabia onde morava cada um, fui algumas vezes às suas casas, a mando do reitor,  buscar mantimentos para nossa cozinha magra.

Corriam os anos de 1959 a 1963.

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A vida deu voltas, saí do seminário, briguei com minha fé, nunca mais passei em frente ao velho casarão da rua Dom José Thomás, 194. Do  Ateneu, onde fiz o científico noturno, pegava a Vila Cristina, a Praça Camerino, a rua Pacatuba, até a Dom Quirino, onde estava vila de quartos de seu Amado (outro ramo dos amados, talvez) onde me escondia do mundo.

Veio a Faculdade de Economia na Praça Camerino, na mesma chã de terra abençoada... José  Cruz, Thetis Nunes, Alberto Carvalho, Aloisio Campos, Gamaliel, José Amado Nascimento (este já conhecido). (Mestres que abriram bons caminhos).

José Amado não se lembrava do menino amarelo de cinco anos atrás (eram tantos à sua porta),  mas me tratou com distinção. Deu-me belas notas, que nem sei se as mereci. Fez-me apaixonar pelos balanços  contábeis, pela análise da vida das empresas, onde os números, assim como as febres na gente, acusam doenças. E mostrou-se um professor admirável, apagando completamente a imagem de carola bitolado como marquei os leigos semi padres  que me ajudaram a criar. Suas aulas, seu exemplo, sua aura católica, aproximaram-me, outra vez, da fé.

Veio a vida e corri mundos. Guerreiro incansável.

Um dia, muitos anos depois, estava sentado à frente do velho professor Carlos Leite, em sua casa à Praça Camerino, e entreguei os pontos de vez.  Viva o seminário que fez o homem que fui e que ainda sou!

Na igreja Sagrado Coração de Jesus, um dia depois,  assisti à missa que deixara pela metade 47 anos atrás.  Botei o rosto na toalha das mãos abertas e chorei. Perguntei ao Deus silencioso que me seguiu (e protegeu) a vida toda de perto,  se eu poderia, outra vez,  desfrutar a paz que nunca encontrei  em outro canto. Se me perdoaria?

Agora, recentemente, (corre o ano de 2016) tive a ventura de conviver mais um pouco com José Amado Nascimento. Daquele grupo inicial, que ajudava  a matar a fome dos seminaristas, apenas ele e Carlos Leite ainda viviam. Exatamente os dois que reacenderam minha fé. 

Fui à casa de José Amado pedir o voto para entrar na Academia Sergipana de Letras.  João Oliva e Murilo Melins foram comigo na primeira visita, recomendar-me. Nem precisava. José Amado, cego e surdo, via e ouvia muito mais do que todos nós, e me dizia: “Não relute. vá à casa de cada acadêmico, peça o voto”.

Valmir, sobrinho que cuidava dele, disse-me que lia os meus livros para José Amado e ele gostava muito: ria, vibrava, emocionava-se, comentava...

José Amado votou em mim nas duas eleições que disputei. Eu sabia que seu voto não contava mais, nem os coloquei na urna, mas fiz questão de buscá-lo como se fosse o voto decisivo.

José Amado faleceu no dia 22 de junho de 2017, com cem anos, faltavam dois meses para cento e um,  praticando um catolicismo exemplar. 

Peço a Deus que me ajude a seguir seus passos. Sou seu irmão, mereço, pois também...

Tenho diploma e quadro de formatura

mas ainda não sou doutor

porque os aduladores sabem que não tenho dinheiro”.

(Estrofe do poema ”Eu também já sou histórico”  página 37 do livro Obras Reunidas de José Amado Nascimento, 2016, Tse Sergipe).

Não se sinta satisfeito com minha resenha, busque o livro (há exemplares na Academia Sergipana de Letras) e leia cada uma das 43 imperdíveis peças. 

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 2024nov23).

terça-feira, 12 de novembro de 2024

MENINOS DO BENÉ RESISTÊNCIA

 

MENINOS DO BENÉ RESISTÊNCIA, Inez Resende de Jesus (organização), II Antologia de Jovens Escritores de Itabaiana, Infographics, 2024, 54 p Isbn 978-65-5730-204-0. Financiada pela Lei Paulo Gustavo do Governo Federal.   

Esta é uma antologia e compõe-se de textos recolhidos de estudantes pela professora Inez Resende de Jesus, antes de sua  aposentadoria na Escola Municipal Vice-governador Benedito Figueredo, no bairro  Cruzeiro do Século,  que hoje se chama São Cristóvão, em Itabaiana, um lugar que já foi da pesada. Cruzes de um cemitério, símbolos hoje, pois ninguém saiu incólume desta fase dura. A chegado do IFS, do Lar Cidade de Deus, do Seminário Arquidiocesano, os gritos dos Meninos do Bené e de suas famílias,  exigiram um cuidado especial do Poder Público.   

O livro de 54 páginas somente  é aberto com uma dedicatória dura aos  dezoito estudantes  que tombaram na mão do crime, no entorno da escola: Danille Chagas, Felipe Matos, Alessandra  Andrade, Valdervan Dias, Ana Paula Souza, Willian Souza Bacuri, Valdemir Barbosa, Clésia de Aquino Menezes, José Adilson Bispo, Marcos Bispo, Richardson, John Teixeira, Maycon Douglas, Luan Matheus, Daniel, Edenilson Oliveira, Eduardo Santana, Cleônio.

O doutor da Universidade Federal de Alagoas e imortal da  Academia Itabaianense de Letras, Anderson da Silva Almeida, outra testemunha ocular, pois atuou como professor do Bené, diz na apresentação: “Nossa pressão arterial sobe ao ouvir o garoto de 12 anos exclamar: sou o homem da família,  preciso trabalhar, ou, quando ficamos a par  da tortura sofrida em silêncio pela menina violentada aos nove anos de idade...”

Os textos são poemas  falando mais de amor do que de dor, mas lá no fundo  gemem sofredores. 

“Uma bala fria fez seu coração parar /E parou também todos os sonhos   / que minha estrelinha queria realizar” ( “Minha irmã virou uma estrelinha” de Jamily dos Santos Souza).

São dolorosas crônicas, nas quais piscam lâmpadas de esperança no breu. “Vinte horas, com o corpo dolorido pelo cansaço, faço minha última entrega. O dia foi bom, consegui juntar oitenta reais. Penso em meus irmãos famintos e corro para o supermercado antes que ele feche. Compro pão, mortadela, bolachas, manteiga, óleo, arroz e dois quilos de carne. Acomodo tudo no fundo da carroça e olho para aqueles mimos que vou levar para minha família. (...) Meus irmãos destroçam o pão, a mortadela e os biscoitos. Minha mãe deixa cair uma lágrima. Dou-lhe um beijo e a acalmo dizendo que quando as coisas melhorarem  eu voltarei  para a escola. Na manhã seguinte, bem cedinho, pego minha carroça e retorno ao  mercado. Que escola? Tenho doze anos... sou o homem da família.” ( “Infância Perdida”, de Alysson de Jesus).

Todos os textos seguem o mesmo batido e revelam um povo que luta, que apanha, que morre, que é discriminado, mas não abre mão do sonho de viver como gente.

Por fim, mais uma  estrofe de Silmara de Jesus no poema “Menino de Rua”, que dispensa qualquer comentário.

“Menino de rua...

de corpo magrinho e pé no chão

quem não te conhece, te julga

Cuidado, este moleque é ladrão!”

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju em 2024nov12)

 

 

 

 

 

 


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

ME CANSEI DE SERVIR AO DIABO

 

ME CANSEI DE SERVIR AO DIABO, Aduilson Gois Oliveira, 2024, Infographics,Isbn 978-65-5730-205-7

 


Cinco anos atrás, acredito que em algum dia de 2019, atendi o telefone e uma voz feminina perguntou o meu nome e me pediu para anotar um endereço. Era de Planaltina, uma cidade satélite de Brasília, que eu conhecia do tempo em que morei na região. Pediu-me para mandar todos os meus livros publicados, pegou minha conta bancária e o valor da encomenda. Despachei o pacote  para Josefina Maria, nome que me pareceu fictício.

Soube, bem depois, que os livros eram para Aduilson Gois Oliveira, neto de tio Omero  (irmão de minha mãe),   filho de Antão, este, negociante de bodes e esterco de criação. Em algumas oportunidades, me vendeu sacos de esterco para adubar meus coqueiros no Robalo.

Quando comprou os meus livros, Aduilson era foragido da justiça e tocava um depósito de bebidas até ser recapturado pela polícia penal. Dos quarenta anos que tem,  mais de vinte ficou preso ou fugindo da polícia. Agora,  está em liberdade condicional do Presídio de Areia Branca.

Em um sábado destes,  me convidou para o visitar em sua casa, em um conjunto residencial na nova Itabaiana. Encontrei-o, pela primeira vez na vida (ele é de uma geração mais nova), feliz, junto com a esposa e três filhos, um já rapazinho, e todos nascidos enquanto ele estava ou preso ou fugindo. Conversamos uma manhã inteira. Gostei do clima da casa, havia concórdia em cada gesto, em cada palavra. Disse-me que os livros (leu vários autores na cadeia) o ensinaram a escrever livros também. E me entregou um calhamaço manuscrito. “São três livros que escrevi e contam minha via sacra de crimes e de penitências. Veja se vale a pena publicá-los?”

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Já saiu publicado o primeiro, intitulado, “Eu Cansei de Servir ao Diabo”, que foi sucesso de vendas. Esgotaram-se os dois mil exemplares em dois meses. A segunda edição já está no prelo. O livro tem leitura agradável, sem subterfúgios e sem floreios, conta sua vida: a infância nas Flechas, na companhia do pai comprando esterco e bodes no sertão da Bahia e Pernambuco.  Após a separação dos pais, ele foi trabalhar, ainda garoto, para ajudar a manter os irmãos. Teve barraca na feira, foi empregado de carteira assinada ou na informalidade, montou lava jato, se envolveu com drogas, arrumou namorada, casou, entrou no crime. 

Em 2018, cumprindo solitária, resolveu mudar sua vida. Houve a catequese religiosa, houve o apelo da esposa (que ficou presa mais de um ano injustamente, por ser mulher de bandido) e o amor aos filhos que cresciam e precisavam cada vez mais dele. Topou difíceis desafios, estudou o curso secundário (há incentivo na cadeia), cursa história na universidade, toca a empresa Gois grãos que intermedia safras de milho e atende criadores e agricultores da região. 

Já publicou o segundo, que se chama “A Liderança”: comandando um pavilhão com mais de 100 detentos no Presídio.. 

O terceiro está no prelo, “Histórias do Povo”: um cabrinha, chamado Saracura (meu xará das Flechas, já falecido e que tive a honra de o conhecer) é um anti-herói picaresco, mistura de Cancão de fogo, Pedro Malasartes e João Grilo).  

"Me cansei de servir o diabo" é uma história real que arrebata. Será um filme de sucesso se tiver a sorte de ser descoberto por um cineasta de valor.  

(Por Antonio FJ Saracura, Aracaju, 10/11/2024).


segunda-feira, 16 de setembro de 2024

A LIDERANÇA, Aduilson Gois Oliveira

 

A LIDERANÇA, Aduilson Gois Oliveira, Aracaju, Infographics,152 páginas, isbn 978-65-5730-216-3  

 



O escritor Aduilson Gois Oliveira (li três livros de sua autoria no manuscrito, e gostei), me pediu para escrever um prefácio para o segundo a publicar, que é este, chamado “A Liderança”, no qual narra uma “epopeia” notável: Liderar com sucesso um pavilhão de presídio com cento e trinta homens, cada um com sua pena e dor. São assassinos, traficantes, ladrões e até inocentes. Veteranos no crime e estreantes. É de arrepiar!

A administração delega a missão espinhosa de negociar perenes armistícios em cada pavilhão a um detento que lhe pareça hábil na arte de conduzir. O livro é autobiográfico e o personagem topa o desafio. Talvez sua pena e a do seu grupo encolham um pouco.

Aduilson completou 40 anos de idade e está na cadeia desde os 25 com pequenos intervalos (pecando mais ou se escondendo da policia). Em todo este tempo preso, manteve-se ligado à família (sua âncora segura), estudou com afinco (faz curso superior), leu muito e escreveu três livros corajosos, que vem publicando um a um, com apoio de amigos da infância.

Numa linguagem simples, direta e agradável, conta-nos, sem subterfúgio, neste “A Liderança”, o dia-a-dia na cadeia, desde a chegada algemado até a saída para o semiaberto, a meio passo da liberdade, com as dívidas quitadas, finalmente vencedor.

Leia Aduilson “A Liderança” com prazer.

E também “Me cansei de servir ao Diabo” e os demais que Aduilson publicar.

(Por Antônio Saracura, escritor da Academia Itabaianense de Letras e da Academia Sergipana de Letras.)

Notas:

Pelo sumário, tem-se uma ideia do caminho que o livro segue e que nos prende:

A Chegada (na cadeia).

O dia a dia (um rico panorama da vida do preso).

O começo da liderança

A perseguição

As entradas

As regras

Como são resolvidos os problemas

A rotina

Os atendimentos

As reivindicações

a  moeda na cadeia

Os que chegam

Os que são abandonados pelas guerreiras(as esposas)

Os apelidos (ninguém escapa, uns se danam)

As frases usadas dentro da cadeia (o dialeto secreto)

(...)

Liderança com respeito

A progressão do regime.

     

(2024set16) -  Corri à editora Infographics agora à tardinha, o escritor Aduilson, que é meu primo das Flechas (ele mais protegido pelo Bastião) estava recebendo seu novo livro. O segundo de uma série, que Deus queira vá longe, pois ele escreve bem.

O lançamento deve acontecer logo e também  na III Feira do livro de Itabaiana, que acontecerá nos dias 25,26 e 27 de outubro de 2024.

“A Liderança ” é uma oficina da arte/ ciência/técnica, um curso, um romance, um filme…

Tanto este, como “Cansei de servir ao diabo” aguardam apenas serem  descobertos por um bom diretor (cineasta).

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quarta-feira, 3 de abril de 2024

HISTÓRIAS ROUBADAS, Décio Torres Cruz

 

HISTÓRIAS ROUBADAS, Décio Torres Cruz,Penalux,2022,184 páginas, Guaratiguetá SP, Isbn 978-65-5862-398-0

 


Um livro de contos, crônicas ou de poesia é amplo demais para um leitor apenas, ele precisa viver várias vidas(aventuras) num curto espaço de tempo. Os melhores poemas podem ser comprometidos com seus vizinhos comuns. Um conto espetacular pode ser engolido sem mastigação porque tem feição de outro lido antes. As crônicas, com a repetição do baticum do martelo, agora parecem monótonas, dão vontade de as pular. A não ser que seja um livro raro, de gênio iluminado que não conheço ainda. Já li livros inteiros de poemas e ao final desabafei para mim mesmo. “Bastavam aqueles dois nas primeiras páginas”.

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O conto “O Ladrão de História”, o primeiro neste livro “Histórias roubadas”... bastava ele para dizer que o livro de Décio Torres é um bom livro.

Mandei uma cópia do Ladrão para meu médico (primo e confrade da academia). Que tivesse cuidado! Ele escreve contos (belos contos) contando casos como se ocorridos em sua clínica médica, a mais procurada da cidade. São de arrepiar. Claro que meu primo não usa os nomes reais dos pacientes, nem os locais verdadeiros onde moram. Acho que não. Mas as histórias contadas são tão verossímeis que não há quem me convença de que são fantasias. Se um dia, algum paciente (ou parente) pegar um dos seus livros (ele já publicou cinco) se assustará. “Meu segredo de confessionário está sendo espalhado aos quatro ventos?” Deus me livre que aconteça com meu primo o que aconteceu com Maurício.

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Não vou falar de todos os contos, são 22. Direi duas palavras sobre mais três, pois merecem muito. E é o que posso, porque o espaço de que disponho no jornal que me acolhe e o tempo que o presidente da academia de letras me libera para ler a resenha não aceitam mais uma linha.

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As tias abonadas, que moravam em Resende no estado do Rio de Janeiro, estavam certas. Que outro lugar havia onde gastar grana, senão as lojas de grandes marcas. Eu digo por mim. De tanto compulsar castelos e mosteiros, sorri quando o guia Rui Catalão parou a van, numa boca de noite, no Outlet de Lisboa. Mesmo sem um tostão para queimar, me encantei vendo tanta gente, como minhas tias Zulmira e Leopoldina, já idosas como eu, torrando cobre, conscientes de que caixão não tem bolso e herdeiro não manda rezar missa para defunto. E mais ainda me encantei porque, naquele paraíso de perdulários, só reconheci como gente do Brasil, minhas duas tias adotivas e eu. 

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Num bar lotado, agora à noite, todos solitários à caça de companhia. A solidão é perversa e não dá trela. Abutres humanos buscam carne, cada um de olho no outro. Martin, que aparentemente está no lugar errado, sente-se em um açougue e até se constrange com os lances que o leiloeiro coletivo e imaginário oferece para o arrematar. Confuso, pede a conta para ir embora, quiçá para outro bar. Ele é solitário noturno a vaguear por becos e bares a procura de um alívio para a decepção causada pelo amor de ontem. Haverá dor maior? Foi então que Leo, vindo do nada, pede para se sentar à sua mesa. Martin deixa-se ficar mais para entender o gesto do desconhecido. E entende que não pode escapar do destino, mesmo que amanhã volte a sofrer mais ainda.

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“A moreninha suburbana em Paquetá” é preciso e bom. Um passeio por cenários de filmes e livros que encantam a todos. Na Praça dos Tamoios, a vó Anita senta-se para ler um livro e manda os dois adolescentes, seu neto Sandro e a amiguinha dele, Aline, darem um passeio de bicicleta ali por perto.

Os meninos chegam à Praia dos Frades, descobrem uma faixa de areia deserta junto às pedras, resolvem dar um mergulho no mar. Ficam apenas de sunga e biquini. E brincam na água de tentar afogar um ao outro. E se beijam, tocam-se, se esfregam. Bruno sente o corpo estremecer, ejacula na sunga, junto as coxas de Aline. Depois, os dois se limpam na água, enxugam-se com as mãos, vestem-se, pedalam de volta à Praça dos Tamoios. De novo com a avó Anita, passam o resto do dia desfrutando a ilha, pegam a barca e retornam para casa.

Bruno e Aline não se encontram há mais de mês, mas se falam ao telefone quase todo dia. E Bruno toma o maior susto quando Aline, com voz preocupada, diz: “a menstruação não veio de novo, talvez eu esteja grávida”.

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Ao concluir a leitura do livro de Décio Torres, exclamei baixinho: “Que ladrão esperto!” Minha esposa, sempre atenta, ela tem ouvidos de tísico e se preocupa comigo, já à porta de meu gabinete de leitura, com as mãos nos quartos, quis saber: “Roubaram você, outra vez?”

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 02/04/2024)

 

terça-feira, 2 de abril de 2024

ARACAJU 50 ANOS DE FOTOGRAFIAS, Expedito Souza

 

ARACAJU 50 ANOS DE FOTOGRAFIAS, Expedito Souza, Aracaju, 2023,96 páginas, isbn 978-65-00003027-3

 


O livro tem o formado 220mm por 155mm para acomodar a dimensão das fotos. São 93 páginas, abertas com uma apresentação do autor,  prefácio do historiador José Anderson Nascimento e mais introdução (também de Expedito) na qual revela aspectos e motivos de sua genial decisão de documentar a cidade crescendo.

E nas páginas seguintes, vem as fotos dos locais escolhidos (39). Para cada um, duas páginas: uma foto antiga (de 1979 e anos próximos) e outra, atual (2020), mostrando a transformação porque passou Aracaju em poucos anos, saindo de uma aldeia para a atual megalópole. O roteiro começa na  Praça General Valadão (marco zero da cidade Pirro), parte para o Bairro Industrial, ao norte, no caminho da colina mãe. Perambula pelo centro histórico e abre as asas para o sul promissor, com a abertura de avenidas (até no vazio).

De uma hora para outra, dunas de areia, manguezais impenetráveis, restingas de mangabeiras viram loteamentos. Nascem prédios, conjuntos de  casas, bairros inteiros ganham nome e personalidade própria. E no meio dessa barafunda, um visionário fotógrafo, célere, expedito, boa pontaria, voz sumida e visão privilegiada perambula com uma câmara captando tudo.

A descoberta do petróleo em Sergipe, a implantação do Distrito Industrial de Aracaju, a  Universidade Federal, a adutora do São Francisco, as minas da Petromisa, o porto em alto mar de Santo Amaro... Eventos que se entrelaçam, ocorrem e decorrem, puxam e depois são puxados, sonhos que deram certo e também frustrados, a revolução, o progresso.

As fotografias de Expedido Souza narram o crescimento da cidade e são imagens fortes e eternas, monumentos históricos que jamais serão engolidas pelo tempo.

A amostra que acontece na galeria J Inácio (na Biblioteca Epifânio Dórea) é uma seleção feita pelo autor, que também nos brinda, aqui e acolá, com um texto ligeiro revelando a memória do lugar. “Quando eu era menina, assisti muitas festas nesse palacete” (Jandira, vizinha).

Fui ver a exposição das fotografias no dia seguinte à abertura (15 de março de 2024) , pois perdi a festa e o coquetel de lançamento e me senti recompensado. Tive mestre Expedido exclusivo para me mostrar sua obra.

Se puder, não perca a oportunidade de ver a exposição, que  fica aberta até o fim do  mês, nos dias úteis, no horário da biblioteca. Sua assinatura no “livro de presenças” dirá ao autor que tem sua admiração. Pode ser um pulinho como o meu, e saia gratificado, como eu saí.

Se não puder ver a exposição, compre o livro (está na livraria Escariz, que vende pela internet/google), custa 50 reais.

Imperdível!

 

(Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 28 de março de 2024).

sábado, 23 de março de 2024

SIMÃO DIAS TRADIÇÃO E HISTÓRIA, Amaral Cavalcante

 

SIMÃO DIAS TRADIÇÃO E HISTÓRIA, Amaral Cavalcante organizador, Edise, Aracaju,2020, 186 páginas, Isbn 978-65-86004-18-2.

Este livro foi um brinde que recebi (junto com outro chamado “Entre traços e contextos”) em 16 de março de 2024 , em visita ao Centro de Memória Digital de Simão Dias, com imortais da Academia Sergipana de Letras. O  autor do projeto deste Centro, arquiteto Ézio Deda, foi  nosso cicerone pelas veredas históricas e digitais de Simão Dias.

Ao retornar, comecei a ler o livro e gostei muito. Bem escrito, exposições consistentes, suficiente iconografia.  Vou arrumar um lugar para ele na minha restrita biblioteca.  

O livro está dividido em sete partes:

1.     Simão Dias, tradição e história, por Luiz Antônio Barreto.

O início da colonização com doação de sesmarias a alguns Simão Dias de então, destacando o francês que veio de Itabaiana com seus rebanhos para escapar do confisco holandês e da matança promovida pelos soldados de Portugal. Passa pela emancipação, troca de denominação, recebe a visita de Antônio Conselheiro em sua missão santa. Apresenta-nos as figuras ilustres...

2.     Tempos áureos de nossa cidade, por Jorge Luiz Souza Bastos.

Fatos, pessoas e equipamentos que constituíram e constituem o município. A evolução do lugar, desde os currais, à comarca, vila, paróquia... As figuras de escol são mostradas com intimidade. E aqui me causou espanto e emoção o poeta Hermes Andrade, uma fantástica narrativa. Hermes pertence a um mundo que vivi fazendo jornalecos, como Pasquim, O Recreio e outros, no Seminário, e logo a seguir, na redação de “A Cruzada” (semanário católico onde fui chefe da redação) que dependia muito da criatividade de seus artesãos.

Hermes nasceu em 1912 no povoado Curral dos Bois, longe da cidade. Autodidata, somente alfabetizado, improvisou uma tipografia com o casco de cajazeira, e fez circular pelos sítios o jornalzinho “O Municipal”. Quando  a impressora se mostrou inviável, o jornal prosseguiu escrito à mão (manuscrito). Os jornalistas da cidade (A Luta) lhes dedicaram reportagens e lhes deram espaço para publicar suas crônicas. Faleceu muito novo (27 anos) de tuberculose, mas angariou celebridade como "o poeta da solidão" “Um dos talentos mais pujantes e mais multiformes dos nascidos em terras de Simão Dias” (escreve “A Semana”, em 02.03.1947).

3. Memorial de Simão Dias e sua importância para o município, por Edjan Alencar e Amanda Oliveira.

O nascimento do museu (1991), os gestores (desde a primeira diretora, Enedina Chagas Silva, tia do ex-governador Belivaldo Chagas. A composição do rico acervo, hoje  assimilado e ampliado pelo Centro de Memória Digital, inaugurado em dezembro de 2022: pintores, artesãos, fotógrafos, Jornalistas, figuras ilustres da história, e muito mais, com respectivos feitos e obras, desde a origem da cidade.

4.     Simão Dias à frente do executivo sergipano, por Luiz Fernando Ribeiro Soutelo.

Reencontro meu colega de faculdade de economia (turma de 1971) e meu confrade da Academia Sergipana de Letras (faleceu em 03/01/2022),  historiador Soutelo, tão grande quanto os maiores que Sergipe produziu. Ele apresenta os cinco governadores filhos Simão Dias: Pedro Freire de Carvalho que assumiu com a renúncia de Siqueira de Meneses e permaneceu de julho de 1914 a 24 de outubro do mesmo ano. Sebastião Celso de Carvalho assumiu o governo com a cassação de Seixas Dórea (revolução de 1964) ficando até 31 de janeiro de 1967. Antônio Carlos Valadares, eleito, governou de 1987 a 1991. Marcelo Deda Chagas, também eleito, governou o estado de 2006 a 2013 quando faleceu. Belivaldo Chagas Silva, eleito, governou de 2018 a 2023. Para cada um deles, Soutelo oferece preciosas informações.

5.     Intelectuais simaodienses, por Gilfrancisco dos Santos.

Gilfrancisco está sempre presente onde se produz história em Sergipe, com livros, com ensaios, só nunca o ouvi em academias ou eventos proferindo palestras. E, pelo que sei, não é mineiro. Aqui foca Gervasio Prata, avô de um taumaturgo, Henrique Prata, criador de hospitais,em Barretos, Lagarto e resto do Brasil e nem médico é. E fala de Carvalho Neto, Carvalho Deda, Pedro Barreto, Aline Paim (nasceu em Estância), Paulo Dantas, Paulo de Carvalho Neto, Sinval Palmeira, Artur Oscar Deda. 

6.   Simão Dias, ontem e hoje (um passeio pela história através das mudanças no padrão arquitetônico), por Edjan Alencar, Geraldo Henrique dos Santos, Alexandre do Nascimento Barreto Junior.

Uma plêiade de historiadores e pesquisadores caiu nas ruas da cidade, escarafunchando os palácios, palacetes, mansões, prédios do comércio, equipamentos públicos, igrejas e casas do povo. Desde as fundações, modificações, conservação. E vasculhou a documentação disponível nos livros das sacristias e dos cartórios. E catalogou os festejos religiosos e populares, as histórias das vias públicas... E inclui no artigo, o que mais achou de valor, como a rica iconografia colorida dos principais motivos descritos.

7.     Poema: uma endecha à Simão Dias, por Udilson Soares Ribeiro.

Não tem importância que a endecha seja uma composição de apenas quatro versos de cinco sílabas. Não caberia mesmo toda a beleza da composição poética que louva Simão Dias de um modo coloquial e familiar, mas sem deixar de ser grandiosa. As procissões de dona Dé, os presépios de Joventina, os reisados de seu Tota, os bailes do Caiçara Clube, o Cine Ypiranga que foi ressuscitado com o Centro de Memória Digital... Eu nem sou daqui, mas me lembrei como e fosse, destes eventos citados, dos demais ditos ou sugeridos, na bela endecha de Udilson Ribeiro.

Uma obra de inestimável valor para Simão Dias e Sergipe. 

(Por Antônio FJ Saracura, 01 de abril de 2024, Aracaju/Se). 






(Por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 23/03/2024).

sexta-feira, 22 de março de 2024

ENTRE TRAÇOS E CONTEXTOS

 

ENTRE TRAÇOS E CONTEXTOS, as charges de Carvalho Deda no jornal A Semana (1959-1968), Amanda de Oliveira Santos, Aracaju, 2022, Segrase, isbn 978-65-86004-77-9

 

A emoção fez-se em nó lá dentro, subiu pelo gorgomilo na tora querendo ar e cortando o meu. Posso morrer disso. Bastou-me ver o jornalista Carvalho Deda criando mágicas para que seu jornal fosse lido até pelos analfabetos.  

Eu já conhecia Carvalho Deda de “Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano” que li até as entrelinhas. E de outros três livros que acompanharam Brefáias no book lançado no governo Marcelo Deda, que acidentalmente ganhei, pois estava de cara para cima em um final de tarde na galeria de arte Álvaro Santos sem entender porque ali havia tantos figurões se cumprimentando e sorrindo.

Entretanto, os livros “Simão Dias fragmentos de sua história”, “Carvalho Deda vida e obra” e “Formiga de Asas” (que completavam o book) dei uma sapeada e, espantado, vi que neles havia ouro puro. Urgências maiores surgiram. Então, escondi a boca da mina (o book com os livros) para oportunamente (que até agora não aconteceu) explorar o ouro.

Conheci a historiadora Amanda de Oliveira Santos, autora do “Entre traços e contextos”, quando visitei, com minha esposa, o Centro de Memória Digital de Simão Dias, em 20 de maio de 2023. Amanda  estava elaborando a dissertação de mestrado que foi transformada neste livro, agora impresso, que acaba de cair em minhas mãos.

Li “Entre traços e contextos” de um pulo[1].  O tema abordado é interessante, fui jornalista nos tempos basilares e quebrei a cabeça com as mesmas ferramentas. A escrita (apesar de técnica) flui fácil, tem sabor de romance, que é meu prato predileto.

O livro trata do jornalismo em Sergipe, com foco em Simão Dias e na longevidade do jornal “A Semana” (1946 a 1969), de Carvalho Deda. E mais firme foca nas charges xilográficas que o jornalista cria para que seu jornal seja útil e sofregamente consumido, que são as magias de que falei lá no começo.   

O jornalista, advogado e político José de   Carvalho Deda, é dono do jornal, editor, colunista, editorialista, criador das manchetes, o condutor da linha... É também o entalhador da madeira (ele foi carpinteiro e agora domina a arte da xilografia) que produz as gravuras que são impressas  nas páginas do jornal narrando casos, como os quadrinhos de uma revista, como a xilogravura dos livrinhos de cordel.  A charge provoca reações peculiares. O administrador público lê cauteloso. O cidadão comum sorri gratificado porque é a sua voz falando alto. Os que não sabem ler, se assustam porque conseguem entender a nova escrita.  

Todos ficam sabendo que estourou a guerra, que o ditador caiu, que o rio encheu, que Jânio renunciou, que o novo papa foi eleito... somente olhando as figuras.

Muitos sorrisos, alguma mágoa.

A charge do jornal “A Semana” está nas rodinhas, nos gabinetes, nas malhadas, nos roçados,  nas estradas, nos ajuntamentos, na sacristia da igreja, em todo canto.

Humor, ironia, alertas, afagos.

E muito mais jornais vendidos.

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Que Simão Dias é essa que brilha tanto a meus olhos?

Que monstro foi José de Carvalho Deda?

Que livro bom  é “Entre traços e contextos” de Amanda de Oliveira Santos?

(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 22 de marco de 2024).


NOTAS 

[1] Eu estava lendo a resenha na tribuna e ouvi palração entre dois monstros sagrados da arcádia,  sentados na primeira fila do auditório.  Ao concluir minha apresentação, o ruído continuava, então me aproximei e me espantei.

Riam da minha frase “li de um pulo”. Diziam que  eu lera dando pulinhos.   

Apenas para evitar outros mal entendidos, deixo a frase do mesmo jeito, mas me justifico: O termo “de um pulo”  significa, em Itabaiana,   “ligeirinho”, e o conheço desde menino.

E eu explico nas frases seguintes da resenha porque "li de um pulo”. (Li ligeirinho).

Em casa, no Google, vi que não estava revelando uma das joias da Terra Vermelha de Itabaiana.  O mundo todo usa a mesma expressão no mesmo sentido (ligeirinho). Anotei alguns exemplos: 

“Do beijo pra cama é um pulo”

“A fazenda é logo ali, à distância de um pulo”.

“Depois deste remédio (para vermes), a menina vira outra de um pulo”

“Vou dar um pulo na sua casa”

(precisa de mais?)  

quinta-feira, 21 de março de 2024

A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano

 

A CAMINHO DE BETULIA, Ednalva Freire Caetano, Aracaju, Criação editora, 2022,220 páginas, isbn 978-85-8413-305-5.

 

 


Mergulhei (queria dormir no colo) na crônica “Dorme-maria” (página 73).

 Ao chegar ao meio do último parágrafo, parei atônito. Como pode ele ainda não estar aqui? Certamente há algum aviso escondido, talvez nas entrelinhas, justificando sua inesperada ausência no lugar marcado.

Retornei ao início da crônica e a reli atento, mas não achei nada do que esperava. Ao final, somente Maria deitada como se fosse um feto, no chão frio do aeroporto, jogada murchinha, como um pé de “malícia”. Tampei os ouvidos para não escutar o estridente estribilho isolado,  que  reverberava:  “Maria-feche-a-porta-que-o-soldado-vem aí”, deitei ao comprido ao seu lado e murchei igual. 

Quem mandou me envolver tanto assim no sofrimento de Maria?

Suspendi um tantinho o rosto do piso e falei: “Depois que o soldado for embora, a gente recomeça uma nova vida, como todo mundo faz.”

xxx

As crônicas do livro “A Caminho de Betulia” são recheados de simbolismo. Sessenta textos, por aí. Escritos com esmero, lúcidos, cristalinos. Crônicas, ou poemas, ou contos ou ensaios ou artigos ou um romance de família. De qualquer jeito, joias literárias que encantam, que convencem, e deixam marcas indeléveis no leitor.

O livro é uma viagem que Ednalva faz (e nos leva junto) para dentro de si, para em volta de si, debatendo ideias, fatos, lugares, sonhos, calçada pela fortuna de saberes que amealhou na vida e com o senso crítico que tem.

Todos os textos merecem uma resenha particular, que não tenho como fazer. Vou pegar alguns, para tentar dar uma ideia do universo todo. 

A crônica “A caminho de Betulia” (que dá o título do livro) anda pelo velho testamento da Bíblia, quando Judite, de modo singular, consegue impedir o massacre do povo Judeu. Outra mulher (agora Judith) renasce em Aracaju, nos dias atuais, e realiza até maiores feitos, conduzindo uma família pela dureza infinita da vida à dignidade, ao sucesso que nos cabe.

Em “Qual é o seu sonho”... O sonho de justiça social precisa de todos nós para o tecer, assim como a madrugada do poema de João Cabral de Melo Neto com seus galos amiudando firmes e solidários.

Em “Isaque, o islandês”, o personagem fala palavras longas como o povo da Terra Vermelha de Itabaiana: “fiodocansomariano”, “fiducabruncodapeste”. Ele é uma pessoa comum, com família para a qual nem liga, mas a quer sempre à vista para lhe dar segurança.

Em “Monólogo do Exílio”, o narrador fica perdido no labirinto dos seus sonhos que são tantos (tem essa mania de sonhar) e acaba se afastando da realidade com a qual os não sonhadores lidam bem.

Nas muitas crônicas que falam da Pandemia do Covid, espanta-se com o assombro ante as primeiras mil mortes e mais ainda com a aceitação conformada das cem mil que ocorrem na sequência. E sofre impotente com a insensatez de um povo que grita: “não queremos vacina, queremos cloroquina”.

Em “Em Cem dias... sem dias”, o mundo contaminado encalacrou, mas os passarinhos lá fora continuam fazendo a maior festa.

E encontra espaço (“Eu tenho um amigo biso”) para homenagear, sem subterfúgios, o amigo Inácio, que pratica aquelas coisas comuns que nos atingem sutis, a cada suspiro, e que nos fazem gente. Ele sabe como ninguém cultivar uma grande amizade, regando-a, a cada dia, como um jardineiro fiel.

Boa leitura!

(Por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 10 de março de 2024) 

(por Antônio FJ Saracura, em Aracaju 2024mar20).