sábado, 13 de agosto de 2016

O REDUTO DE NHÔ NHÁ, Enéas Athanázio

O REDUTO DE NHÔ NHÁ, Enéas Athanázio, 2015,88 páginas,editora Nova Letra, isbn 978-85-7682-967-6            

Vi Enéas uma vez, e rapidamente, quando passou por Aracaju em uma de suas peregrinações culturais. Ia ao Piauí, pelo que entendi. Estava com a esposa. Isso nos idos de 2014. Trocamos livros e ganhei “O Cavalo Inveja e a Mula Manca” que li e redigi uma rápida resenha, na qual digo (entre outros dizeres):

Contos curtos, úteis, ricos em raízes de nosso povo que é o mesmo povo, esteja em Santa Catarina ou aqui em Sergipe. (...)  Enéas resgata casos pitorescos, o linguajar peculiar, o espírito irônico de um povo simples e de boa fé. É o mesmo que eu tento fazer aqui com minhas garatujas”.

Prosseguimos ligados pela literatura e recebi, depois, mais livros de Enéas: “O Reduto de Nhô Ná”, “O Pó da Estrada”.

O Brasil precisa ler mais este homem.

“O Reduto de Nhô Ná” eu li de um tapa. Crônicas e contos que não têm preço. Leitura agradável.

Conheci as aroeiras (eu nem sabia que havia as mansas e as bravas, mas saber não ocupa lugar e é bom saber na hora de beber o chá).  Campos Novos parece muito com a minha Itabaiana, muito mais fantasia que real, isso para quem não as conhece de perto. Orestino de língua afiada, o rei da vida alheia, em todo canto há. Agoniei-me com a cidade fantasma, tudo no lugar, mas sem gente e sem bicho. Talvez fosse um jogo de peladas, fica no talvez, o autor sai de fininho.

Minhas memórias dos outros sobre o Contestado, que pouco eu sabia até então. Vagas referências dos livros de história. Também lá, monges penitentes, com cruz no pescoço, tentaram criar uma nação justa. Antônio Conselheiro ou João Maria são nossos heróis que a história oficial apagou. Como aqui, as estações de trens que faziam o progresso da nação, ruem abandonadas. Trilhos enterrados pelo monturo e capim enramado. O apito do trem noturno foi trocado pelo vigia do quarteirão fazendo de conta que espanta a vagabundagem.  Tanto sangue derramado, tantos sonhos, tanto sacrífico, por nada. Enéas aponta o dedo em riste ao Brasil relapso que constrói o futuro promissor e o destrói irresponsavelmente.  Percival Farquhar findou quebrando... Tanto quis, tanto tomou, e, de nada adiantou.

A saudosa Calmon perdeu a estrada de ferro, ganhou abandono.  Chiquinho Alonso, com apenas 16 anos, levantou um povo valoroso contra os exploradores. Retorna o vento quente do Contestado querendo vingança pela morte de seus líderes iniciais (João Gualberto e José Maria), e varre encrespado os campos de quase um Brasil inteiro.

Enéas Athanázio sai do imaginário e retorna ao mais imaginário ainda, sai do Contestado histórico e de sua geografia básica e entra no contestado lendário que incendiou a imaginação do menino de oito anos. O rio Iguaçu encanta. As margens povoadas de casas da zona conflagrada (baixo meretrício) atiçam a imaginação do futuro cronista. Reminiscências de uma terra devastada. Para relaxar, embarquei na canoa “Winnetou”... Varei o Curdistão Bravio, as savanas vermelhas, os desfiladeiros dos Balcãs e outros recantos remotos da terra. O que não faz um grande escritor? 

NhôNá, apelido de Genoval Campolim, vem do sul, escapando de gente vingativa e constrói a fazenda Tabuão, uma nação independente. Há, no ar, o cheiro de farwest americano. Ele lavou as mãos na gamela, com sabão de cinza, e ficou pensando que poderia ser o rei desse mundão todo. Homem irrequieto, não nasceu para convento. Ganhou confiança, foi às farras do passado, que o fizeram correr de sua terra. Mais uma vez fica provado que o crime não compensa e não há homem invencível.  Mesmo que sejam heróis nascidos nas páginas dos romances.

O autor busca, como faço aqui em Itabaiana, criar a biografia de um povo desbravador, religioso, trabalhador, sofrido, injustiçado, valente, fanfarrão, equivocado às vezes... O povo de Santa Catarina e do Paraná, o povo brasileiro, pois é todo assim. Precisa que os escritores contem a sua história gloriosa ou nem tanto assim. Como faz Enéas Athanázio com invejável brilho.


(Antônio Saracura, Aracaju, 10/08/2016)

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