quarta-feira, 25 de novembro de 2020

MARIA NUNES PEIXOTO uma mulher cheia de amor

 

MARIA NUNES PEIXOTO uma mulher cheia de amor, Josias Peixoto Neto, 2011, 176 páginas, J Andrade.



Meu pai é originário do Cajueiro, de onde meu avô Pepedo Saracura migrou para Terra Vermelha, quando comprou o velho sítio de Eduardo Silveira (pai de Zeca Mesquita do cartório), que ainda hoje nos pertence. Cajueiro, Canário, Congo, Terra Vermelha e Pé do Veado (povoados da região centro do município de Itabaiana) confundem-se em muitas das suas divisas.

Pepedo Saracura mudou-se para Terra Vermelha, mas dois irmãos permaneceram no Cajueiro: Pedro de Mané José, e Chagas. Este último, teve uma filha (Bila) casada com João de Jerome, irmão de Basto Peixoto, o patriarca dos Peixotos.

Assim, Saracuras e Peixotos conviveram a mesma vida dura dos sítios e respiraram o ar abençoado da serra que afaga esses povoados heroicos de Itabaiana. E pode-se dizer que tinham (e têm) sangue irmão.

A mãe dos dezesseis peixotinhos, Maria Nunes Peixoto (personagem central do livro) esposa de Bastos (que é Sebastião), sempre foi amiga de minha mãe (Florita). Desde criança.

Maria provem do Pé do Veado, de um sítio na divisa com as Flexas, terra de minha mãe, que vocês conhecem bem, se leram Os Tabaréus do Sírio Saracura e os demais livros que publiquei até agora.

Minha mãe sempre contou que Maria, quando a encontrava nas missas em Itabaiana perguntava qual o segredo para ter um filho padre. “Eu não sei mais o que fazer. Rezo muito e meus filhos não querem saber de entrar no seminário, enquanto o seu Tonho (era eu) já é um padrezinho”.

Maria conseguiu ordenar dois (Antônio e Jerônimo) e mamãe nenhum (pois larguei a batina ainda no seminário menor).

Há alguns anos, minha esposa trouxe-me da faculdade onde estudava um livrinho de versos. Uma colega, chamada Inês, de Itabaiana, lhe emprestara para ler e lhe devolver no dia seguinte. Era história em cordel de sua família Peixoto do Cajueiro, escrito por Bastos, pai de Inês.

Li de um fôlego e resolvi escrever também um livro parecido sobre a minha família. Daí nasceu o cordel “A Família Saracura”, que redundou em “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, que publiquei em 2008, e hoje já possui cinco edições.

“Os Tabaréus do Sítio Saracura” chegou às mãos de Basto, que eu conhecia pela amizade dele com meu pai. Então, tive a honra de desfrutar de sua convivência, quando saboreei seus poemas. Também tentei desarmar as engenhosas armadilhas cinzeladas com esmero, mas não consegui. E quando participei da equipe para criação da Academia Itabaianense de Letras, indiquei o nome de Sebastião Nunes Peixoto (Bastos) como patrono de uma cadeira (ele já era falecido), imortalizando o poeta do agreste de Itabaiana.

 

Xxx

Talvez também pelo que acabo de contar, o livro de Josias Peixoto (“Maria Nunes Peixoto – uma mulher cheia de amor”) atingiu-me como uma língua de fogo. Recebi a joia, trazida por Lourdinha, minha irmã de Itabaiana. O livro fora distribuído no aniversário de Maria aos convivas, e eu não pude estar presente. Veio com uma significativa dedicatória feita por Josias Escovado (pai do autor?), de quem sou admirador, ele só tem lado bom, apesar de feinho.

Acabei de ler agora, afogado em emoção. Senti arfar do coração em cada palavra, em cada frase.

Lições de vida, resgate dos costumes de nosso povo dos sítios. Acompanhei as novenas nas vésperas dos dias santos de guarda, as via sacras pelos sítios vizinhos.

Postei-me contrito (sou pecador renitente) ante o santo oratório da varanda. Rezei o Terço e o Santo Ofício e fui a pé até à cidade, quase inacessível, para assistir à missa das oito.

Testemunhei a luta pelo estudo dos filhos; era o caminho indicado por Deus aos pais analfabetos.

Participei sorrateiro na repartição e multiplicação do pão, disputando um pedacinho com tantos passarinhos de bico grande e aberto. Até chegar alguidar, arranquei muitas penas dos pobrezinhos.

 O livro todo, como a vida da família Basto (Nunes Peixoto), é entranhado de fé, de religiosidade. Os Salmos, os Evangelhos, as Epístolas fluem em citações como se fossem a própria vida da família, junto com casos engraçados que deflagram intermináveis gargalhadas:

Como a história da cirurgia que seu Basto teria que fazer em Aracaju... Adelson, um dos filhos, que o levava à hospital, passou antes na Funerária, para resolver alguns assuntos administrativos, era o dono. “Vai fazer o que ai?” O filho responde com o mesmo com a mordacidade do pai: “Pegar logo o seu caixão. Possa ser que o senhor não resista e, assim, não precisarei voltar à Itabaiana”

Como também, na morte do velho Jerônimo (Jerone, pai de Bastos)... Bastos, antes de ir buscar o caixão em Itabaiana, era rapagote, pediu uma farofa com café, pois estava com tremendo de fome. A mãe questionou, achando perda de tempo, atrasaria o sepultamento. Então Bastos se explicou: “Eu estou ainda vivo e preciso trazer de Itabaiana um caixão na cabeça!”.

Como no golpe aplicado pelo esmoler que quase levou o feijão todo da família...   O esmoler se aproveitou  da bondade do menino Antônio que, ao despejar uma cuia no saco dele, perguntava: “O senhor quer mais? Ainda tem muito!”

Xxx

O livro é um testemunho da vida de “uma mulher cheia de amor”. Também a heroica história do povo do Cajueiro, do povo dos outros povoados de Itabaiana, quiçá do mundo. De nosso povo simples que arranja o pão de cada dia com o suor do corpo, literalmente. 

O livro alcança, com sobra, ao que se propôs o autor: “apontar algumas dimensões da vida de sua mãe (Maria Nunes Peixoto), relacionando-as com o meio, com a família, com as pessoas, com os costumes de seu tempo.”

É uma boa leitura, que agradará certamente a quem tiver a oportunidade de encontrar ainda um exemplar.

Antônio FJ Saracura, Aracaju, 02 de fevereiro de 2020, recuperada em novembro de 2020).


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