O REDUTO DE NHÔ NHÁ, Enéas Athanázio, 2015,88
páginas,editora Nova Letra, isbn 978-85-7682-967-6
Vi Enéas uma vez, e rapidamente, quando passou por Aracaju
em uma de suas peregrinações culturais. Ia ao Piauí, pelo que entendi. Estava
com a esposa. Isso nos idos de 2014. Trocamos livros e ganhei “O Cavalo Inveja
e a Mula Manca” que li e redigi uma rápida resenha, na qual digo (entre outros
dizeres):
“Contos curtos, úteis, ricos em raízes de nosso povo que é o mesmo povo,
esteja em Santa Catarina ou aqui em Sergipe. (...) Enéas resgata casos pitorescos, o linguajar
peculiar, o espírito irônico de um povo simples e de boa fé. É o mesmo que eu
tento fazer aqui com minhas garatujas”.
Prosseguimos ligados pela
literatura e recebi, depois, mais livros de Enéas: “O Reduto de Nhô Ná”, “O Pó
da Estrada”.
O Brasil precisa ler mais este
homem.
“O Reduto de Nhô Ná” eu li de um
tapa. Crônicas e contos que não têm
preço. Leitura agradável.
Conheci as aroeiras (eu nem sabia
que havia as mansas e as bravas, mas saber não ocupa lugar e é bom saber na
hora de beber o chá). Campos Novos
parece muito com a minha Itabaiana, muito mais fantasia que real, isso para
quem não as conhece de perto. Orestino de língua afiada, o rei da vida alheia,
em todo canto há. Agoniei-me com a cidade fantasma, tudo no lugar, mas sem
gente e sem bicho. Talvez fosse um jogo de peladas, fica no talvez, o autor sai
de fininho.
Minhas memórias dos outros sobre
o Contestado, que pouco eu sabia até então. Vagas referências dos livros de
história. Também lá, monges penitentes, com cruz no pescoço, tentaram criar uma
nação justa. Antônio Conselheiro ou João Maria são nossos heróis que a história
oficial apagou. Como aqui, as estações de trens que faziam o progresso da
nação, ruem abandonadas. Trilhos enterrados pelo monturo e capim enramado. O
apito do trem noturno foi trocado pelo vigia do quarteirão fazendo de conta que
espanta a vagabundagem. Tanto sangue
derramado, tantos sonhos, tanto sacrífico, por nada. Enéas aponta o dedo em
riste ao Brasil relapso que constrói o futuro promissor e o destrói
irresponsavelmente. Percival Farquhar
findou quebrando... Tanto quis, tanto tomou, e, de nada adiantou.
A saudosa Calmon perdeu a estrada
de ferro, ganhou abandono. Chiquinho
Alonso, com apenas 16 anos, levantou um povo valoroso contra os exploradores. Retorna
o vento quente do Contestado querendo vingança pela morte de seus líderes
iniciais (João Gualberto e José Maria), e varre encrespado os campos de quase
um Brasil inteiro.
Enéas Athanázio sai do imaginário
e retorna ao mais imaginário ainda, sai do Contestado histórico e de sua
geografia básica e entra no contestado lendário que incendiou a imaginação do
menino de oito anos. O rio Iguaçu encanta. As margens povoadas de casas da zona
conflagrada (baixo meretrício) atiçam a imaginação do futuro cronista.
Reminiscências de uma terra devastada. Para relaxar, embarquei na canoa “Winnetou”...
Varei o Curdistão Bravio, as savanas vermelhas, os desfiladeiros dos Balcãs e
outros recantos remotos da terra. O que não faz um grande escritor?
NhôNá, apelido de Genoval
Campolim, vem do sul, escapando de gente vingativa e constrói a fazenda Tabuão,
uma nação independente. Há, no ar, o cheiro de farwest americano. Ele lavou as
mãos na gamela, com sabão de cinza, e ficou pensando que poderia ser o rei
desse mundão todo. Homem irrequieto, não nasceu para convento. Ganhou confiança,
foi às farras do passado, que o fizeram correr de sua terra. Mais uma vez fica
provado que o crime não compensa e não há homem invencível. Mesmo que sejam heróis nascidos nas páginas
dos romances.
O autor busca, como faço aqui em
Itabaiana, criar a biografia de um povo desbravador, religioso, trabalhador,
sofrido, injustiçado, valente, fanfarrão, equivocado às vezes... O povo de
Santa Catarina e do Paraná, o povo brasileiro, pois é todo assim. Precisa que os
escritores contem a sua história gloriosa ou nem tanto assim. Como faz Enéas
Athanázio com invejável brilho.
(Antônio
Saracura, Aracaju, 10/08/2016)
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