domingo, 29 de maio de 2016

O VENDEDOR DE SEREIAS, Robério Santos




O VENDEDOR DE SEREIAS, Robério Santos, InfoGraphics,150 pág,21cm,2011,Isbn 978-85-911889-0-1



O título instiga!

Deve ser um livro policial!
Mistérios, perseguições, crimes...


Antevejo o gordo Smiley, andando pelos cantos escuros de Itabaiana, acompanhado de perto por um Robério sorrateiro após dar um nó em Jonh le Carré.

Carrego um trauma de não ter engolido adequadamente “Ulisses” de James Joyce e “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” de Saramago. Fiz algumas tentativas de dominá-los, mas tive que desistir. Eles foram muito mais fortes do que eu, ou melhor, do que minha capacidade de entender. Aconteceu também com “Os Sertões” de Euclides da Cunha, este quando era ainda adolescente. Não consegui andar pelos chãos cascudos do sertão nordestino adequadamente. Retrocedi alguns quilômetros e muni-me de um dicionário, avancei devagar. Quando cheguei ao Homem e à Guerra, a Terra já não era a mesma inóspita e, ao final do livro, até faria uma rocinha nela, se conseguisse comprar lá um sitiozinho de final de semana. “Zumadunu”, de Airton Lócio, é outro livro (este sergipano) que me venceu, mandou-me embora antes do meio. Considero um trauma, porque os livros acima são clássicos ou estão expostos nas gôndolas das livrarias da cidade. Para receber a marca de clássico é preciso impor-se. Por outro lado, nenhum livreiro manteria um livro ocupando um local assim tão nobre se não prestasse, contaminaria os vizinhos, recomendaria mal a loja.

O peixeiro Felipe, com banca estabelecida na feira de Itabaiana, fica rico, muito rápido. Ligeiro demais para o gosto do detetive Mário Sal (delegado aposentado compulsoriamente por problemas mentais), que declara odiar “quem fica rico de um dia para a noite”. Vige!

Mas, em vez de Mário Sal cuidar de suas obrigações “profissionais”, esclarecendo o mistério do enriquecimento talvez ilícito, resolve contar seus podres ao leitor atônito, que estava muito mais a fim de ação. O provável contraventor (Vendedor de Sereias) é mantido em um segundo plano confortável, para desespero dos meninos de rua, das prostitutas, dos homossexuais, dos mendigos, dos poetas em busca da rima certa, dos ricardões retardatários...

Cuidado, Itabaiana!

E então chega à cidade, saído direto do “Silêncio dos Inocentes”, doutor Hanibal Lecter (disfarçado no italiano Bach). Ou o próprio Anthony Hopkins em pessoa, não consigo separar um do outro. Deve ter sentido o cheiro da sua iguaria preferida.

O detetive continua tresvariando sobre a cultura universal, desde o poeta Mário Jorge até as teias de aranhas (seriam viúvas negras?) de psiquiatras (ou psicopatas?) célebres. O negócio do peixeiro deslancha, deixando-o ainda mais rico.  E eu, cada vez mais agoniado...

Minha agonia começou logo na página 45   com “Alguns Sonhos e Inverdades” indo até a “Coragem Extrema e Final” (página 141) se bem que vivi (não vou negar) momentos inesquecíveis, com “um calcanhar sendo desprendido da janela” (bonito e sádico) e com o beijo da “briba” albina (romântico e trágico): Pérolas puras!

Robério Santos (poeta, fotógrafo, cineasta, jornalista, revolucionário, professor, imortal da Academia Itabaianense de Letras... Ufa!) saiu com a câmera na mão, à La Glauber, captando o mundo fora e dentro de seu detetive maluco (e de outros alter egos), sem pena da gente, deixando-nos à mercê dos dentes afiados de Lecter e da peixeira mais amolada ainda de Felipe.  

Há livros que nos conduzem pela superfícies, outros pelas profundezas e outros (como este) oscilam entre uma e outra, um turbilhão, matando seres de guelras ou de pulmões. Parece um poema, daqueles misteriosos que pouca gente consegue aspirar todo o perfume.

O Vendedor de Sereias é uma história intrigante, macabra, profunda, maluca.

Li duas vezes o livro inteiro e, algumas partes, muito mais vezes. Foi dureza, mas, ao final de tudo,   senti-me gratificado, pelo conjunto da obra.

(Resenha escrita em 2011, quando o livro foi lançado).

Obs:

Tenho lido nas redes sociais que O Vendedor de Sereis virou filme, estará nos cinemas (youtube) logo, logo.

(fim da resenha)

xxx

ANOTAÇÕES FEITAS 03 DE ABRIL DE 2011 QUE SUBSIDIARAM A RESENHA ACIMA (agora,  em 31 de maio de 2019, resolvi apendar aqui, para não as perder).

Ao Robério Santos (retorno)

Sinto que você tem uma cultura mais livre, mais insubordinada além de mais profunda do que a que acho que possuo. Terei que me acostumar, ou melhor, que aprender a entendê-la.
Tecerei ligeiras impressões sobre os quatro textos que tenho à mão de sua autoria.

1)      ADELARDO

Muito bom. Apenas acho que se trata de uma reportagem (ou crônica). Pelo que me parece, não é conto. Pelo menos, da maneira que vejo o conto. Mas eu não sou especialista no assunto.

2)      CONTO CUM –

Entrou em casa rapidamente, abraçou seu marido. Eles fizeram amor pela primeira vez ao som dos sapos, grilos e luz de candeeiro. O mundo havia entrado no eixo”.

Acho que deveria terminar ai em “NO EIXO”. Mesmo assim, sofri com o estilo, fora do que estou acostumado. O texto final, após esse ponto (Nove meses depois, final de 1909 nasceu José Vieira. José Vieira casa com Enedina...) pareceu-me mais uma anotação para não esquecer depois, um adendo que prejudica o fim glorioso da narração. Só acho, não tenho certeza! Afora os pequenos erros (talvez de digitação)...

3)     O JUMENTO

O começo é erudito demais, chega ficou meio cansativo. O fim (End) me pareceu meio forçado, quiçá inverossímil. Que terreno pequeno é esse? Existe? Você tem um jeito peculiar de contar as coisas que me deixa meio desorientado.


4)     O VENDEDOR DE SEREIAS


Acabei de ler pela segunda vez. Confesso que na primeira quase bato pino quando você entrou dentro de Mário Sal (ou ele mesmo entrou dentro dele, com o seu consentimento) com os desvarios para os quais não estava preparado, como ainda não estou. Se bem que, lá na história da largartixa e do pulo do 10 andar eu gostei. Acho que tem muita poesia, se bem que sádica (lagartixa) e macabra (10 andar). A segunda leitura me fez andar mais maneiro, se bem que ainda sofri sobressaltos, fiquei perdido e talvez aconteça o mesmo com boa parte dos seus leitores.

Há livros que nos levam pelas superfícies, outros pelas profundezas das águas e outros (como este) nos puxam para baixo e nos empurram para cima, quase nos matando, tenhamos pulmão ou guelras. Eu ainda estou me debatendo, tentando entender o que  todo o miolo do texto (da página 45 até a 136) tem com o “Vendedor de Sereias”.  Espero que não tenha sido apenas para dar corpo ao livro, como Sal diz na página 59. Se foi, achei um corpo estranho! Um corpo estranho mas sem deixar de ser instigante, maluco, tipo Raul Seixas ou Mário Jorge (parece que era também). Um corpo que precisa ser dissecado para me deixar em paz. Por fim, seu livro transita em atmosferas para as quais ainda não estou pronto para respirar sem aparelho. Meio doidas, conforme você mesmo diz em alguns lugares.

PS:
Bem, meu amigo... O que escrevi acima é de foro privado. É que me senti na obrigação de dar-lhe algum feedback em vista da gentileza que tem me dispensado. 
Um grande abraço,
Antônio Saracura (03.04.2011).


xxx 


O vendedor de Sereias
(rascunho de uma resenha preliminar escrito em março ou abril de 2011). 


Carrego um trauma comigo de não ter engolido adequadamente “Ulisses” de James Joyce e “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”  de  Saramago. Fiz algumas tentativas de dominá-los, mas tive que desistir. Eles foram muito mais fortes do que eu, ou melhor, do que minha capacidade de entender. Aconteceu também com “Os Sertões” de Euclides da Cunha, este quando era ainda adolescente. Não consegui andar pelos chãos cascudos do sertão nordestino adequadamente. Retrocedi alguns passos e muni-me de um dicionário, avancei devagar. E para minha incomensurável satisfação cheguei fagueiro à Guerra e ao Homem. E então, acolhi a terra como minha por conhecê-la agora.

Não quero igualar aqui o livro de Rogério Santos aos três tesouros citados. Está em pauta a minha incapacidade de deglutir, do que poderia enumerar testemunhas nem tão célebres, como “Zumadunu”, de Airton Lócio, e alguns autores de livros repetitivos de “auto-ajuda”.

Rogério tinha um roteiro (Fillipe) e saiu com a câmara da mão, à La Glauber Rocha, captando o mundo fora e dentro dele (e de alguns alter-egos), nem ligando para os leitores medíocres, como eu, que mesmo correndo, mesmo voando, mesmo prestando a maior atenção, perde-se a cada página. Entrei em parafuso (parte III) quando o enredo passou para o mundo dos sonhos, dos desvarios, dos desejos, das vaidades, da interação comigo, a essa hora já enraivado e querendo voltar para casa. Pode até ser presepada de gênio, e deve ser mesmo. Com certeza é, pois me pareceu um nível dos grandes poetas de minha terra, desorientando-me com seus enigmas, para o que só escuto aplauso.

É um livro interessante, mas que o leitor tem que aprender a ler e querer gostar dele. Se não pode abandoá-lo logo no inicio da parte III (alguns sonhos e inverdades, prólogo dentro do prólogo), quando o personagem louco ou sem juízo nenhum  (só pode ser!) dana-se a pintar telas abstratas com um pincel desgovernado. Neste ponto é que o livro quebra de vez o comportamento prometido e solta, de vez, a franga e todo o galinheiro. Puro desvario. Um vômito antes da ingestão (muito antes da digestão, como cita em algum lugar). O autor abandonou a história e enlouqueceu aqui à minha frente, que sou um leitor comprometido. “Que coisa!”  E causa repulsa o que diz na página 59 (etapa final) a deslealdade em aproveitar escritos que nada tem a ver com a história, apenas para dar corpo ao livro. E jogo do nascimento de Jesus Cristo, só faltando o aparecimento dos Ries magos. Mas talvez fosse o fedorendo, pela gosma esverdeada vomitada  e pela necessidade de ser eliminado aos sete anos. Fosse um ou outro, para nada serviu, nem como mensageiro da boa ou da má nova.  E introduz Mário Jorge Vieira (esperei Raul Seixas de braços dados com Paulo Coelho navegando num caule de maconha. O outro ego de Robério  transita maluco da página 15 a 109, passando aqui a falar de coisas mais doces, como a lagartixa degolada ou o amigo voador. Tocaram-me pela beleza trágica e sádicos os capítulos  15 e 20. E no 21 volta de novo o teto rachado de Paes Leme. Até o capítulo a página 139 pouca coisa o leitor menos doido consegue absorver. As sete folhas finais conclui a novela do vendedor de sereias na feira de Itabaiana, abandonada na página 59.

Para dizer que o personagem (Mário Sal) era perturbado bastava uma frase (acho!).
O ENFP (quem sou eu?) ficou tedioso, até agressivo, para os que não são iniciados em Carl Gustv Jong. Aparentemente (para os menos eruditos) este texto nada tem a ver com o tema do livro. O texto revela Mário ou Robério? Pode ter dado corpo ao livro, mas corpo estranho, que dificuldade o entendimento do leitor comum.

Depois de quase soçobrar no turbilhão do sonho de Herminiano (página 47, que comentei no parágrafo anterior), as estradas seguintes ficaram mais maneiras e até muito bonito e trágico, como o 15 com o poema da lagartixa, e muito bonitas e sádicos como o capitulo 20 e o filme insólito do amigo desde o calcanhar sumindo no patamar da janela até o monte de fatos na rua. Até o capitulo 20, onde o sonho de Emiliano é recontado com o mesmo texto, agora muito mais amigável. Se bem que continua provocando leitores bem comportados (como eu) pois veja o nascimento do menino Jesus ao avesso, não serviu para nada depois. E em algumas horas, ainda me confundi se não era Robério que falava no lugar de policial esquizofrênico (?) Mário Sal. Os capítulos curtos facilitam a leitura, as citações de clássicos amenizam muito as feridas, como a (dispensável) pedrada no alto da colina, que bem poderia não ter sido escrita.

Confesso que andei meu perdido na primeira leitura. E na segunda, um pouco menos, mas perdido também. Era essa a intenção?

Para escrever sobre esse livro prefiro dizer que a prosa de Robério é um poema, daqueles poemas misteriosos que pouca gente consegue aspirar todo o perfume. Para escrever-se sobre O Vendedor de Sereias precisava de um livro até maior do que ele.



 Antônio Saracura  




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