HISTÓRIA
DE MINHA INFÂNCIA, Gilberto Amado, ISBN: 978-85-87110-01-15,205p, Editora: UFS
Não se pode dissecar um grande livro, pois certamente ocuparia mais páginas do que o texto original.
Aqui como lá não aponto a página do livro onde aparecem. Acho que seria necessário, pois em qualquer página que se obra de Gilberto se encontra construções e ideias tão belas quanto.
"Pedimos-lhes foices e começamos a derrubar as socas de senhorzinho (canavial velho assim chamado). Que festa! Eu mal podia com minha foice. Mas como desejava ver calo, empola de cabo de foice me pipocar nas palmas da mão! Súbito, soltei um grito. Zebelô disparou estrada afora. Minha perna esquerda era um rio de sangue. O tarugo tinha me passado a foice. Carregaram-me para o cavalo. Em casa, seu Alexandre empalideceu. Maria dos Passos saiu da solenidade, começou a gritar. Puseram compressas. A ferida abeiçara-se em duas dobras feias, o osso fora golpeado fundo."
"Outra maravilha para mim era a visão do canavial apendoado, as flechas fremindo na luz. Também o milharal me impressionava com o festão das suas palhas estrídulas, o milharal em terreno seco, o canavial à beira do rio. Por cima do milharal passa a frota de periquitos na sua algazarra verde; de dentro do canavial, ensopado na terra gorda, sobe o canto triste da saracura invisível, música da tarde."
"Assisti
também em Itaporanga à passagem de Canário Pardo (João Canário de Itabaiana também anotado por Carvalho Deda em Brefáias e Burundangas), rapsodo popular do sertão.
Cego como Homero, fazia-se acompanhar por mulheres bonitas, três ou quatro, de
cabelos soltos, encarregadas de angariar as contribuições dos ouvintes.
Sentado num toro de pau, reunia muita gente. No seu canto, acompanhado por um
crequeché, fazia o histórico dos incidentes políticos e sociais das
localidades. Balançava o corpo, levava à altura do ouvido o crequeché, e começava:
Vadeia
Canário Pardo/
Dentro
de Itabaianinha/
Seis
meis não canta galo/
Quatro
não canta galinha/
Nem
cego pede esmola/
Nem
aleijado caminha"
Quando este livro apareceu em 1954, a crítica o acolheu efusivamente. Posteriormente, quando seu autor foi recebido na Academia Brasileira de Letras por Alceu Amoroso Lima, este qualificou Gilberto Amado como o maior dos nossos memorialistas. Mas, em todas as suas produções evocativas subsequentes, o autor não conseguiu manter a naturalidade e a beleza das páginas de “História de Minha Infância”.
Precisamos escrever mais sobre nossos grandes livros? É uma injustiça "História de Minha de Minha Infância" ser tão pouco citado/lido/comentado/louvado até aqui.
É uma obra prima da literatura brasileira. E fala de nossa gente sergipana.
(por Antônio FJ Saracura, Aracaju, 290 de maio de 2016, recuperada em novembro de 2020)
Lido na ASL em 2020
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