sábado, 12 de dezembro de 2020

REDEMOINHOS, José Lima Santana

 

REDEMOINHOS, José Lima Santana,São Paulo, Scorteci, 2015, isbn 978-85-366-4375-5.



 

“Antigamente minha avó dizia

Que o diabo brincava nos redemoinhos” (página 119)

 

Vivo correndo, como todos comigo. Como se a vida fosse redemoinho a nos levantar do chão, revolver, derrubar de volta, arrastar, enterrar, partir em mil pedaços, recompor, ressuscitar. A paz é escorregadia. Os raros bons momentos, fogem sem me darem adeus.

Obrigações, redes sociais, pestes, pragas, cobranças, discriminações, despeitas, invejas.

Relembro feliz os retiros espirituais do meu tempo de seminário, que não acabavam nunca, e nos quais sobrava tempo até para divagar, plainar por mundos misteriosos e desconhecidos. Como foram confortantes.

A boa poesia é aquela que não preciso reler (e nem entender). Na primeira corrida de olhos vejo seu íntimo. Sua alma se mostra. Para que conhecer as profundezas? Basta fazer-me sentir bem. Mesmo dentro desse redemoinho.

É pouco?

José Lima Santana é um homem sereno, meio caminho andado para bom poeta. Seu porte de bandeira branca, seu pensamento lúcido, sua voz cordata viram poemas fáceis de entender, companheiros de paz para momentos atribulados da vida.

Ele sabe a palavra adequada. Sabe amadurecer a ideia essencial. Como o vinho envelhecido, que é melhor porque soube se conter, esperar a vez. Me lembra o matador de tocaia, que pode passar um mês afiando a pontaria, desfrutando a paciência, sedimentando as intenções, manufaturando mil asas para a bala a ser disparada.

E tiro assim caprichado cumpre a sina de matar. Ou de salvar. Ou de pacificar.

xxx

Meu querido poeta, José Lima Santana.

Estou lendo seus poemas, devagar, conhecendo cada caminho enveredado, cada picada pisada. E me admiro pelo seu jeito de narrar sentimento. Você não precisa de artimanhas, enigmas, subterfúgios. Tem palavras definitivas para expor sentimento e difundir serenidade.

Se não, veja “Alvorecer” (página 13), o primeiro poema do livro:

 

“Da janela

Eu vi

Sonolento

A aurora

Sangrando

O mundo”.

 

E “Tardio” (página 19):

 

O frio tardio de Buenos Aires

Penetra lancinante em minha roupa,

Atravessa minha carne surrada pela vida

E alcança meus ossos com pouco cálcio.

 

E frio tardio de Buenos Aires

Convida-me a beber vinho.

O vinho tinto enche a taça

E eu me encho de tangos e de magia.”

 

Também “Estupidez” (Página 68):

 

O tempo espeta,

Insensivelmente,

Espinhos na pedra.

 

O vento lambe

Voluptuosamente,

A face da pedra.

 

E a pedra, a pedra,

Estupidamente,

Permanece agachada.

 

Difícil alguém não gostar de algum desses mais de cem redemoinhos. Tempestades que fazem a bonança imediata nessa vida louca.

 

 

(Aracaju, 2016, 09 de fevereiro 2016, por Antônio Saracura, recuperada em dezembro de 2020).

 

 

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