DUBLINENSES,James Joyce, 2012,
BestBolso,tradução de Hamilton Trevisan,191p, isbn 978-85-7799-354-3
Enganchei no “Ulisses”, não houve
jeito de avançar, achei os diálogos longos e inúteis, ação relaxada. Fechei o
livro, guardei-o de volta na estante.
Tenho a intenção de retornar ao
livro, pois não é possível uma das grandes obras da humanidade recusar-se a
andar comigo. Claro que não é defeito da companhia que quero ter, mas de mim,
que não presto para finas iguarias, basta-me um prato de feijão com farinha e
molho de carne. A verdade é que, já se vão anos que deixei “Ulisses” na mão e
fui atrás de outras companhias. Mas Ele nunca me saiu da cabeça, como se fosse
uma dívida que preciso saldar. Rondo pelas periferias até do próprio autor, como
agora fiz, lendo Dublinenses, contos publicados antes de Ulisses.
James Joyce viveu fora de sua
terra (Paris de Roma) a vida toda. Parece que isso é bom para a produção literária:
Isaac Singer (Estados Unidos), Gabriel Garcia (México), Gonçalves Dias (Europa,
Rio de Janeiro) e muitos outros. A distância estreita vínculos, permite uma
visão superior e geral. E depois, as imagens coletadas na infância jamais se
apagam: a pátria pode até morrer, mas a história permanecerá.
Dublinenes são cenas quotidiano, incorporam
pensamentos, sensações, sentimentos de pessoas comuns do ambiente familiar
plebeu quase sempre. Documentação da vida comum, pequenos dramas que atribulam
as pessoas até desnecessariamente. Alguns contos (?) são escritos na primeira
pessoa, o que aproxima mais o leitor ao autor, tornando cúmplice muito mais que
expectador. Joyce utiliza a técnica de fluxo de consciência e nem se preocupa
com o fecho, apenas encerra a história. Os teóricos da universidade podem arrepiar
o cabelo ou torcer o bico. E o fariam, certamente, se o escritor não fosse consagrado.
São 15 contos no livro...
“As Irmãs” mostra que o crime precisa de oportunidade,
e escapar dele também. Os dois meninos poderia ser assassinados (ou não) pelo
homem que, displicentemente, passava pela estrada. A conversa aproximou o menino do perigo. Nada
de grave aconteceu ou foi sugerido mas eu senti a iminência de uma desgraça.
“Arábia” ... Um objetivo muito importante, tão simples de
alcançar, ser destruído pelo desleixo (pouco caso) de um pai, certamente
assoberbado por outros fazeres. Mas ainda há tempo! Corremos cheios de esperança e,
lamentavelmente, o parque fechou, o trem partiu, o sonho não pode ser recuperado.
“A pensão”. Se a mãe estava
cuidando de tudo, pra que Poly gastar-se, esquentar a cabeça?
“Contrapartida”. A corda sempre
quebra do lado mais fraco. O bom menino (talvez o autor) apela à todos os
santos, mas o opressor (senhor, pai, em todos os níveis) é impiedoso. A lei do
mais forte.
“Argila”. Talvez o “finale” espetacular que o conto
exige, seja este chocho, imprevisível. Tudo correu bem até “desta vez ela
apanhou o breviário”. Tanta expectativa criada, e terminar assim, como se ainda
faltasse muito a dizer. É a marca do autor?
“Um caso doloroso”. Perfeitas
colocações sobre o encontro e o que se segue normalmente. Mas o final cheira à
desistência, o autor joga a toalha, perde a paciência e nos deixa na mão. Coitado do personagem, coitado do leitor.
“Dia de hera na lapela”. Fala de
mitos e seres comuns nos sindicatos de Dublin, que é igual em todo mundo. Cheira à homenagem cabotina a um lula qualquer.
“A Mãe”. A mãe dominadora que anula
o marido e cria os filhos como Maroca criou Hortência (pouca gente vai
entender) com um zelo exagerado, fazendo da filha um bibelô, uma estrela de
primeira grandeza a seus olhos, mesmo não sendo lá essas coisas. E mete-se a
empresária da filha e a retira do espetáculo antes de terminar a apresentação
por não ter recebido o cachê combinado previamente. A mecânica do show business
(de qualquer tamanho) é bem diferente, o artista vive à mercê do empresário,
pelo menos o artista que ainda não se firmou.
“Graça”. Não vejo como uma preleção
impessoal, possa ser tão poderosa a ponto
de mudar a vida de Kermam. Mesmo que
modificasse seus pontos de vista, ainda precisaria arrumar uma ocupação que lhe
desse dignidade. Uma estória à toa, como,
aliás, as demais.
“Os mortos” é tido como um grande
conto de Joyce. Ficaram-me as considerações de Gabriel sobre lembranças do
passado. “...os rostos ausentes cuja falta sentimos... (rondou sobre mim aquela
nuvem que esmaece os traços das pessoas e de fatos e que os apaga definitivamente
se não os reacendemos de quando em quando). Nossa passagem pela vida é marcada por muitas
dessas recordações e, se tivéssemos de pensar nelas todo o tempo, não sobrariam
forças para desempenhar nossas tarefas entre os vivos”.
Acho que, um dia, se ainda tiver
tempo, retornarei a Dublinenses. Quem sabe, até, rasgarei essa
resenha.
(Antônio Saracura, Aracaju, julho
de 2016)
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