domingo, 14 de agosto de 2016

DUBLINENSES,James Joyce

DUBLINENSES,James Joyce, 2012, BestBolso,tradução de Hamilton Trevisan,191p, isbn 978-85-7799-354-3


Enganchei no “Ulisses”, não houve jeito de avançar, achei os diálogos longos e inúteis, ação relaxada. Fechei o livro, guardei-o de volta na estante.

Tenho a intenção de retornar ao livro, pois não é possível uma das grandes obras da humanidade recusar-se a andar comigo. Claro que não é defeito da companhia que quero ter, mas de mim, que não presto para finas iguarias, basta-me um prato de feijão com farinha e molho de carne. A verdade é que, já se vão anos que deixei “Ulisses” na mão e fui atrás de outras companhias. Mas Ele nunca me saiu da cabeça, como se fosse uma dívida que preciso saldar. Rondo pelas periferias até do próprio autor, como agora fiz, lendo Dublinenses, contos publicados antes de Ulisses.


James Joyce viveu fora de sua terra (Paris de Roma) a vida toda. Parece que isso é bom para a produção literária: Isaac Singer (Estados Unidos), Gabriel Garcia (México), Gonçalves Dias (Europa, Rio de Janeiro)  e muitos outros.  A distância estreita vínculos, permite uma visão superior e geral. E depois, as imagens coletadas na infância jamais se apagam: a pátria pode até morrer, mas a história permanecerá.

Dublinenes são cenas quotidiano, incorporam pensamentos, sensações, sentimentos de pessoas comuns do ambiente familiar plebeu quase sempre. Documentação da vida comum, pequenos dramas que atribulam as pessoas até desnecessariamente. Alguns contos (?) são escritos na primeira pessoa, o que aproxima mais o leitor ao autor, tornando cúmplice muito mais que expectador. Joyce utiliza a técnica de fluxo de consciência e nem se preocupa com o fecho, apenas encerra a história. Os teóricos da universidade podem arrepiar o cabelo ou torcer o bico. E o fariam, certamente, se o escritor não fosse consagrado.

São 15 contos no livro...

 “As Irmãs” mostra que o crime precisa de oportunidade, e escapar dele também. Os dois meninos poderia ser assassinados (ou não) pelo homem que, displicentemente, passava pela estrada.  A conversa aproximou o menino do perigo. Nada de grave aconteceu ou foi sugerido mas eu senti a iminência de uma desgraça.

“Arábia” ...  Um objetivo muito importante, tão simples de alcançar, ser destruído pelo desleixo (pouco caso) de um pai, certamente assoberbado por outros fazeres. Mas ainda há tempo!  Corremos cheios de esperança e, lamentavelmente, o parque fechou, o trem partiu, o sonho não pode ser recuperado.

“A pensão”. Se a mãe estava cuidando de tudo, pra que Poly gastar-se, esquentar a cabeça?

“Contrapartida”. A corda sempre quebra do lado mais fraco. O bom menino (talvez o autor) apela à todos os santos, mas o opressor (senhor, pai, em todos os níveis) é impiedoso. A lei do mais forte.

“Argila”.  Talvez o “finale” espetacular que o conto exige, seja este chocho, imprevisível. Tudo correu bem até “desta vez ela apanhou o breviário”. Tanta expectativa criada, e terminar assim, como se ainda faltasse muito a dizer. É a marca do autor?  

“Um caso doloroso”. Perfeitas colocações sobre o encontro e o que se segue normalmente. Mas o final cheira à desistência, o autor joga a toalha, perde a paciência e nos deixa na mão.  Coitado do personagem, coitado do leitor.

“Dia de hera na lapela”. Fala de mitos e seres comuns nos sindicatos de Dublin, que é igual em todo mundo.  Cheira à homenagem cabotina a um lula qualquer.

“A Mãe”. A mãe dominadora que anula o marido e cria os filhos como Maroca criou Hortência (pouca gente vai entender) com um zelo exagerado, fazendo da filha um bibelô, uma estrela de primeira grandeza a seus olhos, mesmo não sendo lá essas coisas. E mete-se a empresária da filha e a retira do espetáculo antes de terminar a apresentação por não ter recebido o cachê combinado previamente. A mecânica do show business (de qualquer tamanho) é bem diferente, o artista vive à mercê do empresário, pelo menos o artista que ainda não se firmou.

“Graça”. Não vejo como uma preleção impessoal, possa ser tão poderosa   a ponto de mudar a vida de Kermam.  Mesmo que modificasse seus pontos de vista, ainda precisaria arrumar uma ocupação que lhe desse dignidade.  Uma estória à toa, como, aliás, as demais.

“Os mortos” é tido como um grande conto de Joyce. Ficaram-me as considerações de Gabriel sobre lembranças do passado. “...os rostos ausentes cuja falta sentimos... (rondou sobre mim aquela nuvem que esmaece os traços das pessoas e de fatos e que os apaga definitivamente se não os reacendemos de quando em quando).  Nossa passagem pela vida é marcada por muitas dessas recordações e, se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não sobrariam forças para desempenhar nossas tarefas entre os vivos”.

Acho que, um dia, se ainda tiver tempo, retornarei a Dublinenses. Quem sabe, até, rasgarei essa resenha.

(Antônio Saracura, Aracaju, julho de 2016)  



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