Eu não conhecia o professor Paulino até o dia em que fui visitá-lo com
Ribeirão. Ribeirão? Esse maluco que me foi apresentado pelo livro “Os Tabaréus
do Sítio Saracura” e virou meu grande divulgador, inseparável amigo. Maluco,
veja bem, no bom sentido. Não o maluco-beleza, mas o maluco por cultura além da
conta, vazando pelos poros.
Eu estava numa fase de difícil missão. Divulgava o livro
(recém-lançado), “Meninos que não Queriam ser Padres”, para formadores de
opinião, pedindo-lhes que o lessem e escrevessem uma “resenhinha”, qualquer
coisa, sobre o livro. O professor Paulino pertencia a este naipe especial,
segundo Ribeiro me confidenciou. E puxou-me pela camisa, quase arrancando a
manga, na direção da casa ilustre. Para evitar fuga, arremetida, passou-me o cabresto do qual nenhum burro
brabo escapa.
Eu me sinto constrangido em abordar desconhecidos, especialmente, famosos,
como era o professor. Ribeiro esticava a cabresto a ponto de torar. Eu tremia por
dentro como vara verde ao vento...
Seja o que Deus quiser, então!
Fiquei na casa do professor por mais de uma hora. De boca aberta,
estupefato ante tanta sabedoria, tanta originalidade e tanta simplicidade.
Conheci sua esposa, a professora Walburga Arns, e admirei suas pinturas, suas
esculturas... e seu parentesco. Ela é prima de Dom Evaristo Arns, um santo que
ajudou a melhorar o meu País e que habita meu altar, antes mesmo da
canonização.
Saí me sentindo insignificante e gratificando. Ganhei dois presentes: o cd “Vozes e Toques Sergipanos” e o livro,
“Itinerários de Libertação”. E eu só lhe dei um rústico romance cheio de
interesses.
Foi uma troca vantajosa para mim, daquelas que o povo da Terra Vermelha
diz, brejeiro: “peguei o boi!”
Acabei de ouvir o cd e de ler o livro. O Cd desceu fácil, como água de
moringa...
Sobre o livro, pensei que não conseguiria degluti-lo, trata-se de um trabalho
acadêmico, distante de minhas informalidades. Mas dei conta, acho!
A primeira parte foca um menino que sai da zona rural e é internado num seminário de padres. É arrancado da liberdade natural, cai num emaranhado de regras e dogmas feitas para confundir, para apagar as pistas e depois levá-lo aonde quiser. Eu assisti o beijo casto, chamei mulher de “pessoa do sexo oposto”, e vi o pecado em cada revelação da natureza... Pois fui seminarista também. Que honra agora sinto em ter sido.
Mesmo após sair da primeira parte, onde o autor recupera os fragmentos
da própria experiência, eu avancei na leitura, agora dando agora mais tropeços.
Como viabilizar uma educação de acordo com as características do cliente? Cada meio apresenta nuances, anseios específicos. Parece caro demais. A educação em pacote fechado, que custa menos devido à padronização, nestes anos todos de aplicação ainda não atingiu os alvos carentes...
Vejam a ignorância generalizada do povo!
Mesmo o meio termo conciliador, misto de educação padrão e específica, não parece possível. Preservar, quase sempre, fica mais caro do que substituir. E vemos, a cada dia, costumes, jeitos de ser, expressões culturais de comunidades serem dizimadas pelos pacotes disparados dos gabinetes. Desde os tempos antigos, como a nossa cultura nativa substituída, à trabuco, pelos equívocos e ganância do colonizador, muito mais primitivo.
Os lares do Brasil sorvem o veneno destilado pelos aparelhos de TV.
Nossos jovens desaprendem a pensar, perdem o gosto de ler livros.
Chorei a morte de João de Plácido, representante da cultura que não tem mais quem a consuma ou dê o justo valor. Estamos todos robotizados, atrás do trio elétrico, pulando inconsequentes, hipnotizados pela mediocridade.
E concluo torcendo pelo sucesso da educação libertadora. Precisamos repensar o nosso “ser-e-fazer””, conforme ensina o professor José Paulino da Silva.
(Aracaju, 2010nov01, por Antônio FJ Saracura)
Nota: O professor Jose Paulino faleceu em Aracaju, 3m 2022nov30.
José Paulino da Silva é formado em Pedagogia e Filosofia, Mestre em Educação e Doutor em Filosofia e História da Educação. Nascido em Cachoeira do Taépe – Surubim Pernambuco, em 1942. Veio para Sergipe trabalhar na Universidade Federal, onde além de professor, coordenou o projeto de pesquisa: “Resgate da Memória Histórica: Canudos Ontem e Hoje”. Exerceu atividades administrativas tendo sido Pro-Reitor de Assuntos Estudantis, Pro-Reitor de Pesquisa e Vice Reitor. Em 1993, recebeu o título de cidadão sergipano. Tem trabalhos publicados nas áreas da Educação, Cultura Popular e História da Guerra de Canudos. Para ele, “uma educação de qualidade deve desenvolver sobretudo, o senso crítico e a solidariedade” (https://al.se.leg.br/nota-de-pesar-alese-lamenta-a-morte-do-professor-jose-paulino-da-silva/).
Publicado no Zona Norte de Aracaju em 2022jan04
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