sábado, 9 de dezembro de 2017

UMA HISTÓRIA DO POVO DE SERGIPE, Antônio Risério,

UMA HISTÓRIA DO POVO DE SERGIPE, Antônio Risério, Editora; Seplan, 2010, Páginas: 612, Isbn 978-85-63493-00-2


Há mais de um ano, eu estava (às vezes vou como penetra) na sessão da Academia Sergipana de Letras, na tradicional reunião das segunda-feira à tarde. Luiz Antônio Barreto, um dos ilustres e imortais da casa, falava sobre um livro que recebera de alguém do Palácio do Governo. E estava indignado, como se o livro fosse um livro criminoso, desonrasse a historiografia sergipana. Anderson Nascimento (o presidente) e meia dúzia de acadêmicos que é o máximo que aparece por lá toda segunda, ergueram-se nas cadeiras como seu tivessem sido atingidos por um ferrão. Isso quando Luiz Antônio leu um trecho do livro: ”Para uma tentativa de compreensão mais aberta, real e profunda da alma e da vida da gente da Cotinguiba, o Xangô e a Taieira têm muito mais a dizer do que a Academia Sergipana de Letras, em que pese a importância da obra individual de meia dúzia de seus membros”.

Tentei pegar emprestado, mas Luiz não concordou. O livro fora escrito por alguém da Bahia (nunca diziam o nome) e mando da Secretária de Planejamento, dirigida por Maria Luiza de Oliveira Falcon. 

Custara uma pequena fortuna.

O livro sumiu de todo canto, até das conversas. Mas eu o guardei na memória e sempre mantive a esperança de um dia o ler. Circulou um zum-zum-zum alguns meses depois de que o governador Marcelo Deda havia recolhido os exemplares em poder de intelectuais e de bibliotecas, e o mandara queimar.

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Em dezembro de 2012, eu estava na casa de Euclides Oliveira, um jornalista e intelectual lagartense que me dá muito valor, quando ele mostrou-me o tal livro, havia comprado em um sebo da cidade por cinco reais. Folhei-o rapidamente, era um calhamaço, e aqui e acolá havia um carimbo redondo rasurado, indicando o nome ilegível de uma biblioteca (talvez Biblioteca Municipal professora Maia Helena Reis de Moura), de onde fora roubado e passado ao Sebo.

Euclides emprestou-mo e acabei de ler em janeiro de 2013. Devolvi e, tempo depois, quis o livro de volta, havia sumido da biblioteca do intelectual papa-jaca.

Não sou historiador, não pertenço a elite universitária, mas vou arriscar um julgamento (como leitor):
É um livro útil e bom. Congrega os principais fatos que aconteceram na formação de nosso Estado e de nosso povo, desde às origens mais remotas aos dias atuais. O autor (como promete na introdução) serve-se do que foi produzido por nossos historiadores e cronistas (Anderson Nascimento, Felte Bezerra, Maria Thétis Nunes, Clodomir Silva, Terezinha Oliva, Darcy Ribeiro, Silvio Romero e muitos outros) para contar a história do povo de Sergipe.

Gostaria de ter esse livro na minha biblioteca.

Ele divulga eventos da nossa história e revela heróis dos quais nunca ouvira falar. Detalha situações engrandecedoras e outras até vexatórias (a célebre retirada das 12 léguas). A maneira de tratar as citações faz com o livro se transforme numa boa leitura, quase um romance, sem perder o embasamento histórico necessário. Acho.

Agora, lendo o texto citado por Luiz Antônio naquela tarde na Academia Sergipana de Letras (Nota do Autor, página 26 e 27), não acho motivo para tanta indignação. Na oportunidade, eu e todos que estávamos na sala reagimos pelo efeito dominó, como se o livro fosse um desrespeito à Academia sagrada, contaminados pela revolta do insigne intelectual LAB.

Por que recolheram (queimaram?) um livro desses?

Transcrevo a seguir trechos que mereceram sublinhamento na leitura (que me perdoe o dono, Euclides Oliveira; quem mandou me emprestar?):

(Página 52): “Diz Alfredo Metraux (sobre os tupinambás), em “A Religião dos Tupinambás”, que eles lambiam até a gordura que escorria pelos varais. Mulheres ficavam com a genitália assada do sujeito. Crianças eram levadas a embeber as mãos no sangue. E, para os bebês, também participarem da festa (antropofágica), mulheres molharam de sangue os bicos dos peitos, dando-lhe de mamar”. (...) “Os Tupinambás não comiam a pessoa, mas a condição de inimigo, incorporavam o incorporal (Viveiros de Castro, em Os Deuses Canibais).”.

(Página 58): Os tupinambás gostam do envolvimento carnal com indivíduos do mesmo sexo. Homossexuais chegavam a abrir casas públicas ao longo dos caminhos mais frequentados pelos guerreiros, a fim de recebê-los em seus braços (o autor).

(Página 127): “Os paulistas com toda a disposição desbravadora e guerreira de seus bandeirantes, nunca deram a mínima importância para o fato de que grande parte do Brasil caíra sob o controle batavo, para permanecer nessa situação por nada menos de duas décadas e meia. Enquanto os luso brasileiros guerreavam no nordeste, os bandeirantes só pensavam em assaltar missões para prear índios” (o autor).

(Página 186): “ Maria Thétis Nunes ... entre esses mestiços estavam personagens semilendários da história de Sergipe, como Simão Dias, o francês, que, fugindo à chegada dos holandeses e desobedecendo às ordens de Bagnuolo de retirar-se para a Bahia, refugiou-se, com seus rebanhos nas matas de Itabaiana, onde daria origem a povoação que ainda hoje leva o seu nome “. (cita outros).

(Página 216): Jean de Léry registrou também o hábito indígena de comer de arremesso, com relação à farinha. “Os Tupinambás, tanto os homens como as mulheres, acostumados desde a infância a comê-la seca em lugar do pão, tomam-na com os quatro dedos na vasilha de barro ou em qualquer outro recipiente e a atiram, mesmo de longe, com tal destreza na boca que não perdem um só farelo.”

(Página 227) :O crescimento dos algodoais na Cotinguiba, como em Itabaiana, deve ser visto como um reflexo da Revolução Industrial.”

(Página 341): Soneto e Gregório de Matos (boca do inferno) viu assim da cidade de São Cristóvão, capital da província. Pra que esconder?

“Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos de mentrastos entupidos
Quinze soldados rotos e despidos
Doze porcos na praça bem criados.

Dois conventos, seis frades, três letrados
Um juiz com bigodes sem ouvidos
Três presos de piolhos carcomidos
Por comer dois meirinhos esfaimados.

 As damas com sapatos de baeta
Palmilha de tamanca como frade
Saia de chita, cintura de raqueta.

O feijão que só faz ventosidade
Farinha de pipoca, pão de greta
De Sergipe Del Rei esta é a cidade.”

(Página 408): ”Como se não bastasse, a província foi atingida em cheio, por volta de 1855, por uma epidemia de cólera. Uma epidemia arrasadora, matando milhares e milhares de pessoas. Muitas delas nas plantações.”

(Página 556): “Por não ter Sergipe se beneficiado da política de industrialização do Nordeste (por que teria sido?). Dos 642 projetos industriais aprovados pela Sudene no período de 1960 a 1968, num total de investimento global de Cr$3.424.866.320,00, Sergipe foi beneficiado com 14 projetos apenas, num montante de Cr$50.714.000,00, ou seja, pouco mais de 1%. (citando Maria da Glória).”

(Resenha escrita em janeiro de 2013).

Nota de 18 de junho de 2017:

Encontrei o livro de novo com Ana Medina, acadêmica, agora tenho uma cópia xerox em casa. Vou ler com calma oportunamente e tentar achar o motivo da condenação da obra pela nossa intelectualidade. E quem sabe redimir-me por essa crônica apressada. 

5 comentários:

  1. Tenho o livro Uma historia do povo de Sergipe de Antônio Risério para venda .Rua Lagarto 370 Sebo do Natan 79 996586908

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  2. Concordo com tudo o que você escreveu, inclusive se ofender porque alguém diz que tem mais a aprender em outro lugares do que com você, só dá, ainda mais, razão ao autor...rs. É um livro excelente, de um autor que tem alguns trabalhos interessantes, especialmente sobre a Bahia. Eu consegui a minha cópia através do seu estado, paguei R$ 50,00 + frete. Embora você já tenha o xerox, acho que vai conseguir a sua também, veja essa matéria: https://infonet.com.br/noticias/educacao/seplag-doa-livros-de-historia-para-as-escolas-estaduais/
    A minha não possui carimbos de biblioteca mas, provavelmente, deve ser desse lote. Logo vão aparecer no mercado...

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  3. Finalizando, gostaria apenas de deixar uma impressão que a matéria do link acima me deixou: Distribuir um livro de tal complexidade para bibliotecas de escolas públicas só mostra como nossos governantes não conhecem a realidade de seu público. Você pode contar nos dedos de uma só mão a quantidade de alunos com capacidade e vontade para digerir tal obra. Parece que queriam desaparecer com os livros que estavam guardados e optaram por essa ação, justamente porque sabem que não serão lidos. O governo devia criar obras de história de Sergipe com foco nesse público para distribuir nas escolas, obras adequadas ao perfil e idade dos alunos, não fazer isso. É algo como dar um caminhão para quem não sabe nem andar de bicicleta ainda. Conhecimento leva tempo e possui etapas...

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  4. Alguém saberia dizer o motivo pelo qual o livro foi tirado de circulação? Teria sido pelas críticas feitas pela Academia Sergipana de Letras? E essas críticas, se devem a que? Apenas pelo trecho citado?

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