MANIÇOBA,Robério Santos,
Infographics, 2015, 227 páginas,isbn 978-85-68368-75-6
Os livros publicados em prosa por
Robério Santos não são riachos bem comportados, que deslizam suavemente por
planície em fora com cristalinas águas. São também cursos de água de enxurrada,
que descem em corredeiras, trazendo de roldão pedaços de madeira, restos de
construção, animais mortos, vivos buscando escapar... Tudo misturado, em
convulsão. Água turva e, por vezes, até sólida. E a surpresa de improváveis
calmarias para logo serem engolidas pelas hordas de hunos indomáveis.
Vi isso em o “Vendedor de Sereias”
(sempre reluto a escrever o título do livro pois me atravessa na mente “O
Pagador de Promessas”, nem sei por que?); vi em “Lampião Arrodeando Itabaiana”,
em “Zeca Mesquita”, e até nos álbuns de fotografias. Como se retrancadas ideias
quisessem todas, ao mesmo tempo, passarem pela porta exígua de páginas, e
ganhar o mundo.
Acabo de ler “Maniçoba”.
Algumas crônicas eu já conhecia
(como esquecer de um texto de Robério?) pois as lera da revista Omnia (brado
heroico e retumbante do jornalista Robério) e em outras mídias onde sobra. Mas não
deixei de as conferir, buscando algum ponto intrigante que poderia remanescer, que
continuou sendo ainda.
A rebeldia, acho que um
ingrediente do cardápio roberiano, emerge até no vernáculo que é atropelado
aqui e ali. As rimas e as métricas de seus versos jogam ao ar os sagrados ritos
da religião. E quando o sentido escapa, inesperadamente, entra um pedaço de
madeira sem nada a ter, aparentemente, com a construção. Seria para quebrar a
imagem venerada nas estrofes anteriores?
Robério sabe marcar, plantar
imagens indeléveis na mente dos leitores. Quando leio sua escrita sempre acho
que merecia ser melhor ordenada. Mas é seu estilo turbilhão, como uma marca
própria que todo escritor tem que ter, para que seja identificado, assine ou
não a obra. E surge à vista, na enxurrada, outra, o bruxo Juan Carlos Onetti
(Junta Cadáveres e muitos outros), uruguaio, considerado, por críticos
literários, o maior escritor da língua espanhola, exceto ours concurs, como Miguel
de Cervantes. Vocês viram?
Passou tão rápido no meio da
correnteza que eu mesmo, atento, quase perco. E logo que passou veio uma
galhada atropelando tudo pela frente, envolvendo-o, engolindo-o. E agora uma bandeira
meio afogada onde leio turvo “famosos tabaréus do Saracura”... Destruíram alguma
festa literária rio acima. Corri pela beirada, seguindo o curso da água,
tentando desfrutar a felicidade familiar. Mas se o banner se foi no meio da barafunda, como fora Onetti.
Filomena Barreto vem me lembrar
de uma língua que falei e que desaprendi porque não pratiquei.
O passado dá um pulo tão grande
ao presente que alcança o futuro. Caienda, Cruz dos Cavalcante, Itabaiana. O
salto mortal de Edvaldo na Copacabana. O espirito maligno que os mais velhos chamavam
“djinn”. O arcebispo Maceta de Zé Bigodinho. Crendices, Folclore.
Mesmo sob a chuva torrencial, ou
melhor, sobre a enxurrada provocada por ela, conheci lugares especiais,
desfrutei da companhia de pessoas de valor e visagens mágicas ... De quem
Robério nem falou mas as despertou em minha mente. Viajei, deixei-me molhar,
soçobrei aqui e ali, procurei o chão, algumas vezes, e ele sumira. Mas foi um
bom passeio e certamente inesquecível por essa Maniçoba que envenena qualquer
um.
“Maniçoba” é boa, até na
rica iconografia do início e do final.
Ótimas crônicas, diamantes brutos.
(Antônio Saracura, Aracaju, 24 de
janeiro de 2016, recuperada em novembro de 2020).
Observação: restrição ao formato do livro 21 por 15 (em vez do tradicional 15 por 21): ruim de ler (linhas longas) e de armazenar na estante (quebra o padrão saudável).
Lido na ASL em 2020
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