MARIA NUNES PEIXOTO uma mulher cheia de amor, Josias Peixoto Neto, 2011, 176 páginas, J Andrade.
Meu pai é originário do Cajueiro, de onde meu avô Pepedo Saracura migrou para Terra Vermelha, quando comprou o velho sítio de Eduardo Silveira (pai de Zeca Mesquita do cartório), que ainda hoje nos pertence. Cajueiro, Canário, Congo, Terra Vermelha e Pé do Veado (povoados da região centro do município de Itabaiana) confundem-se em muitas das suas divisas.
Pepedo Saracura mudou-se para Terra Vermelha, mas dois
irmãos permaneceram no Cajueiro: Pedro de Mané José, e Chagas. Este último,
teve uma filha (Bila) casada com João de Jerome, irmão de Basto Peixoto, o
patriarca dos Peixotos.
Assim, Saracuras e Peixotos conviveram a mesma vida
dura dos sítios e respiraram o ar abençoado da serra que afaga esses povoados
heroicos de Itabaiana. E pode-se dizer que tinham (e têm) sangue irmão.
A mãe dos dezesseis peixotinhos, Maria Nunes Peixoto
(personagem central do livro) esposa de Bastos (que é Sebastião), sempre foi
amiga de minha mãe (Florita). Desde criança.
Maria provem do Pé do Veado, de um sítio na divisa
com as Flexas, terra de minha mãe, que vocês conhecem bem, se leram Os Tabaréus
do Sírio Saracura e os demais livros que publiquei até agora.
Minha mãe sempre contou que Maria, quando a encontrava
nas missas em Itabaiana perguntava qual o segredo para ter um filho padre. “Eu não
sei mais o que fazer. Rezo muito e meus filhos não querem saber de entrar no
seminário, enquanto o seu Tonho (era eu) já é um padrezinho”.
Maria conseguiu ordenar dois (Antônio e Jerônimo) e
mamãe nenhum (pois larguei a batina ainda no seminário menor).
Há alguns anos, minha esposa trouxe-me da faculdade
onde estudava um livrinho de versos. Uma colega, chamada Inês, de Itabaiana, lhe
emprestara para ler e lhe devolver no dia seguinte. Era história em cordel de
sua família Peixoto do Cajueiro, escrito por Bastos, pai de Inês.
Li de um fôlego e resolvi escrever também um livro
parecido sobre a minha família. Daí nasceu o cordel “A Família Saracura”, que redundou
em “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, que publiquei em 2008, e hoje já possui
cinco edições.
“Os Tabaréus do Sítio Saracura” chegou às mãos de Basto,
que eu conhecia pela amizade dele com meu pai. Então, tive a honra de desfrutar
de sua convivência, quando saboreei seus poemas. Também tentei desarmar as
engenhosas armadilhas cinzeladas com esmero, mas não consegui. E quando participei
da equipe para criação da Academia Itabaianense de Letras, indiquei o nome de
Sebastião Nunes Peixoto (Bastos) como patrono de uma cadeira (ele já era
falecido), imortalizando o poeta do agreste de Itabaiana.
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Talvez também pelo que acabo de contar, o livro de
Josias Peixoto (“Maria Nunes Peixoto – uma mulher cheia de amor”) atingiu-me
como uma língua de fogo. Recebi a joia, trazida por Lourdinha, minha irmã de
Itabaiana. O livro fora distribuído no aniversário de Maria aos convivas, e eu
não pude estar presente. Veio com uma significativa dedicatória feita por
Josias Escovado (pai do autor?), de quem sou admirador, ele só tem lado bom,
apesar de feinho.
Acabei de ler agora, afogado em emoção. Senti arfar
do coração em cada palavra, em cada frase.
Lições de vida, resgate dos costumes de nosso povo
dos sítios. Acompanhei as novenas nas vésperas dos dias santos de guarda, as
via sacras pelos sítios vizinhos.
Postei-me contrito (sou pecador renitente) ante o
santo oratório da varanda. Rezei o Terço e o Santo Ofício e fui a pé até à
cidade, quase inacessível, para assistir à missa das oito.
Testemunhei a luta pelo estudo dos filhos; era o
caminho indicado por Deus aos pais analfabetos.
Participei sorrateiro na repartição e multiplicação
do pão, disputando um pedacinho com tantos passarinhos de bico grande e aberto.
Até chegar alguidar, arranquei muitas penas dos pobrezinhos.
O livro todo, como a vida da família Basto (Nunes Peixoto), é entranhado de fé, de religiosidade. Os Salmos, os Evangelhos, as Epístolas fluem em citações como se fossem a própria vida da família, junto com casos engraçados que deflagram intermináveis gargalhadas:
Como a história da cirurgia que seu Basto teria que
fazer em Aracaju... Adelson, um dos filhos, que o levava à hospital, passou antes
na Funerária, para resolver alguns assuntos administrativos, era o dono. “Vai
fazer o que ai?” O filho responde com o mesmo com a mordacidade do pai: “Pegar
logo o seu caixão. Possa ser que o senhor não resista e, assim, não precisarei
voltar à Itabaiana”
Como também, na morte do velho Jerônimo (Jerone, pai
de Bastos)... Bastos, antes de ir buscar o caixão em Itabaiana, era rapagote, pediu
uma farofa com café, pois estava com tremendo de fome. A mãe questionou, achando
perda de tempo, atrasaria o sepultamento. Então Bastos se explicou: “Eu estou
ainda vivo e preciso trazer de Itabaiana um caixão na cabeça!”.
Como no golpe aplicado pelo esmoler que quase levou
o feijão todo da família... O esmoler se aproveitou da bondade do menino Antônio que, ao
despejar uma cuia no saco dele, perguntava: “O senhor quer mais? Ainda tem
muito!”
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O livro é um testemunho da vida de “uma mulher cheia de amor”. Também a heroica história do povo do Cajueiro, do povo dos outros povoados de Itabaiana, quiçá do mundo. De nosso povo simples que arranja o pão de cada dia com o suor do corpo, literalmente.
O livro alcança, com sobra, ao que se
propôs o autor: “apontar algumas dimensões da vida de sua mãe (Maria Nunes
Peixoto), relacionando-as com o meio, com a família, com as pessoas, com os
costumes de seu tempo.”
É uma boa leitura, que agradará certamente a quem
tiver a oportunidade de encontrar ainda um exemplar.
Antônio FJ Saracura, Aracaju, 02 de fevereiro de
2020, recuperada em novembro de 2020).
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