O MEIO DO MUNDO,Antônio Carlos Viana, Companhia das
Letras, 1999162 páginas, isbn 978 8571 649323
Parte 1/2
Eu acabara de publicar “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e vi na livraria Escariz, o livro chamado “Cine Privé” de Antônio Carlos Viana. Li as orelhas e vi que se tratava de contista sergipano, mestre em literatura pela universidade, ovacionado pela crítica literária.
Resolvi, ali na livraria mesmo, ler o que pudesse
do livro.
A livraria oferece fofas poltronas e não recrimina
o greteiro.
Os contos, lidos naquele primeiro dia, não me
cativaram tanto. O sofás são fofos mas os usuários aproveitam
e fazem reunião de negócios, reencontros de amigos. O barulho dispersa a mente
dos leitores.
Um tempo depois, José Augusto Viana (sem parentesco com Antônio Carlos), um de meus gurus literários (leu todos os bons livros do mundo) e ex-colega de seminário, em email, ele vive em São Paulo, falou bem dos contos de Antônio Carlos. Perguntou se eu já havia lido algum, e se o conhecia pessoalmente. Respondi que lera trechos e que nunca o vira pessoalmente, talvez morasse fora de Sergipe.
Interessei-me mais pelo contista.
Tempo depois, em uma cerimônia da
Assembleia Legislativa, chamada “Cantinho Cultural”, que destaca arte sergipana
e é conduzido por Ilma Fontes (jornal “O Capital”), vi pessoalmente Antônio
Carlos Viana. De longe. Ele estava sendo homenageado, como se não quisesse
homenagem nenhuma, e eu, anônimo, no meio da plateia. Ele não falou nada, não trouxe
livro nenhum para divulgar ou vender. Quando os discursos (que o citaram
algumas vezes) foram encerrados, partiu sem cumprimentar ninguém, abrindo
caminho pela plateia. Passou longe de mim. Alguém comentou que o contista iria
pegar um voo e estava atrasado.
Como eu estava envolvido com literatura, procurava chegar perto dos intelectuais da terra.
Não me recordo exatamente como, descobri o email de Antônio Carlos e perguntei se ele aceitaria ler meus dois livros publicados (“Os Tabaréus do Sítio Saracura” e “Meninos que não Queriam ser Padres”). A resposta veio seca, apenas o endereço para deixar os livros. Até hoje não houve resposta.
Talvez nem tivesse tido tempo de os olhar. Andava adoentado, vi nos jornais.
O meu segundo encontro com Antônio Carlos aconteceu na Roda de Leitura da biblioteca Epifânio Dórea, comandada pelas abnegadas escritoras e professoras, Maruze Reis e Roseneide Santana. Fui à convite de Martha Hora, poeta amiga que pertencia ao grupo.
Ele estava no palco avaliando textos apresentados. Explicando estilos, elogiando poemas, etc. etc. Eu, inibido, de boca aberta no meio da plateia de estudantes e intelectuais. Querendo aparecer, mas não vendo jeito.
Ao final, no momento das fotos, me aproximei
sorrateiro e lhe ofereci meu terceiro livro “Minha Querida Aracaju Aflita”,
pedindo-lhe que o lesse. Ele disse, sem me olhar nos olhos: “Se eu encontrar
alguma coisa interessante, eu trago para mostrar na Roda”.
Logo depois, ele se mudou para o Paraná, escrever seu último livro “Hora de Matar Lagartas (resenhado aqui no meu blog).
(Antônio FJ Saracura, Aracaju, 06 de julho de 2013, recuperada em novembro de 2020).
Fim da parte 1 / 2
O MEIO DO MUNDO, Antônio Carlos Viana, Companhia das Letras, 1999162 páginas, isbn 978 8571 649323
Logo que José Augusto Viana (Gustinho) me chamou a atenção para Antônio Carlos Viana, encontrei, em um sebo ambulante que funciona na calçada da praça da Catedral de Aracaju, em frente às ruínas do Cacique Chá, o livro “O Meio do Mundo”, à venda, por cinco reais. Comprei, e li ávido.
Compilo a seguir minhas anotações feitas nos pés de páginas, nas bordas direita e esquerda e, algumas vezes, no meio do texto. Os contos sobre os quais nada anotei: nem me agrediram nem me encantaram tanto.
Vamos lá, doido.
“Meio do Mundo”: texto bom, bom final.
“O Dia em que Céu Casou” Ficou devendo.
“Nadinha”: Não
leva a nada.
“Meu tio Tião Só”: Texto insosso, mas com um final bom.
“Jardins Suspensos”: O final excelente salva o conto.
“Domingos da Paixão”: Prosinha às vezes enervante, prepotente. Há sempre um mistério mal
urdido.
“Herança”: Prosa
moída, mas bem escrita.
“Das Dores”: Amargura
excessiva (pra meu gosto); Augusto dos Anjos favelado; baixa qualquer astral.
“Existe Céu para Assassino”: Merda de Jolinda.
“Um Barão Assinalado”: Meio óbvio.
“Retratos”: O
que dizer? Destila mau-humor, ranzinice.
“Vá, Deralda”: Superior
aos vizinhos.
“Alea Jacta
Est”: Onde está a grandiosidade?
“Os Mestres”: Porra!
“Miss Brasil”: Bom
ritmo. Há um quê de pedantismo no trama.
“Sabor Pastis”: Muito
bom conto. E mais ainda, bem comportado.
“Olhos de Fogo”: Retornos e recomeços que confundem.
”Náufragos”: O
autor não é um cara normal.
“Boa Noite dona Isabel”: É foda. (Para usar o vocabulário chulo que impera).
“Dias de Jó”: Bom
conto.
“De Elásticos e Sonhos”; Desinteressante.
“Último Encontro”. Um ensaio à la Saramago somente.
“Nas Águas de Dalila”: Espetacular, valeu pelos demais juntos. Pelo livro todo.
“As Mulheres dos Três Reis Magos”: Excelente. Lúcido, organizado, palavras
adequadas e pontuação bem comportada. (Quem
mudou? Fui eu?)
“Aos Domingos”: Já
conhecia e continuei achando-o excelente, apesar do final metido a besta; há um
gosto de Metamorfose. Fez-me lembrar também Augusto dos Anjos: “E eu vou
andando, cheio de chamusco, / Com a flexibilidade de um molusco / Úmido,
pegajoso e untuoso ao tato”. Pode não ter nada a ver!
“Quinta-feira tem Drama”: Espetacular. No final, tive idêntica sensação ao final de “A Procura de Jane”, de Gizelda Morais. Ela desistiu
do romance, acabou de qualquer jeito.
“A Mulher das Mangabas”: Muito bom. O autor anda por um caminho no qual outros passam correndo e
não veem quase nada.
“Parábola dos Gatos ao Amanhecer”: Muito bom. Ritmo, consistente, coeso. Um
belo enxugamento do cotidiano.
“Tia Napalma, Coitada”: Conto meio descuidado e, outra vez, encerra com um enjoado enigma. Ou
não?
“O Crime do Parque Nacional”: Não merecia estar aqui.
“Brincar de Manja”: Roseneide Santana (minha consultora literária) quando fala nesse conto,
derrete-se toda. Por que seria?
Fim do livro.
O autor abusa de palavras chulas (me induzindo a fazer o mesmo) e do clima de baixo astral. Seguiria alguma corrente? Seria seu âmago amargo?
Os mistérios parecem enigmas afetados. Às vezes.
Senti aqui e acolá, cheiro de Kafka.
Apenas um dos contos espetaculares (contei perto de uma dúzia entre os mais de trinta) bastaria para “O Meio do Mundo” fosse uma grande obra da literatura brasileira. “Nas Águas de Dalila” e “As Mulheres dos Três Reis Magos” (para citar apenas dois contos neste livro) poderiam levá-lo ao Céu, que seria pouco.
Antônio Carlos Viana é monstro sagrado. Ganhou duas vezes o prêmio APCA de literatura, instituído pelos críticos de arte de São Paulo, um dos mais importantes do país.
Consagrado até fora do Brasil. Hoje mesmo, (veja
data no rodapé), deve estar na Alemanha, na Feira de Frankfurt, como convidado
especial.
Xxx
Os contos que não me encantaram tanto nesse livro estão encantando outros leitores, (já soube na praça). Preciso, então, reler “Brincando de Manja” e, humildemente, se for o caso, refazer essa resenha e pedir perdão ao imenso fã clube do autor, entre os quais estou.
E por que não deixei para publicar a resenha após a segunda leitura pretendida?
Sei lá se vou ter tempo de reler.
(Antônio FJ Saracura, Aracaju, 06 de julho de 2013, recuperada em novembro de 2020).
Post Scriptum:
Antônio Carlos Viana faleceu em 14 de outubro de 2016, com 72 anos de idade, vitimado por um câncer na medula. Estive com ele e a família até quando o carro funerário o levou para ser cremado (em Salvador), saindo da Biblioteca Epifâneo Dórea.
Amei a resenha e aa indicações dos contos, pois só conheço a obra "Jeito de matar lagartos".
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